quarta-feira, 21 de maio de 2014

O tempo das utopias mínimas

Por Leonardo Boff

Não é verdade que vivemos tempos pós-utópicos. Aceitar esta afirmação é mostrar uma representação reducionista do ser humano. Ele não é apenas um dado  que está ai fechado, vivo e consciente, ao lado de outros seres. Ele é também um ser virtual. Esconde dentro de si virtualidades ilimitadas, que podem irromper e concretizar-se. Ele é um ser de desejo, portador do princípio esperança (Bloch), permanentemente insatisfeito e sempre buscando novas coisas. No fundo, ele é um projeto infinito, à procura de um obscuro objeto que lhe seja adequado.

É desse transfundo virtual que nascem os sonhos, os pequenos e grandes projetos e as utopias mínimas e máximas. Sem elas o ser humano não veria sentido em sua vida, e tudo seria cinzento. Uma sociedade sem uma utopia deixaria de ser sociedade, não teria um rumo, pois afundaria no pântano dos interesses  individuais ou corporativos. O que entrou em crise não são as utopias mas certo tipo de utopia, as utopias maximalistas vindas do passado. 

Os últimos séculos foram dominados por utopias maximalistas. A utopia iluminista que universalizaria o império da razão contra todos os tradicionalismos e autoritarismos. A utopia industrialista de transformar as sociedades com produtos tirados da natureza e da invenções técnicas. A utopia capitalista de levar progresso e riqueza para todo mundo. A utopia socialista de gerar sociedades igualitárias e sem classes. As utopias nacionalistas sob a forma do nazifascismo que, a partir de uma nação poderosa, com “raça pura”, redesenharia a humanidade, impondo-se a todo mundo. Atualmente, a utopia da saúde total, gestando as condições higiênicas e medicinais que visam a imortalidade biológica ou o prolongamento da vida até a idade das "céculas" (cerca de 130 anos). A utopia de um único mundo globalizado sob a égide da economia de mercado e da democracia liberal. A utopia de ambientalistas radicais que sonham com uma Terra virgem e o ser humano totalmente integrado nela e outras.

Essas são  as utopias maximalistas. Propunham o máximo. Muitas delas foram impostas com violência ou geraram violência contra seus opositores. Temos hoje distância temporal suficiente para nos confirmar que estas utopias maximalistas frustraram o ser humano. Entraram em crise e perderam seu fascínio. Dai falarmos de tempos pós-utópicos. Mas o pós  se refere a este tipo de utopia maximalista. Elas deixaram um rastro de decepção e de depressão, especialmente, a utopia da revolução absoluta dos anos 60-70 do século passado,  como  a cultura hippy e seus derivados. 


Mas a utopia permanece porque pertence ao ânimo humano. Hoje, a busca se orienta pelas utopias minimalistas, aquelas que, no dizer de Paulo Freire, realizam o “possível viável” e fazem a sociedade “menos malvada e tornam menos difícil o amor”. Nota-se por todas as partes a urgência latente de utopias do simples melhoramento do mundo. Tudo o que nos entra pelas muitas janelas de informação nos leva a sentir: assim como o mundo está, não pode continuar. Mudar e, se não der, ao menos melhorar.      

Não pode continuar a absurda acumulação de riqueza como jamais houve na história (85 mais ricos possuem rendas correspondentes a 3,57 bilhões de pessoas, como denunciava a ONG Oxfam intermón em janeiro deste ano em Davos). Para esses, o sistema econômico-financeiro não está em crise; ao contrário, oferece chances de acumulação como nunca antes na história devastadora do capitalismo. Há que se pôr um freio à verocidade produtivista que assalta os bens e serviços da natureza em vista da acumulação, produz gases de efeito estufa que alimenta o aquecimento global, que, ao não ser detido, poderá produzir um armagedon ecológico.  

As utopias minimalistas, a bem da verdade, são aquelas que vêm sendo implementadas pelo governo atual do PT e seus aliados com base popular: garantir que o povo coma duas ou três vezes ao dia, pois o primeiro dever de um Estado é garantir a vida dos cidadãos; isso não é assistencialismo mas humanitarismo em grau zero. São os projetos “minha casa-minha vida”, “luz para todos”, o aumento significativo do salário mínimo,  o “Prouni”, que permite o acesso aos estudos superiores a estudantes socialmente menos favorecidos, os “pontos de cultura” e outros projetos populares que não cabe aqui elencar.

A nível das grandes maiorias, são verdadeiras utopias mínimas viáveis: receber um salário que atenda às necessidades da família, ter acesso à saúde, mandar os filhos à escola, conseguir um transporte coletivo que não lhe tire tanto  tempo de vida, contar com serviços sanitários básicos,  dispor de lugares de lazer e de cultura, e com uma aposentadoria digna para enfrentar os achaques da velhice.

A consecução destas utopias minimalistas cria a base para utopias mais altas: aspirar a que os povos se abracem na fraternidade, que não se guerreiem, se unam todos para preservar este pequeno e belo planeta Terra, sem o qual nenhuma utopia maximalista ou minimalista pode ser projetada. O primeiro ofício do ser humano é viver livre de necessidades e gozando um pouco do reino da liberdade. E por fim poder dizer “valeu a pena”.


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