“Hoje temos 35% mais gases estufa na atmosfera do que antes da
revolução iniciar e numa concentração nunca vista nos últimos 160 mil
anos”, constata o diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
– IPAM, Paulo Moutinho.
Mesmo que os resultados divulgados pelo Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas – IPCC ainda sejam parciais, os dados
apresentados permitem que os impactos climáticos sejam avaliados em
termos globais.
“O desmatamento tropical é fonte importante de emissão de gases de
efeito estufa. Ao derrubar as florestas e queimá-las, uma grande
quantidade de CO2 (dióxido de carbono) é emitida para a atmosfera.
Apesar da redução do desmatamento tropical (em especial na Amazônia) nos
últimos anos, diminuir a destruição das florestas ainda é fundamental
para que consigamos manter o aumento de temperatura média do planeta
comparada àquela registrada antes da revolução industrial”, considera
Paulo Moutinho, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
“Além disso, reduzir o desmatamento continua sendo o jeito mais
rápido e barato de reduzirmos as emissões mundiais. Assim, será possível
ganhar algum tempo para que possamos mudar nossa matriz energética para
algo menos carbono intensivo”, sustenta.
Segundo Paulo Moutinho, pesquisas indicam que, nos últimos 160 mil
anos, houve variações de temperatura de forma muito frequente. Porém, os
níveis de efeito estufa nunca cresceram com tanta rapidez como nas
últimas décadas. “Hoje, temos 35% mais gases estufa na atmosfera do que
antes da revolução [industrial] e numa concentração nunca vista nos
últimos 160 mil anos”, explica.
A complexidade do tema exige que coloquemos em pauta, por exemplo, o
projeto de desenvolvimento nacional. “A questão é: Como promover um
desenvolvimento de baixa emissão de gases estufa, tendo como visão de
futuro energético o uso do petróleo (do Pré-Sal ou não)?”, pergunta.
“O Brasil ainda apresenta grandes contradições nas suas
macropolíticas para o desenvolvimento. O país faz um investimento
vultoso (só o plano safra 2013/2014 envolve mais de 130 bilhões de
reais) na agricultura tradicional (grande emissora de gases de efeito
estufa) e, ao mesmo tempo, promove um programa agrícola voltado para a
agricultura de baixo carbono. O detalhe é que este programa tem apenas
algo ao redor de 3 bilhões de reais”, responde Paulo Moutinho. “Ainda
neste sentido, o governo concede, a título de isenção fiscal, mais de
100 bilhões de reais por ano. A maioria dos incentivos é para setores
que mais emitem gases estufa”, complementa.
Paulo Moutinho é formado em Biologia pela Univesidade Estadual do Rio
de Janeiro – Uerj, mestre e doutor em Ecologia pela Universidade
Estadual de Campinas – Unicamp. Além disso é diretor do Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM. Atua na amazônia há mais 20 anos.
Seus estudos estão relacionados com a dinâmica do desmatamento e seus
efeitos sobre a biodiversidade, clima e os habitantes da região.
Executou pesquisas inéditas sobre os processos de recuperação florestal
em áreas degradadas na amazônia, bem como sobre os impactos da mudança
climática, particularmente a redução de chuva, sobre a floresta e seu
funcionamento.
Confira a entrevista:
IHU On-Line – Por que os resultados parciais divulgados pelo
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC são ainda
mais alarmantes no contexto atual?
Paulo Moutinho - O motivo é muito simples: as
mudanças estão mais rápidas e intensas do que o previsto anteriormente.
Os estudos demonstrando tais mudanças mais do que dobraram em número de
2005 para cá. Vários deles reforçam que a mudança climática tem,
principalmente, causa antrópica e é atual.
IHU On-Line – Em que medida o desmatamento torna-se um elemento-chave para o superaquecimento global?
Paulo Moutinho - O desmatamento tropical é fonte
importante de emissão de gases de efeito estufa. Ao derrubar as
florestas e queimá-las, uma grande quantidade de CO2 (dióxido de
carbono) é emitida para a atmosfera. Apesar da redução do desmatamento
tropical (em especial na Amazônia) nos últimos anos, diminuir a
destruição das florestas ainda é fundamental para que consigamos manter o
aumento de temperatura média do planeta comparada àquela registrada
antes da revolução industrial, isto é, abaixo dos 2 graus Celsius. Este é
o limite de aquecimento reconhecido pelo IPCC. Além disso, reduzir o
desmatamento continua sendo o jeito mais rápido e barato de reduzirmos
as emissões mundiais. Assim, será possível ganhar algum tempo para que
possamos mudar nossa matriz energética para algo menos carbono intensivo
(= combustíveis fósseis).
IHU On-Line – Qual a principal diferença das variações
climáticas de temperatura terrestre chamadas “naturais” e do aquecimento
antropogênico? Em termos práticos, quais são os impactos no ecossistema
global?
Paulo Moutinho - As variações consideradas naturais
são aquelas relacionadas à dinâmica do clima terrestre, influenciado por
vários fatores — insolação, relevo, manchas solares, etc. Tudo isso
acontece na chamada biosfera, onde os elementos vivos, como as florestas
e o plâncton no mar, por exemplo, têm influência direta sobre o
equilíbrio climático do planeta. No entanto, quando desmatamos uma
floresta, jogamos uma quantidade enorme de gases estufa (especialmente o
gás carbônico) para a atmosfera, resultando numa contribuição para o
aquecimento.
No entanto, este gás carbônico pode ser, em parte, removido através
da restauração florestal, via fotossíntese das árvores. Já o gás
carbônico, bem como outros gases estufa oriundos da queima de
combustíveis fósseis, torna-se mais problemático, pois provém de um
carbono que está fora da biosfera.
Isto é, está enterrado. Ao retirar
este carbono (petróleo, gás natural e carvão mineral) do subsolo e
injetá-lo na atmosfera, através da queima e em doses elevadas, como vem
acontecendo, estamos adicionando uma quantidade muito grande de gás
estufa que se acumula na atmosfera, aumentando o efeito estufa. Além
disso, na evolução da atmosfera terrestre, houve sempre aumentos e
quedas de temperatura estas associadas associados à quantidade de gases
estufa. Quanto mais gases, maior a temperatura.
Nos últimos 160 mil anos, este sobe e desce foi frequente. Acontece
que, nas últimas décadas, a quantidade de gases estufa na atmosfera
cresceu a níveis nunca antes registrados e numa velocidade estupenda.
Isto se deu depois da revolução industrial. Hoje temos 35% mais gases
estufa na atmosfera do que antes da revolução iniciar e numa
concentração nunca vista nos últimos 160 mil anos.
IHU On-Line – Qual a representatividade da poluição
industrial, sobretudo com a queima de combustíveis fósseis, no
aquecimento global antropogênico?
Paulo Moutinho - A poluição industrial no nível
global contribui de forma significativa. Em grande parte, pela queima de
combustíveis fósseis para gerar energia para as atividades do setor. No
Brasil, contudo, a indústria contribui relativamente pouco para as
emissões, se comparado ao setor de energia e transporte. Mas as emissões
industriais vêm crescendo.
IHU On-Line – Tendo em vista o projeto de expansão na
exploração de petróleo nacional, com a camada do Pré-Sal e a Bacia de
Campos , como se pode explicar o compromisso do Estado com a redução de
emissão de gases da concentração do efeito estufa?
Paulo Moutinho - Este já é um dos maiores dilemas do
Brasil (e de vários outros países). E terá que ser enfrentado num
futuro próximo. A questão é: Como promover um desenvolvimento de baixa
emissão de gases estufa, tendo como visão de futuro energético o uso do
petróleo (do pré-sal ou não)? O Brasil (e não é o único) ainda apresenta
grandes contradições nas suas macropolíticas para o desenvolvimento.
Por exemplo, o país faz um investimento vultoso (só o plano safra
2013/2014 envolve mais de 130 bilhões de reais) na agricultura
tradicional (grande emissora de gases de efeito estufa) e, ao mesmo
tempo, promove um programa agrícola voltado para a agricultura de baixo
carbono. O detalhe é que este programa tem apenas algo ao redor de 3
bilhões de reais. Ainda neste sentido, o governo concede, a título de
isenção fiscal, mais de 100 bilhões de reais por ano.
A maioria dos incentivos é para setores que mais emitem gases estufa.
Assim, somente com uma decisão firme do governo e uma clara cobrança da
sociedade em favor de um desenvolvimento sustentável e de baixa emissão
é que poderemos ter um futuro mais adequado ao que o planeta exige para
continuar sendo habitável.
IHU On-Line – Diante da complexidade do cenário nacional, com
a constante queda de braço entre as pautas indigenistas e de proteção
ambiental com as de flexibilização do Código Florestal Brasileiro
encabeçada pelos ruralistas, qual o desafio posto à sociedade no que diz
respeito à preservação ambiental?
Paulo Moutinho - O maior desafio é mostrar que a
preservação ambiental e o uso sustentável de recursos ambientais serão a
alavanca do desenvolvimento e crescimento econômico no futuro aquecido
do planeta. Esta história de que temos de conciliar crescimento
econômico com preservação representa um falso dilema. Temos que promover
prosperidade econômica através da preservação.
IHU On-Line – De maneira objetiva, temos alternativas
eficientes para a matriz energética que não seja baseada em combustíveis
fósseis, ou estamos diante de um beco sem saída?
Paulo Moutinho - Não há beco sem saída. Há condições
de enfrentarmos o problema com mudanças de hábito e de consumo. Algo
que exige tempo, certamente, e políticas adequadas, além de
investimentos. No caso da energia, talvez não se possa falar em uma
mudança da matriz energética do dia para a noite. O Brasil tem uma certa
vantagem neste campo devido à hidroeletricidade. Mas, por vários
motivos, nunca tantas termelétricas a gás e carvão mineral foram ligadas
no país. Se nos comparamos com outro gigante em desenvolvimento, a
China, um país muito mais poluidor que o nosso, o avanço chinês em
energias renováveis está anos luz na frente. Como disse antes, cabe
vontade e visão política para iniciarmos um investimento forte em
energias renováveis.
IHU On-Line – Considerando a complexa encruzilhada em que as
sociedades contemporâneas estão imersas, faz-se necessário um novo
paradigma de enfrentamento à crise ambiental? De que ordem?
Paulo Moutinho - De ordem econômica. Sem uma nova
prosperidade econômica baseada no uso sustentável dos recursos
terrestres e de baixa emissão, será difícil. Só com argumentos
ambientais, sociais ou mesmo divinos para mudar o curso no qual nos
encontramos. É frustrante pensar que, da ratificação do Protocolo de
Kyoto para cá, as emissões mundiais continuaram aumentando ano a ano e
numa velocidade impressionante.
IHU On-Line – A experiência brasileira tem demonstrado que os
povos originários, índios e quilombolas, são os maiores defensores do
meio ambiente. Nesse sentido, de que maneira é possível alçar essas
minorias políticas a protagonistas do debate?
Paulo Moutinho - O primeiro passo é que todos nós,
sociedade e governo, reconheçamos o papel importante, neste novo mundo
em aquecimento, que estes povos exercem. Eles são detentores de um
armazém imenso de carbono (florestas) que, se destruído pelo
desmatamento, irá agravar a mudança do clima. O lado perverso deste fato
é que, com a alteração climática, estes povos serão aqueles que mais
sofrerão. Seja por falta de condições de se adaptarem às alterações que
estão por vir ou já se instalaram, seja pela destruição de seus modos de
vida. De guardiões da floresta, passarão a vítimas do clima.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Paulo Moutinho - Será fundamental que a sociedade
atue de forma enfática no enfrentamento da mudança climática. Os
sacrifícios serão muitos, mas suportáveis, se iniciarmos uma revolução
socioambiental já. Uma revolução em favor de um planeta minimamente
habitável. Por outro lado, os governos devem ser visionários e enxergar
as políticas para o combate à mudança do clima para além de seus
mandatos e projetos político-partidários. É preciso uma política de
Estado que transpasse mandatos. Espero que nesta próxima eleição os
brasileiros passem a exigir mais veementemente dos candidatos
compromissos claros de longo prazo em favor do desenvolvimento de baixa
emissão de carbono. De preferência sem as contradições que vemos hoje.
Fonte: IHU On-Line.
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