Vai e volta sem chegar a consenso a discussão sobre o destino do
lixo, dos resíduos sólidos e orgânicos, tantos são os interesses
envolvidos. Neste momento, o centro do debate está em torno da decisão
ou intenção de alguns municípios paulistas, principalmente da Região
Metropolitana de São Paulo – Mogi das Cruzes, Barueri, São Bernardo do
Campo -, de partir para projetos de incineração de resíduos.
Barueri, por exemplo, que hoje leva seu lixo para 30 quilômetros de
distância, vai aplicar R$ 160 milhões na instalação de uma usina que
incinerará, a uma temperatura de 800 graus, 90% dos resíduos, a um custo
de R$ 44,6 milhões anuais (Folha de S.Paulo, 6/4). Mogi das Cruzes e
outros cinco municípios terão um projeto conjunto para incinerar 500
toneladas diárias. O Conselho do Instituto Pólis, por exemplo, já
condenou o projeto, não só por causa dos riscos da incineração (emissão
de dioxinas e furanos, cancerígenos, dependendo da temperatura), como
pelos prejuízos para as cooperativas de catadores de materiais
recicláveis.
O tema foi um dos discutidos em recente reunião promovida pelo
Instituto Ethos, na qual empresas eram convidadas a assinar uma carta de
compromisso sobre “gestão sustentável de resíduos sólidos”. Nesta, a
intenção é seguir as prioridades da Política Nacional de Resíduos
Sólidos, aprovada pelo Congresso Nacional – não gerar resíduos,
reduzi-los, reutilizá-los, reciclá-los, dar prioridade na política a
cooperativas de catadores. Infelizmente, o Senado, na última hora,
suprimiu o dispositivo que colocava a incineração como alternativa a ser
considerada apenas se as outras não fossem viáveis. E mandou o texto
para a sanção presidencial – o que ocorreu ainda na gestão Lula.
É um problema brasileiro grave, pois estão sendo geradas mais de 230
mil toneladas diárias de lixo domiciliar e comercial (fora entulhos e
outros tipos de resíduos), mais de 1,2 quilo por pessoa/dia, das quais
62 milhões de toneladas anuais de resíduos sólidos; 89% desse volume é
coletado e mais de 40% vai para 3.369 lixões, segundo o IBGE. Agora, o
Movimento Nacional dos Catadores protesta “veementemente” contra a
intenção de Porto Alegre, onde a prefeitura avalia dez projetos para uma
central de tratamento de resíduos, que terá como uma das possibilidades
a incineração de 1,8 mil toneladas diárias, hoje levadas diariamente em
20 caminhões para um aterro a 120 quilômetros de distância. A cidade
paranaense de Maringá também ameaçou tomar esse caminho, mas a oposição
foi mais forte.
Apesar da oposição, a tendência à incineração cresce, pois as
principais cidades brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Recife, Brasília, Porto Alegre, Curitiba – estão com seus
aterros esgotados. E a coleta e o transporte de resíduos custa às
prefeituras entre R$ 30 e R$ 120 por tonelada – o quer significa alguns
bilhões de reais por ano. Pode ser até mais, se chegarmos à situação de
Nova York (EUA), que passou a levar seu lixo em caminhões para mais de
500 quilômetros de distância, ou de Toronto (Canadá), com um comboio
ferroviário levando todos os dias mais de 3 mil toneladas para mais de
mil quilômetros de distância.
A reciclagem no Brasil, em usinas, é quase ridícula: menos de 2% do
lixo. E nossa situação só não é mais grave graças ao trabalho heroico de
1 milhão de catadores que levam os resíduos sólidos para empresas que
os reciclam – mais de 90% das latas de alumínio, mais de 40% do papel,
do papelão e do vidro, em torno de 50% do PET. Mas a situação pode
piorar se for aprovado (a decisão está pendente na Justiça) que bebidas
alcoólicas e refrigerantes poderão ser envasados em PET.
A legislação aprovada pelo Congresso estabelece que os lixões terão
de ser desativados até o fim do ano que vem. E que todos os municípios
deverão promover a coleta seletiva e a reciclagem. Só que o prazo para a
apresentação de projetos que poderão receber recursos públicos já se
esgotou e menos de 10% deles os fizeram. Também a logística reversa –
com o retorno de resíduos às empresas geradoras – é teoricamente
obrigatória (só os sacos plásticos, no mundo, são 1 milhão por segundo,
500 bilhões por ano). Uma boa alternativa foi aberta pelo Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama), ao permitir consórcios
intermunicipais em aterros para até 20 toneladas diárias – o que abrange
80% dos municípios com até 30 mil habitantes.
Quando se retorna à proposta de incineração, não se pode esquecer
estudo da Unesp de Sorocaba que mostrou o desperdício de recursos que
esse caminho (e outros) envolve, ao analisar o conteúdo das 135
toneladas diárias de resíduos levadas ao aterro da cidade de Indaiatuba:
91% deles eram reaproveitáveis ou poderiam ser compostados
(transformados em fertilizantes) e/ou reciclados. E ainda economizando
espaços no aterro.
Mas a pressão em favor da incineração é muito forte. Praticamente
todas as grandes empreiteiras têm hoje empresas nessa área (e na coleta
do lixo em todo o País), com influência muito forte nas políticas
públicas, pois são as maiores contribuintes para campanhas eleitorais.
Recife já adotou esse caminho, Brasília vai para o mesmo rumo, o Rio
poderá segui-lo. E é um caminho praticamente irreversível, como mostram
vários países europeus: apesar da oposição que enfrentam, será preciso
produzir lixo até a eternidade para movimentar as usinas (que geram
energia), a preços altíssimos.
É mais um desses temas em que grande parte da sociedade se mostra
indignada com a falta de soluções. Mas até aqui se mostrou também
contrária à solução que se tem mostrado mais eficaz em muitos lugares no
mundo: criar uma taxa para todos os geradores de lixo, proporcional ao
volume que produzam, com a receita financiando as boas soluções. A
Alemanha, por exemplo, em alguns anos reduziu em até 15% seu lixo
domiciliar e comercial.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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