Só pode ser bem-vinda a notícia de que o Departamento de Zoneamento
Territorial do Ministério do Meio Ambiente está preparando um
diagnóstico para o Cerrado e uma proposta de estratégia para esse bioma
(Ministério do Meio Ambiente, 31/3). O Cerrado já perdeu mais de 50% de
sua vegetação e, segundo estimativa de estudiosos, mais de metade da
água acumulada no subsolo e que gera 14% dos fluxos para as três grandes
bacias nacionais – a amazônica, a do Paraná e a do São Francisco. E
pode perder mais, dizem técnicos, com a expansão da fronteira
agropecuária, pressionada pela maior exportação de commodities, pelo
aumento do consumo interno e pela expansão dos agrocombustíveis. Tudo
isso resulta em ampliação do uso da terra e das taxas de desmatamento.
Pela mesma razão, é preciso que a sociedade esteja atenta para o que
acontecerá no Senado na discussão de parecer do senador Blairo Maggi ao
projeto de lei da Política de Gestão e Proteção do Bioma Pantanal –
outra área já diante de agressões em curso e da possibilidade de que se
permita ali a substituição de áreas preservadas por pastagens
cultivadas, da possível supressão de reservas legais e dos efeitos
danosos sobre os recursos hídricos. O Pantanal é um privilégio
brasileiro, fundamental para o clima e a conservação da biodiversidade.
O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC), divulgado há poucos dias (Estado, 30/3), alerta
exatamente para a vulnerabilidade de espécies terrestres e aquáticas, o
risco de que tenham de migrar ou se extingam diante dos impactos do
clima. E menciona especificamente a Amazônia brasileira, mas não apenas
ela, embora lembre que no espaço amazônico estão estocados 90 bilhões de
toneladas de carbono (na seca de 2005 foram liberados 5 bilhões de
toneladas).
Outros estudos estão apontando para os impactos do clima nas
populações de polinizadores, principalmente abelhas, das quais depende
cerca de 10% da produção agrícola mundial, perto de US$ 212 bilhões
anuais (30/3). Os polinizadores estão sendo afetados principalmente
pelas mudanças no uso da terra, secas, inundações. Áreas particularmente
atingidas são as de produção de verduras e frutas. E a perda da
biodiversidade originária – estudo da Natura (17/3) – pode ser muito
problemática, já que um hectare de palmeiras de dendê produz 200% mais
óleo de palma do que um hectare de sistema agroflorestal. No mundo todo,
afirma o economista indiano Pavan Sukhdev, o custo da perda da
biodiversidade pode chegar a US$ 4,5 trilhões por ano.
Os dramas do clima e cenários soturnos não são para o fim do século,
estão acontecendo agora em todos os continentes e oceanos – lembra texto
de Giovana Girardi neste jornal (29/3). E podem desacelerar o
crescimento econômico, dificultar a redução da pobreza e a segurança
alimentar. O cientista José A. Marengo enfatiza a necessidade de correr
com programas de adaptação – mas deixando claro que não há uma fórmula
única, depende de cada lugar, de seus problemas e possibilidades
específicas. Todavia já são evidentes os riscos de savanização de várias
áreas.
O conservador e prudente jornal britânico The Guardian chega a
discorrer sobre estudo do Centro Espacial Goddard, da Nasa, segundo o
qual “a civilização industrial global pode entrar em colapso nas
próximas décadas” por causa do “consumo insustentável de recursos e da
distribuição desigual da renda” – cada vez maior. Não seria a primeira
vez na História do mundo, observa o jornal, citando o desaparecimento de
civilizações como as de Roma e da Mesopotâmia. Tecnologia, apenas, não
resolverá. O desfecho, contudo, não é inevitável, “dependerá de
políticas adequadas” (14/3).
Uma dessas políticas terá como missão encontrar formatos adequados
para expandir em 60% a produção global de alimentos até 2050 sem ampliar
os problemas da água (a agricultura já usa 70% do total), da
desertificação (mais 60 mil km2 por ano), do consumo de recursos
naturais acima (pelo menos 30%) da capacidade de reposição. Em outra
área, diz o World Economic Forum que serão necessários investimentos
anuais de US$ 6 trilhões, ao longo de quase duas décadas, para
estabelecer uma “economia de baixo carbono”. Mas como se fará para
eliminar, por exemplo, o subsídio ao consumo de combustíveis fósseis –
petróleo, principalmente -, uma das fontes mais poluidoras?
Diz o governo brasileiro que em 2010 a redução do desmatamento no
Brasil produziu uma queda de emissões maior que a do total dos países
desenvolvidos. Isso foi consequência dos esforços para reduzir o pico do
desmatamento na Amazônia. Porém ainda não chegamos a reduções mais
fortes em outras áreas (transportes, indústria e agricultura,
principalmente).
Um dos problemas está exatamente na falta de avanços na implantação
do novo Código Florestal. E uma das questões mais fortes está em que,
dois anos depois da nova legislação, ainda não se implementou o Cadastro
Ambiental Rural (jornal Valor Econômico, 27/3), que permitiria
identificar em cada propriedade áreas de preservação obrigatória da
vegetação, reservas legais e desobediências à lei. Os decretos de
regulamentação do novo código também estão parados. E com tudo isso,
como afirmou o Valor, “o Código Florestal continua no papel”, embora
haja 5,4 milhões de imóveis rurais no País.
Paralelamente, as unidades federais administradas pelo Instituto
Chico Mendes não têm dinheiro para nada. O Brasil, segundo as
Universidades Yale e de Columbia, está em 71.º lugar entre 178 países em
termos de “ameaças à natureza” e proteção à saúde humana (Instituto
Carbono Brasil, 29/1).
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, espera que os
países cheguem a um acordo sobre o clima em setembro, mas não há nada
concreto à vista. E o experiente Nicholas Stern, consultor do Reino
Unido, alerta: “Sabemos o que está acontecendo. Mas nada fazemos” (UN
News, 21/3).
Washington Novaes é jornalista.
Fonte:O Estado de S. Paulo.
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