sexta-feira, 12 de abril de 2013

Virar o jogo contra as mudanças climáticas


As sociedades contemporâneas têm hoje a possibilidade real de vitória na luta contra o horizonte catastrófico representado pelas mudanças climáticas.

Essa visão otimista apoia-se em dois conjuntos de circunstâncias, chamados por Paul Gilding (o celebrado autor de The Great Disruption) de pontos de virada, ou “tipping points”. A expressão refere-se ao acúmulo de fatores que, a partir de certo patamar, revoluciona, de maneira quase sempre irreversível, a dinâmica de um determinado sistema.

Economistas e sociólogos usam-na para explicar alterações bruscas de comportamentos coletivos. E é exatamente disso que se trata quando está em questão a mutação de uma ordem social apoiada em combustíveis fósseis para uma organização em que energias renováveis tenham o papel preponderante.

Primeiro ponto de virada: o uso de combustíveis fósseis durante a última década colocou a espécie humana numa situação de alto risco. A continuar no ritmo atual, o aumento de temperatura previsto para 2060 é de 4ºC. E, como diz o recente relatório do Banco Mundial que contém essa previsão, não há qualquer sinal de que a humanidade esteja preparada para adaptar-se a tal mudança na temperatura global média. Se esse limite for atingido, prossegue o relatório, será difícil evitar a perspectiva de 6ºC de elevação da temperatura no início do próximo século, com o aumento no nível do mar entre 50 centímetros e um metro.
Mas, se é assim, onde está o ponto de virada?

Ele se encontra no fato de que as mudanças climáticas estão deixando de ser uma preocupação fundamentalmente ecológica ou ambiental e passam a ser um fator decisivo do próprio cálculo dos mais importantes atores econômicos globais.

Essa mudança de percepção se traduz na ideia de fósseis não passíveis de serem queimados, ou, na excelente expressão em inglês, “unburnable carbon”. Um relatório recente do HSBC mostra que, se o carbono contido no carvão, no petróleo e no gás detido pelas maiores petrolíferas europeias (BP, Shell, Statoil, ENI e Total) não for queimado, isso fará com que elas percam entre 40% e 60% de sua previsão de receita.

O cálculo se apoia num artigo publicado na “Nature” em 2009 : se a humanidade optar por uma chance de 50% de não elevar a temperatura global média além de dois graus, as emissões de gases de efeito estufa entre 2000 e 2050 (o que os especialistas chamam de orçamento carbono) não poderão ultrapassar 1.440 gigatoneladas.

O conceito de orçamento carbono é fundamental: ele não aponta para o limite na disponibilidade de combustíveis fósseis e sim para o ponto além do qual queimar carbono ameaça a atmosfera e, portanto, as condições que permitem a reprodução da própria vida. Não se trata apenas de saber qual a riqueza existente e sim qual a possibilidade de que esta riqueza seja usada sem destruir os fundamentos da convivência social.

Pois bem, das 1.440 gigatoneladas de CO2 que poderiam ser queimadas até 2050 (para manter o limite de dois graus na elevação da temperatura), já foram usadas, desde 2000, nada menos que 400 GT CO2. Ou seja, mais de um quarto do orçamento carbono para cinco décadas foi usado em pouco mais de dez anos. Resta então algo em torno de 1.000 GT CO2, para que o limite de dois graus seja respeitado. Como as reservas conhecidas de combustíveis fósseis são de 2.860 GT CO2, isso significa que somente cerca de um terço dessa riqueza potencial pode transformar-se em utilidade real (e ganho econômico).

O resultado é obviamente devastador para as empresas cuja estratégia consiste fundamentalmente em explorar combustíveis fósseis. Ou então será devastador para a espécie humana. Mas, insiste Gilding, há indícios de que se forma uma coalizão social voltada a evitar o pior cenário. Esta coalizão não envolve apenas ativistas, mas também segmentos crescentes do meio empresarial, da comunidade científica e das administrações públicas.

E aí reside o segundo ponto de virada. O avanço nas energias renováveis está superando as mais otimistas expectativas. Nos Estados Unidos, nos últimos cinco anos, o preço do kW produzido por painéis solares caiu de US$ 5 para US$ 0,50. Em 14 Estados norte-americanos, a energia solar já é mais barata que a convencional.

Um relatório recente do gigante financeiro UBS mostra que os domicílios europeus já reduzem suas contas de eletricidade por meio da instalação de painéis solares, cujos custos de produção caíram drasticamente nos últimos anos.

Um dos países em que a energia solar melhor funciona é a pouco ensolarada Alemanha. O relatório prevê que a autoprodução de energia com base em painéis solares deve chegar, em 2020, a 14% na Alemanha, 18% na Espanha e 17% na Itália. Desde a Revolução Industrial, a eficiência na oferta de energia ligou-se sempre à concentração e ao poder de firmas gigantescas.

A virada está não só na perspectiva de redução dos fósseis, mas no avanço de formas descentralizadas e conectadas em rede de produção de energia.

Quais as consequências deste cenário para o Brasil?

É verdade que o país avançou de maneira expressiva na produção de energia eólica, embora o mesmo não possa ser dito da solar. O problema é que, quando se comparam os investimentos e o esforço de inovação em fósseis com o empenho em fortalecer a matriz energética renovável, fica claro que a opção brasileira atual é por fortalecer, na prática, a coalizão social, que, em termos globais, prospera com o avanço dos combustíveis fósseis.

O risco é duplo: por um lado, perda de valor das atividades petrolíferas, que hoje consomem parcela decisiva dos investimentos nacionais. Por outro, e mais grave, o Brasil continuará na retaguarda da inovação do que há de mais significativo em termos de energia renovável.

São questões que vão muito além da briga pela divisão dos royalties do petróleo.

 Ricardo Abramovay é professor titular da FEA e do IRI-USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp, e autor deMuito Além da Economia Verde, lançado na Rio+20 pela Editora Planeta Sustentável.



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