Dizem as últimas pesquisas de
intenção de voto (Estado, 21/3) que “a maioria absoluta (56%) dos
eleitores tem pouco ou nenhum interesse pelas eleições”. E 64%
“gostariam que o próximo presidente mudasse tudo ou muita coisa no
governo”. É um panorama muito preocupante. Porque ainda se pode agravar
até a eleição, com vários fatores
em cena – como a persistência da inflação, a economia em momento
incerto, o quadro urbano sem perspectiva de melhoras, a violência em
altos patamares, etc.
E por que não muda? Em entrevista recente na televisão, o ministro
Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal – que tem rejeitado
convites para ser candidato a presidente -, mencionou a “erosão das
instituições” como centro da questão. Fez lembrar a interpretação de
vários estudiosos, já citada aqui, de que “o Estado se tornou grande demais
e não consegue aproximar-se dos problemas do cotidiano do cidadão
comum, ao mesmo tempo que é pequeno demais para resolver as grandes
questões em âmbito nacional ou planetário”.
De fato. Quem pode conformar-se com o caos urbano, o déficit da área
do lixo (260 mi toneladas diárias, com mais de metade dos municípios
ainda levando os resíduos para lixões, segundo o Ipea), o déficit no
saneamento (8% da população sem água potável nos domicílios, quase 40% sem ligação com redes
de esgotos, só 38% dos esgotos coletados com tratamento), a violência
em níveis alarmantes (32 homicídios por 100 mil habitantes, ante 2/100
mil na Grã-Bretanha, 5/100 mil nos Estados Unidos)? Mas o poder público
só está investindo em saneamento menos de metade do que seria preciso
para universalizar água e esgotos até 2023, como prometera. Os
municípios, que já esgotam o prazo para apresentar planos diretores de
resíduos a fim de se candidatarem a recursos federais, não o fizeram e
querem prorrogação. E o Senado rejeitou em comissão o projeto de baixar
para 16 anos a maioridade penal.
Enquanto isso, multiplicam-se os incentivos e isenções de impostos
para os “grandes”, ao mesmo tempo que o estoque do que a administração
tem a receber
(tributos atrasados, contribuições para a Previdência e outros itens)
ultrapassa R$ 1 trilhão – quase 25% do produto interno bruto (Folha de
S.Paulo,15/3). Nove Estados, por exemplo, concederam em incentivos
fiscais R$ 33 bilhões mais do que aplicaram em obras e serviços durante
um ano. E isso na hora em que o governo federal destina a Estados
amazônicos, para ajuda a centenas de milhares de desabrigados pelas
inundações inéditas, irrisórios R$ 2 milhões.
Há quem pense com otimismo nas perspectivas brasileiras no comércio exterior. Mas a balança comercial
está em déficit – US$ 6,2 bilhões em dois meses deste ano, segundo
artigo do diplomata Rubens Barbosa neste jornal em 11/3 (A2) -, que pode
aumentar, segundo a União Europeia, porque as exportações crescerão
abaixo da média mundial nos próximos dois anos (Estado, 27/2). A
Standard & Poor’s rebaixou a nota brasileira em matéria de risco e
pode fazê-lo novamente (25/3) – pelo menos é o que pensa o ex-presidente
do Banco Central Gustavo Loyola.
No entender de analistas políticos, até aqui a visão da maioria da
população quanto à administração pública tem sido influenciada pela
ascensão de parcela importante das pessoas de menor renda à “nova classe
média”. A renda dos trabalhadores no País passou de 39% do PIB em 2002
para 48% este ano (23/3), aumentando seu consumo e o nível de atividade
da indústria e do comércio. Há, entretanto, ameaças no horizonte, com o
aumento do custo da cesta básica e sua repercussão em praticamente todas
as áreas. Taxas de juros estão subindo. Nos últimos 12 meses, esse item
pesou com R$ 256,6 bilhões nas contas públicas, ou 5,2% do PIB (O
Globo, 8/3). E a dívida chega a R$ 1,67 trilhão.
Em sua primeira campanha eleitoral para a presidência dos Estados
Unidos, Barack Obama teve como slogan principal a frase “yes, we can”
(“sim, nós podemos”), que representava exatamente a convicção de que a
sociedade conseguiria mudar, com seu voto, o panorama da política e da
administração norte-americana. O eleitorado acreditou, apoiou, votou.
Mas, ao que parece, as mudanças não ocorreram na medida desejada, mesmo
num país de Primeiro Mundo com os recursos dos Estados Unidos. A
oposição de parte decisiva do Congresso e de muitos dos setores mais
poderosos da economia levou à queda de prestígio do presidente. Hoje às
voltas também com um quadro internacional complexo e ameaçador.
Parece claro que em todos os lugares – não somos exceção – será
preciso chegar aos caminhos de maior delegação de poder das áreas
governamentais para a própria sociedade. Já tem sido mencionada neste
espaço, por exemplo, a possibilidade de se criarem conselhos de cidadãos
que concebam e acompanhem a execução de todo o orçamento (em
subprefeituras, por exemplo), fiscalizem a execução, punam quem não
respeitar. Só que as corporações políticas têm demonstrado repúdio total
e silêncio, na melhor das hipóteses, a propostas nessa direção, como já
ocorreu na Câmara Municipal paulistana. Que dirá em outras áreas mais
complexas ainda.
É preciso não esquecer que existe a possibilidade de o nosso quadro
interno tornar-se mais problemático. De o panorama econômico ser menos
favorável, como tantos analistas admitem. De as condições climáticas
continuarem difíceis e influírem em setores como o da cesta básica, ou o
dos exportações, ou nas condições de vida das populações, especialmente
nas cidades maiores. E ainda, em função desses fatores, ou de protestos
mais amplos (que a própria Copa do Mundo pode favorecer), enfrentarmos
momentos sociais complicados, com repercussões políticas.
Não se trata de pessimismo, apenas de cautela. E da necessidade de conceber rumos adequados para o País.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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