Indústria finge-se de morta ou desconversa, após texto em Outras Palavras. Consumidores mobilizam-se para exigir transparência
Depois da dúvida levantada no texto publicado em Outras Palavras em
28/02/2014, e da grande repercussão das suspeitas sobre possível
presença de milho transgênico na cerveja brasileira, nada aconteceu. Ou…
quase nada.
A Ambev, maior empresa da indústria cervejeira no Brasil, evitou
responder oficialmente aos consumidores interessados em saber o que
estão bebendo. A única “resposta” que veio a público foram dois textos
publicados no site da Carta Capital, tratando o tema com ironia e sem
trazer qualquer dado que afaste ou confirme a suspeita. Escondem-se na
suposta busca de uma bebida “brasileira”, com milho. Mas evitam o
essencial: seria o milho presente na cerveja… transgênico?
Nosso país é o terceiro maior produtor mundial de cerveja. O setor
responde por 1,7% do PIB brasileiro, mas insiste em se comportar de
forma abusiva. Sua publicidade é extremamente agressiva ao tratar a
mulher como objeto e não como pessoa. Além disso as marcas estão
presentes em inúmeros eventos esportivos depois que seus lobistas
convenceram o Congresso de que, para fins publicitários, bebida com
menos de 13% de graduação alcoólica não é bebida alcoólica.
A indústria cervejeira, que zomba de seus próprios consumidores,
deveria saber que a falta de informação viola a legislação. A Lei
Federal nº 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor,
tenta equilibrar a relação de consumo, dando direitos aos consumidores
perante o fornecedor.
O direito à informação e à livre escolha estão no rol dos direitos
básicos do consumidor (art. 6º do CDC). São um meio eficiente de
prevenir fraudes e de asse gurar um ato de consumo verdadeiramente
consentido, livre, porque fundamentado em informações adequadas. O
ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ensina
que a oferta e as informações no rótulo mostram-se essenciais para
propiciar o ato de compra consciente do consumidor.
Parece que essa obrigação não foi assimilada pelo mercado da cerveja.
Por que a Ambev não informa oficialmente se suas cervejas são feitas com milho transgênico?
Essa é uma pergunta que talvez as autoridades possam fazer. A
pergunta do consumidor é bem mais simples: “estou bebendo cerveja feita
com milho transgênico?”
Pronto. É só responder e assunto encerrado.
Não se trata de criticar a evolução técnico-científica, mas de
debater e exigir transparência. Enquanto o mundo ainda discute os
efeitos nocivos dos alimentos transgênicos, correremos o risco de
consumi-los sem sermos informados?
A resposta fundamentada do fornecedor do produto é essencial para que
as pessoas tenham condições de exercer, de forma consciente, seu
direito de livre escolha. Se, possuindo todas as informações
necessárias, alguém ainda opta por consumir transgênicos, assume o risco
implícito de seu ato – seja para a sua própria saúde, para a sociedade
ou para o meio ambiente.
Ficar sem informação é que é inadmissível.
A repercussão das suspeitas sobre presença de transgênicos na cerveja
já começou a provocar mobilização social. Um abaixo-assinado criado por
não-especialistas em cerveja, que exige mais transparência da indústria
já tem milhares de assinaturas.
Ele pode ser assinado aqui.
Se você acha importante saber o que está bebendo, pode ser mais um
dos milhares não-especialistas. Mas se você acha graça em saber que o
setor vende 86,7 bilhões de litros de cerveja por ano, que 45% do malte
da cevada pode ser substituído por milho e que quase 90% do milho
plantado no Brasil é transgênico, tudo bem. Seja feliz e boa sorte.
Ana Paula Bortoletto é nutricionista e doutora em nutrição em saúde pública. Flavio Siqueira Júnior é advogado e ativista de direitos humanos.
Fonte: Outras Palavras.
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