quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Mudanças Climáticas: uma trajetória rígida e perigosa


Há duas semanas, chegou à imprensa um rascunho do que será o próximo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Trata-se de um documento preliminar, mas a mensagem é clara: o risco de provocar danos severos e irreversíveis ao clima é real e é urgente a necessidade de reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. Este alerta dos cientistas contrasta de forma brutal com a indiferença dos governos e grandes corporações que dominam a economia global.

A versão final do documento deverá ser discutida em uma conferência na sede da Onu em Nova York, no dia 23 de setembro. Convocada por Ban Ki-moon, o encontro reunirá líderes de governos e do setor privado para discutir medidas concretas orientadas para reduzir as emissões em ações de curto prazo. Mas parece que muito poucos chefes de Estado e de Governo estarão presentes. Isso não é surpreendente.

O mundo carece atualmente de um quadro regulamentar sobre as alterações climáticas e o processo de negociações para alcançar compromissos políticos é um caos. A Cúpula Nova Iorque é, essencialmente, uma reunião para se conversar. A COP20, em dezembro, em Lima, só poderá avançar até um projeto para um novo tratado sobre mudanças climáticas. Terá que esperar até a COP21 (Paris, 2015) para ver que tipo de monstro emerge deste longo processo de compromisso e transações.
Os resultados do quinto relatório de avaliação do IPCC indicam que o aquecimento do sistema climático é um fenômeno indiscutível e algumas das mudanças observadas nas últimas seis décadas não têm precedente por milhares de anos. O aquecimento observado na atmosfera e oceanos; volume de gelo e a quantidade de neve caíram; o nível do mar subiu.

Estudos do IPCC mostram que as observações acima são correlacionados com o aumento das concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. O principal GEE é o dióxido de carbono (CO2) e vem principalmente de combustíveis fósseis e processos industriais e, em menor grau, de desmatamento e alterações no uso da terra. O inventário de GEE inclui outros gases mais potentes em sua capacidade de reter a radiação infravermelha (como o metano) e, embora seja necessário reduzir essas emissões, o principal contribuinte para a mudança climática é CO2.

O relatório afirma que se as emissões não foram reduzidas. Há ainda indícios de que eles estão crescendo mais rápido. Alguns analistas dizem que não só estamos caminhando na direção errada como estamos fazendo isso rapidamente.

Talvez a descoberta mais surpreendente do relatório esteja relacionada com as reservas de hidrocarbonetos e seu destino final. Cerca de 80% dos combustíveis fósseis, que são conhecidos por existir em várias formas, teria de permanecer onde está para não ultrapassar o limite de um aquecimento de 2 graus Celsius (em relação à temperatura média anterior da revolução industrial). Ou seja, quatro quintos das reservas de combustíveis fósseis teria que ficar no chão.

A economia mundial adotou há muitas décadas um perfil de energia que é totalmente dependente de combustíveis fósseis. Mudar o perfil associado a essa infraestrutura é um processo caro e lento. Não vai precisar apenas do desenvolvimento de fontes alternativas de energia. Também é preciso de mudanças necessárias na maneira de transportar e consumir essa energia. Mas as grandes empresas do setor de energia se comprometeram a este perfil tecnológico, e não estão preparadas para mudar isso antes de amortizar seus investimentos. As mudanças também devem ser introduzidas em uma longa lista de bens de consumo duráveis%u20B%u20B.

E ainda há mais. Grandes empresas do setor de energia do mundo estão gastando bilhões de dólares na exploração e extração de combustíveis fósseis. E se por um passe de mágica a decisão de deixar 80% das reservas do solo fosse adotada, essas empresas teriam que aceitar o cancelamento de milhares de milhões de dólares de ativos que são o valor dessas reservas. As ramificações de uma mudança radical na estrutura financeira dessas empresas são muito grandes e envolvem uma profunda transformação do sistema financeiro.

A resistência à mudança não vem apenas de uma infraestrutura rígida de produção e consumo de bens, também vem do setor financeiro. E se alguém pensa que o cancelamento de ativos é um exercício de contabilidade simples, lembrar o domínio do capital financeiro é a principal característica do atual estágio do capitalismo mundial.

 Alejandro Nadal é economista e conselheiro editoral de SinPermiso./ Tradução: Daniella Cambaúva.

Fonte; Carta Maior.


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