sábado, 19 de abril de 2014

Reintegrar-se no espaço e no tempo

Por Leonardo Boff

A partir dos anos 70 do século passado ficou claro para grande parte da comunidade científica que a Terra não é apenas um planeta sobre o qual existe vida. A Terra se apresenta com tal dosagem de elementos, de temperatura, de composição química da atmosfera e do mar que somente um organismo vivo pode  fazer o que ela faz. A Terra não contém simplesmente  vida. Ela é viva, um superorganismo vivente, denominado pelos andinos de Pacha Mama e pelos modernos de Gaia, o nome grego para a Terra viva. 

A espécie humana representa a capacidade de Gaia ter um pensamento reflexo e uma consciência  sintetizadora e amorosa.  Nós, humanos, homens e mulheres, possibilitamos à Terra apreciar a sua luxuriante beleza, contemplar a sua intrincada complexidade e descobrir espiritualmente o Mistério que a penetra. 
O que os seres humanos são em relação à Terra é a Terra em relação ao cosmos por nós conhecido.  O cosmos não é um objeto sobre o qual descobrimos a vida. O cosmos é, segundo muitos cosmólogos contemporâneos (Goswami, Swimme e outros), um sujeito vivente que se encontra num processo permanente de gênese. Caminhou 13,7 bilhões de anos, se enovelou sobre si mesmo e madurou de tal forma que num canto dele, na Via Láctea, no sistema solar, no planeta Terra, emergiu a consciência  reflexa de si mesmo, de donde veio, para onde vai e qual é a Energia poderosa que tudo sustenta.  

Quando um ecoagrônomo estuda a composição química de um solo, é a própria Terra que estuda a si mesma. Quando um astrônomo dirige o telescópio para as estrelas, é o  próprio universo que olha para si mesmo. 

A mudança que esta leitura deve produzir nas mentalidades e nas instituições só é comparável com aquela que se realizou no século 16 ao se comprovar que a Terra era redonda e girava ao redor do sol. Especialmente, a transformação de que as coisas ainda não estão prontas, estão continuamente nascendo, abertas a novas formas de autorrealização. Consequentemente, a verdade se dá numa referência aberta e não num código fechado e estabelecido. Só está na verdade quem caminha com o processo de manifestação da verdade. 

Importa, antes de mais nada, importa reintegrar  o tempo. Nós não temos a idade que se conta a partir do dia do nosso nascimento.  Nós temos a idade do cosmos. Começamos a nascer há 13,7 bilhões de anos, quando principiaram  a se organizar todas aquelas energias e materiais que entram na constituição de nosso corpo e de nossa psique. Quando isso madurou, então nascemos de verdade, e sempre abertos a outros aperfeiçoamentos futuros. 

Se sintetizarmos o relógio cósmico de 13,7 bilhões de anos no espaço de um ano solar, como o fez Carl Sagan no seu livro Os dragões do Eden (N.York, 1977, 14-16), e querendo apenas realçar algumas datas que nos interessam, teríamos o seguinte quadro: 

A primeiro de janeiro ocorreu o Big Bang. A primeiro de maio o surgimento da Via Láctea. A nove de setembro, a origem do sistema solar. A 14 de setembro, a formação da Terra. A 25 de setembro, a origem da vida. A 30 de dezembro, o aparecimento dos primeiro hominídeos, avós ancestrais dos humanos. A 31 de dezembro, os primeiros homens e mulheres. Nos últimos 10 segundos de 31 de dezembro foi inaugurada a história do homo sapiens/demens, do qual descendemos diretamente. O nascimento de Cristo ter-se-ia dado  precisamente às 23 horas 59 minutos e 56 segundos. O mundo moderno teria surgido no 58º segundo do último minuto do ano. E nós, individualmente? Na última fracção de segundo antes de completar meia-noite. 

Em outras palavras, somente há 24 horas o universo e a Terra têm consciência reflexa de si mesmos.  Se Deus dissesse a um anjo "procure no espaço e identifique no tempo a Denise ou o Edson ou a Silvia", certamente não o conseguiria porque eles são menos que um pó de areia vagando no vácuo interstelar e começaram a existir há menos de um segundo. Mas Deus,  sim, porque Ele escuta o pulsar do coração de cada filho e filha seus, porque neles o universo converge em autoconsciência, em amorização e em celebração. 

Uma pedagogia adequada à nova cosmologia nos deveria introduzir nestas dimensões que nos evocam o sagrado do universo e o milagre de nossa própria existência. Isso em todo o processo educativo, da escola primária à universidade. 

Em seguida faz-se mister reintegrar o espaço dentro do qual nos encontramos. Vendo a Terra de fora da Terra, nos descobrimos um elo de uma imensa cadeia de seres celestes. Estamos numa dos 100 bilhões de galáxias, a Via Láctea.  Numa distância de  28 mil anos-luz de seu centro; pertencemos ao sistema solar, que é um entre bilhões e bilhões de outras estrelas, num planeta pequeno mas extremamente aquinhoado de fatores favoráveis à evolução  de formas cada vez mais complexas e conscientizadas de vida: a Terra.
  
Na Terra nos encontramos num Continente que se independizou há cerca de 210 milhões de anos, quando a Pangea (o continente único da Terra) se fraturou e ganhou a configuração atual. Estamos nesta cidade, nesta rua,  nesta casa, neste quarto, e nesta mesa, diante do computador, a  partir de onde me relaciono e me sinto ligado à totalidade de todos os espaços do universo. 

Reintegrados no espaço e no tempo, nos sentimos como Pascal diria: um nada diante do Todo e um Todo diante do nada. E nossa grandeza reside em saber e celebrar tudo isso.


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