O sudeste do Brasil, parte da região central e do sul caminham para
se tornar desérticas. A seca registrada este ano na porção centro-sul,
principalmente em São Paulo, está ligada a permanente e acelerada
degradação da floresta amazônica. O transporte de umidade para as partes
mais ao sul do continente está sendo comprometida, pois além de sua
diminuição é trazido partículas geradas nos processos de queimadas que
impedem a formação de chuvas.
Os cientistas do (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e
do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) há mais de uma década
fizeram esse alerta, que a cada ano está pior e mais grave. E coloca em
confronto o modelo econômico agropecuário, baseado em commodities, com a
área mais industrializada, produtiva e rica do país. E também a mais
urbanizada e detentora de 45% da população brasileira e abrigada em
apenas 10,5% do território nacional.
O cientista e doutor em meteorologia do Inpe, Gilvam Sampaio de
Oliveira, a situação é preocupante e bem mais grave do imaginado em
relação a eventos extremos. A comunidade científica está surpresa com a
dinâmica das alterações do clima. O número de desastres naturais vem
crescendo. Entre 1940 e 2009 houve uma curva ascendente de inundações e o
número de dias frios, principalmente em São Paulo, está em franca
decadência.
“As questões que já estamos passando, como essa seca, eram projetadas
para daqui há 15 ou 20 anos. A área de altas temperaturas está
aumentando em toda América do Sul. Em São Paulo e São José dos Campos,
por exemplo, há um aumento de chuvas com mais de 100 milímetros
concentradas e períodos maiores sem precipitação alguma. E quanto mais
seca a região, aumenta o efeito estufa e diminui a possibilidade de
chuvas”, alertou o cientista.
O sistema principal formador do ciclo natural que abastece a
pluviometria do sudeste começa com a massa de ar quente repleta de
umidade, formada na bacia do Amazonas, seguindo até os Andes. Com a
barreira natural, ela retorna para a porção sul continental, o que
decreta o regime de chuvas.
A revista científica Nature publicou em 2012 um estudo inglês da
Universidade de Leeds. O artigo apresentou o resultado de um estudo no
qual os mais de 600 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica
perdidos desde a década de 1970, e com o avanço do desmatamento seguido
de queimadas cerca de 40% de todo complexo natural, estará extinto até
2050. Isso comprometerá o regime de chuvas, que seriam reduzidas em mais
de 20% nos períodos de seca.
Faixa dos desertos
O sudeste brasileiro está na faixa dos desertos existente no
hemisfério sul do planeta. Ela atravessa enormes áreas continentais,
como os desertos australianos de Great Sendy, Gibson e Great Victoria,
na plataforma africana surgem as áreas desertificadas da Namíbia e do
Kalahari e na América do Sul, o do Atacama. Sem qualquer coincidência,
ambos desertos africanos, inclusive em expansão, estão alinhados
frontalmente, dentro das margens latitudinais, com as regiões dos
Estados do Sudeste e do Sul do país.
Essa porção territorial só se viu livre da desertificação com o êxito
da Amazônia e a formação da Mata Atlântica. Ambas foram determinantes
para se criar um regime de chuvas que mantiveram essas partes do Brasil e
da América do Sul com solos férteis e índices pluviométricos mais que
satisfatórios à manutenção da vida.
O geólogo do Inpe e assessor da Agência Espacial Brasileira (AEB),
Paulo Roberto Martini, tem sua teoria para esse fenômeno. Na qual a
desertificação destas regiões ocorrerá se o transporte de ar úmido for
bloqueado ou escasseado, por ação natural ou antrópica. Exatamente o que
vem acontecendo. As investigações geomorfológicas já mostraram que
entre os anos 1000 e 1300 houveram secas generalizadas e populações
inteiras desaparecerem nas Américas. E isto pode ocorrer novamente,
agora potencializado pela devastação causada pelo homem.
“Esse solo da região Sul e Sudeste tem potencial enorme para se
tornar deserto, basta não chover regularmente. A distribuição da umidade
evitou que essa região da América do Sul fosse transformada num imenso
deserto”, explicou Martini.
Segundo o pesquisador, no fim do período glacial, por volta de 12 mil
anos, a cobertura do Brasil teria sido predominantemente de savana,
como na África, pobre em diversidade e formada por gramíneas e poucas
espécies arbóreas. O que ainda é encontrado no interior de São Paulo,
Minas Gerais, Espírito Santo e no Mato Grosso. Entretanto, a umidade
oceânica associada à amazônica possibilitou a constituição da Mata
Atlântica e seu ingresso continente adentro.
A penetração da flora em áreas de campo realimentou o ciclo das
chuvas, nível de umidade das áreas ocupadas e a fertilização do solo. Em
milhares de anos formou-se um vasto complexo florestal, atualmente
reduzido a menos de 5% de seu tamanho original na época do
descobrimento.
“Há uma cultura de degradação e falar em restauração das matas no
Brasil é ficção. Só se produz água quando se faz floresta, a sociedade
tem que reagir a isso”, observou o dirigente da entidade SOS Mata
Atlântica, Mário Mantovani.
As pesquisas mostram que o povoamento vegetal no que é hoje o
território brasileiro teria começado pela costa do Oceano Atlântico,
seguindo para o interior ao longo das várzeas dos rios, onde se
encontram os solos mais ricos em nutrientes. Foram milhares de anos
neste ritmo, o que induziu diversos especialistas a defenderem a tese de
que a Mata Atlântica esteve intimamente ligada a Floresta Amazônica,
pois ambas detém diversas semelhanças em seus ciclos sazonais e em
espécimes de fauna e flora.
Mas com a derrubada desta proteção vegetal e o encurtamento do ciclo
de chuvas oriundas do mega sistema amazônico, as mudanças climáticas
ganharam impulso e têm causado alterações no desenvolvimento de
diferentes culturas agrícolas, entre elas milho, trigo e café com
impactos imensos na produção brasileira e norte-americana. A avaliação
partiu dos integrantes do Workshop on Impacts of Global Climate Change
on Agriculture and Livestock , realizado em maio na Universidade de São
Paulo (USP), em Ribeirão Preto (SP).
Júlio Ottoboni é jornalista diplomado e pós-graduado em jornalismo científico.
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