quarta-feira, 21 de maio de 2014

Como promover um desenvolvimento de baixa emissão?


“Hoje temos 35% mais gases estufa na atmosfera do que antes da revolução iniciar e numa concentração nunca vista nos últimos 160 mil anos”, constata o diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, Paulo Moutinho.

Mesmo que os resultados divulgados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC ainda sejam parciais, os dados apresentados permitem que os impactos climáticos sejam avaliados em termos globais.

“O desmatamento tropical é fonte importante de emissão de gases de efeito estufa. Ao derrubar as florestas e queimá-las, uma grande quantidade de CO2 (dióxido de carbono) é emitida para a atmosfera. Apesar da redução do desmatamento tropical (em especial na Amazônia) nos últimos anos, diminuir a destruição das florestas ainda é fundamental para que consigamos manter o aumento de temperatura média do planeta comparada àquela registrada antes da revolução industrial”, considera Paulo Moutinho, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

“Além disso, reduzir o desmatamento continua sendo o jeito mais rápido e barato de reduzirmos as emissões mundiais. Assim, será possível ganhar algum tempo para que possamos mudar nossa matriz energética para algo menos carbono intensivo”, sustenta.

Segundo Paulo Moutinho, pesquisas indicam que, nos últimos 160 mil anos, houve variações de temperatura de forma muito frequente. Porém, os níveis de efeito estufa nunca cresceram com tanta rapidez como nas últimas décadas. “Hoje, temos 35% mais gases estufa na atmosfera do que antes da revolução [industrial] e numa concentração nunca vista nos últimos 160 mil anos”, explica.

A complexidade do tema exige que coloquemos em pauta, por exemplo, o projeto de desenvolvimento nacional. “A questão é: Como promover um desenvolvimento de baixa emissão de gases estufa, tendo como visão de futuro energético o uso do petróleo (do Pré-Sal ou não)?”, pergunta.

“O Brasil ainda apresenta grandes contradições nas suas macropolíticas para o desenvolvimento. O país faz um investimento vultoso (só o plano safra 2013/2014 envolve mais de 130 bilhões de reais) na agricultura tradicional (grande emissora de gases de efeito estufa) e, ao mesmo tempo, promove um programa agrícola voltado para a agricultura de baixo carbono. O detalhe é que este programa tem apenas algo ao redor de 3 bilhões de reais”, responde Paulo Moutinho. “Ainda neste sentido, o governo concede, a título de isenção fiscal, mais de 100 bilhões de reais por ano. A maioria dos incentivos é para setores que mais emitem gases estufa”, complementa.

Paulo Moutinho é formado em Biologia pela Univesidade Estadual do Rio de Janeiro – Uerj, mestre e doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Além disso é diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM. Atua na amazônia há mais 20 anos. Seus estudos estão relacionados com a dinâmica do desmatamento e seus efeitos sobre a biodiversidade, clima e os habitantes da região. Executou pesquisas inéditas sobre os processos de recuperação florestal em áreas degradadas na amazônia, bem como sobre os impactos da mudança climática, particularmente a redução de chuva, sobre a floresta e seu funcionamento.

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Por que os resultados parciais divulgados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC são ainda mais alarmantes no contexto atual?

Paulo Moutinho - O motivo é muito simples: as mudanças estão mais rápidas e intensas do que o previsto anteriormente. Os estudos demonstrando tais mudanças mais do que dobraram em número de 2005 para cá. Vários deles reforçam que a mudança climática tem, principalmente, causa antrópica e é atual.

IHU On-Line – Em que medida o desmatamento torna-se um elemento-chave para o superaquecimento global?

Paulo Moutinho - O desmatamento tropical é fonte importante de emissão de gases de efeito estufa. Ao derrubar as florestas e queimá-las, uma grande quantidade de CO2 (dióxido de carbono) é emitida para a atmosfera. Apesar da redução do desmatamento tropical (em especial na Amazônia) nos últimos anos, diminuir a destruição das florestas ainda é fundamental para que consigamos manter o aumento de temperatura média do planeta comparada àquela registrada antes da revolução industrial, isto é, abaixo dos 2 graus Celsius. Este é o limite de aquecimento reconhecido pelo IPCC. Além disso, reduzir o desmatamento continua sendo o jeito mais rápido e barato de reduzirmos as emissões mundiais. Assim, será possível ganhar algum tempo para que possamos mudar nossa matriz energética para algo menos carbono intensivo (= combustíveis fósseis).

IHU On-Line – Qual a principal diferença das variações climáticas de temperatura terrestre chamadas “naturais” e do aquecimento antropogênico? Em termos práticos, quais são os impactos no ecossistema global?

Paulo Moutinho - As variações consideradas naturais são aquelas relacionadas à dinâmica do clima terrestre, influenciado por vários fatores — insolação, relevo, manchas solares, etc. Tudo isso acontece na chamada biosfera, onde os elementos vivos, como as florestas e o plâncton no mar, por exemplo, têm influência direta sobre o equilíbrio climático do planeta. No entanto, quando desmatamos uma floresta, jogamos uma quantidade enorme de gases estufa (especialmente o gás carbônico) para a atmosfera, resultando numa contribuição para o aquecimento.

No entanto, este gás carbônico pode ser, em parte, removido através da restauração florestal, via fotossíntese das árvores. Já o gás carbônico, bem como outros gases estufa oriundos da queima de combustíveis fósseis, torna-se mais problemático, pois provém de um carbono que está fora da biosfera.

Isto é, está enterrado. Ao retirar este carbono (petróleo, gás natural e carvão mineral) do subsolo e injetá-lo na atmosfera, através da queima e em doses elevadas, como vem acontecendo, estamos adicionando uma quantidade muito grande de gás estufa que se acumula na atmosfera, aumentando o efeito estufa. Além disso, na evolução da atmosfera terrestre, houve sempre aumentos e quedas de temperatura estas associadas associados à quantidade de gases estufa. Quanto mais gases, maior a temperatura.

Nos últimos 160 mil anos, este sobe e desce foi frequente. Acontece que, nas últimas décadas, a quantidade de gases estufa na atmosfera cresceu a níveis nunca antes registrados e numa velocidade estupenda. Isto se deu depois da revolução industrial. Hoje temos 35% mais gases estufa na atmosfera do que antes da revolução iniciar e numa concentração nunca vista nos últimos 160 mil anos.

IHU On-Line – Qual a representatividade da poluição industrial, sobretudo com a queima de combustíveis fósseis, no aquecimento global antropogênico?

Paulo Moutinho - A poluição industrial no nível global contribui de forma significativa. Em grande parte, pela queima de combustíveis fósseis para gerar energia para as atividades do setor. No Brasil, contudo, a indústria contribui relativamente pouco para as emissões, se comparado ao setor de energia e transporte. Mas as emissões industriais vêm crescendo.

IHU On-Line – Tendo em vista o projeto de expansão na exploração de petróleo nacional, com a camada do Pré-Sal e a Bacia de Campos , como se pode explicar o compromisso do Estado com a redução de emissão de gases da concentração do efeito estufa?

Paulo Moutinho - Este já é um dos maiores dilemas do Brasil (e de vários outros países). E terá que ser enfrentado num futuro próximo. A questão é: Como promover um desenvolvimento de baixa emissão de gases estufa, tendo como visão de futuro energético o uso do petróleo (do pré-sal ou não)? O Brasil (e não é o único) ainda apresenta grandes contradições nas suas macropolíticas para o desenvolvimento.

Por exemplo, o país faz um investimento vultoso (só o plano safra 2013/2014 envolve mais de 130 bilhões de reais) na agricultura tradicional (grande emissora de gases de efeito estufa) e, ao mesmo tempo, promove um programa agrícola voltado para a agricultura de baixo carbono. O detalhe é que este programa tem apenas algo ao redor de 3 bilhões de reais. Ainda neste sentido, o governo concede, a título de isenção fiscal, mais de 100 bilhões de reais por ano.

A maioria dos incentivos é para setores que mais emitem gases estufa. Assim, somente com uma decisão firme do governo e uma clara cobrança da sociedade em favor de um desenvolvimento sustentável e de baixa emissão é que poderemos ter um futuro mais adequado ao que o planeta exige para continuar sendo habitável.

IHU On-Line – Diante da complexidade do cenário nacional, com a constante queda de braço entre as pautas indigenistas e de proteção ambiental com as de flexibilização do Código Florestal Brasileiro encabeçada pelos ruralistas, qual o desafio posto à sociedade no que diz respeito à preservação ambiental?

Paulo Moutinho - O maior desafio é mostrar que a preservação ambiental e o uso sustentável de recursos ambientais serão a alavanca do desenvolvimento e crescimento econômico no futuro aquecido do planeta. Esta história de que temos de conciliar crescimento econômico com preservação representa um falso dilema. Temos que promover prosperidade econômica através da preservação.

IHU On-Line – De maneira objetiva, temos alternativas eficientes para a matriz energética que não seja baseada em combustíveis fósseis, ou estamos diante de um beco sem saída?

Paulo Moutinho - Não há beco sem saída. Há condições de enfrentarmos o problema com mudanças de hábito e de consumo. Algo que exige tempo, certamente, e políticas adequadas, além de investimentos. No caso da energia, talvez não se possa falar em uma mudança da matriz energética do dia para a noite. O Brasil tem uma certa vantagem neste campo devido à hidroeletricidade. Mas, por vários motivos, nunca tantas termelétricas a gás e carvão mineral foram ligadas no país. Se nos comparamos com outro gigante em desenvolvimento, a China, um país muito mais poluidor que o nosso, o avanço chinês em energias renováveis está anos luz na frente. Como disse antes, cabe vontade e visão política para iniciarmos um investimento forte em energias renováveis.

IHU On-Line – Considerando a complexa encruzilhada em que as sociedades contemporâneas estão imersas, faz-se necessário um novo paradigma de enfrentamento à crise ambiental? De que ordem?

Paulo Moutinho - De ordem econômica. Sem uma nova prosperidade econômica baseada no uso sustentável dos recursos terrestres e de baixa emissão, será difícil. Só com argumentos ambientais, sociais ou mesmo divinos para mudar o curso no qual nos encontramos. É frustrante pensar que, da ratificação do Protocolo de Kyoto para cá, as emissões mundiais continuaram aumentando ano a ano e numa velocidade impressionante.

IHU On-Line – A experiência brasileira tem demonstrado que os povos originários, índios e quilombolas, são os maiores defensores do meio ambiente. Nesse sentido, de que maneira é possível alçar essas minorias políticas a protagonistas do debate?

Paulo Moutinho - O primeiro passo é que todos nós, sociedade e governo, reconheçamos o papel importante, neste novo mundo em aquecimento, que estes povos exercem. Eles são detentores de um armazém imenso de carbono (florestas) que, se destruído pelo desmatamento, irá agravar a mudança do clima. O lado perverso deste fato é que, com a alteração climática, estes povos serão aqueles que mais sofrerão. Seja por falta de condições de se adaptarem às alterações que estão por vir ou já se instalaram, seja pela destruição de seus modos de vida. De guardiões da floresta, passarão a vítimas do clima.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Paulo Moutinho - Será fundamental que a sociedade atue de forma enfática no enfrentamento da mudança climática. Os sacrifícios serão muitos, mas suportáveis, se iniciarmos uma revolução socioambiental já. Uma revolução em favor de um planeta minimamente habitável. Por outro lado, os governos devem ser visionários e enxergar as políticas para o combate à mudança do clima para além de seus mandatos e projetos político-partidários. É preciso uma política de Estado que transpasse mandatos. Espero que nesta próxima eleição os brasileiros passem a exigir mais veementemente dos candidatos compromissos claros de longo prazo em favor do desenvolvimento de baixa emissão de carbono. De preferência sem as contradições que vemos hoje.

Fonte: IHU On-Line.


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