Líderes, o senso de urgência da sustentabilidade e os seus riscos
O círculo virtuoso da transformação das empresas para a
sustentabilidade demanda um roteiro de atitudes assumidas por seu
principal líder (CEO, presidente, dono) que estão ligadas ao
estabelecimento claro de um senso de urgência em torno do tema e seu
impacto com os negócios das empresas.
No final do dia, o que está na mesa é garantir às empresas as
chamadas licenças para operar, tanto as formais (licenças governamentais
ligadas à exploração de áreas relevantes nas questões ambientais, por
exemplo) como as informais (licenças sociais “outorgadas” pelas
comunidades e mercados de atuação da empresa, pelos clientes, pelas
redes sociais, dentre outros).
Líderes devem liderar, formular uma nova visão, compartilhá-la e capacitar outros atores para que ajam de acordo com ela.
Cabe ao principal líder da empresa, portanto, contaminar
positivamente todas as instâncias hierárquicas da companhia. Em geral,
criar uma diretoria de Meio Ambiente ou de Sustentabilidade, como se
fosse um centro temático isolado, não vai funcionar.
No fundo, não se trata de quanto deve ser investido por cada empresa –
1% do lucro pode ser muito ou pouco. A aferição se o percentual é ou
não suficiente, se é razoável ou não, deve estar baseada nos resultados
e, principalmente, no setor e cadeias de atuação da empresa e no seu
perfil de impactos operacionais e stakeholders envolvidos.
Com qualquer investimento, o payoff aparece com resultados práticos,
tangíveis e/ou intangíveis. Se houver mudanças positivas das dimensões
social e ambiental, pelo menos, regionalmente, sua aplicação foi
positiva, independentemente do percentual, porque a derivada econômica
se beneficia de ambas. Se uma empresa aplica 1% do seu lucro em educação
ambiental, mas se esse investimento não produzir resultados, ele se
torna inócuo.
Obviamente, alguns mercados e segmentos são potencialmente mais
agressivos ao meio ambiente, como papel e celulose, petroquímico e
siderúrgico. Outros carregam o fardo de ser potencialmente mais
impactantes à sociedade, como farmacêutico, saúde, educação e
financeiro. E é claro: quanto mais potencialmente agressivos e
relevantes forem ao meio ambiente e à sociedade, mais sujeitos a
monitorias, fiscalizações, pressões, regulamentações e legislações
contrárias a estes riscos estarão, sejam estas do governo, de ONGs, de
sindicatos, de associações setoriais, da mídia ou do consumidor-cidadão.
Os grandes holofotes devem estar voltados à criação de novas
lideranças, aos líderes em sustentabilidade. Foi com esse intuito que
nasceu um projeto apoiado pela ONU para criar, em todo o mundo, até
2015, um milhão de líderes globalmente responsáveis. O relatório
produzido pelo grupo aponta os quatro principais desafios dos novos
líderes.
“Primeiro, eles devem pensar e agir em um contexto global. Em segundo
lugar, devem ampliar seu propósito corporativo para que reflita sua
prestação de contas para a sociedade do mundo inteiro. Em terceiro,
devem colocar a ética no centro de seus pensamentos, palavras e ações.
Em quarto, eles – e todas as escolas de negócio e centros de educação
para a liderança – devem transformar a educação de executivos para dar à
responsabilidade corporativa global a centralidade que ela merece.”
Desta forma, consegue-se envolver as instituições de ensino na tarefa
de fomentar o desenvolvimento de líderes empresariais cuja atuação vá
além das regulamentações internacionais e legislações locais, ou seja,
mudar os currículos tradicionais de escolas e universidades. Líderes
tomadores de decisão, capazes de projetar cenários que antecipem um
futuro provável, tanto pela dimensão econômica como social e ambiental,
devem ser potencializados imediatamente. Aqui está o senso de urgência
da sustentabilidade.
A perspectiva empresarial tradicional restringe o escopo de análise
de risco a fatores locais que ameaçam a integridade dos ativos
corporativos mais tangíveis, tais como mão de obra, estoques e
equipamentos essenciais ao processo produtivo, gravitando em áreas como
saúde e segurança ou ainda na forma tradicional de incêndios e enchentes
que podem danificar a infraestrutura da empresa e seu entorno.
No contexto da sustentabilidade, essa visão tradicional deve ser
ampliada para os megarriscos, os quais estão no campo da intangibilidade
e/ou das tendências de médio e longo prazos, sejam eles locais ou
globais. Os megarriscos apresentam-se de muitas formas, como
instabilidade política social, proteção da marca e reputação, sabotagem,
pandemias, terrorismo, corrupção, aquecimento global, escassez de água,
mudanças climáticas, dentre outras.
As características de causa e efeito dos megarriscos são holísticas,
sistêmicas e de longo prazo. Em tese, todos nós deveríamos – como
empresários, executivos, trabalhadores, políticos, cidadãos e
consumidores – estar atentos a eles e trabalhar para identificá-los,
mitigá-los e controlá-los. Entretanto, essa tarefa é ainda inglória,
pois faltam líderes e políticas de consenso amplamente adotadas pelos
diversos players e partes interessadas em cada tema-ameaça da
sustentabilidade, seja social, seja ambiental.
Dentre esses consensos, estão questões como o Protocolo de Kyoto, as
Metas do Milênio e os Princípios do Equador, que deveriam ser amplamente
adotados por todos – o que não tem ocorrido. Isso se explica, em parte,
porque o ser humano não foi treinado antropologicamente para prestar
atenção aos riscos de médio e longo prazos (teoricamente pouco
materiais). Entretanto, enfrentá-los é preciso.
A agenda para “erradicá-los” coincide com a agenda da
sustentabilidade, devendo estar conectada à indução de uma boa e
transparente articulação no mundo tripolar (empresas, governos e
sociedade civil organizada), valorizando sempre o diálogo com os
principais stakeholders envolvidos por responsabilidade (ativamente) ou
por impacto (passivamente). O resto da receita deve incluir o pensar no
impensável, procurando sempre a antecipação para mudar os cenários de
risco. Tarefa difícil, para poucos líderes. Mas desde quando salvar o
mundo é missão trivial?
Daniel Domeneghetti é especialista em Estratégia Corporativa, Top Management Consulting e Gestão de Ativos Intangíveis.
Fonte: Ideia Sustentável.
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