Artigo apresenta o programa britânico “Cycle to Work”, que reduz impostos na compra de uma bicicleta para trabalhar.
No Brasil, além da falta de infraestrutura para ciclistas nas grandes
cidades, sofremos com o estigma social da bicicleta como artigo de
lazer, não como meio de transporte. Uma rápida pesquisa na internet
mostra que as bicicletas são colocadas à venda na mesma seção de roupas
de academia e equipamentos de fitness.
Embora a melhoria pessoal para a saúde daquele que pedala seja
relevante, o benefício para a cidade da bicicleta como meio de
transporte é generalizado e distribuído entre todos os cidadãos. A
bicicleta como equipamento de lazer beneficia aquele que a usa, mas a
mesma bike como meio de transporte transforma a cidade como um todo.
Porém, diante do caso de amor platônico que temos com o automóvel
(como diz uma certa propaganda, “o brasileiro é apaixonado por carro”),
promover a bicicleta como alternativa se mostra uma tarefa difícil e
cheia de pedras no caminho. Como então podemos nós habitantes, junto com
a iniciativa privada e o poder público dos municípios, romper este
paradigma tão prejudicial ao meio ambiente e à vida cívica e caminharmos
em direção a um século 21 mais sustentável?
Uma possível solução pode ser encontrada nos países do Reino Unido.
Por lá, o governo, preocupado em diminuir os congestionamentos e
aumentar a saúde da população, instituiu um esquema de vendas de
bicicleta conjunto entre empregadores e funcionários, chamado Cycle to
Work, que beneficia aqueles usando a bibicleta para ir ao trabalho com
preços menores e descontos nos imposto.
Funciona assim: a empresa compra a bicicleta de um distribuidor
registrado no programa, cujo valor dos impostos sobre o produto pode ser
restituído como incentivo fiscal. Com isto, o valor da bicicleta,
descontado dos impostos, é parcelado ao funcionário em determinadas
prestações, cujo valor da parcela também é isenta do Imposto de Renda.
Ao fim das parcelas, o funcionário pode “comprar” a bicicleta por um
valor simbólico. Com isto, o funcionário adquire a bike por um valor
muito menor do que nas lojas, um grande incentivo para que use a
bicicleta como meio de transporte.
O exemplo de John
Usando um exemplo inglês, digamos que John escolhe uma bicicleta de £
450 pelo esquema conjunto com seu empregador. Abatendo o imposto
unificado (VAT) que a empresa poderá restituir, o preço da bicicleta cai
para £ 383,30. Dividindo este valor em 18 parcelas, cada prestação
mensal sairia por volta de £ 21,28, mas como esta prestação não será
taxada no Imposto de Renda ou no seguro saúde, a prestação cai para £
14,26.
Ao final das dezoito prestações, John terá a opção de comprar a
bicicleta por um valor simbólico de mercado, de digamos £ 50 (a
porcentagem do valor total correspondente ao valor simbólico de mercado é
variável de acordo com o preço da bicicleta para evitar abusos). Com
isto, ao final dos 18 meses, incluindo o preço simbólico de mercado,
John pagou £ 306,68 (£14.26×18 + £50), o que significa um desconto de
32% no preço de loja.
Ganhos para a empresa e comunidade
Além disso, a empresa na qual John trabalha também se beneficia por
poder restituir os impostos da bicicleta, e praticamente zerar seu
investimento. Como a saúde dos funcionários melhora ao pedalar, a
empresa também ganha em produtividade e na redução de gastos médicos e
faltas por motivos de saúde.
Nos mesmos termos, a prefeitura economiza em gastos com atendimento
médico por acidentes e poluição, aumenta a eficiência de seu sistema de
transportes. E, o mais importante, a sociedade ganha como um todo por
ter uma cidade mais humana, saudável, prazerosa e vibrante. No Reino
Unido, o projeto é tão bem sucedido que existem 15 operadoras deste
esquema de compra conjunta de bicicletas. Além disso, diversas empresas e
órgãos públicos já se comprometeram a manter a promoção da bicicleta
como meio de transporte de serus funcionários.
Para transformar em realidade um projeto assim promissor, há alguns
pormenores a serem abordados para uma implementação segura e
transparente. Primeiramente, há a necessidade de investimento em
infraestrutura, educação e segurança pró-ciclistas nas cidades
brasileiras. Simultaneamente, as empresas, em parceria com o poder
público, devem garantir aos funcionários infraestrutura para estacionar
as bicicletas e vestiários para tomar banho e trocar de roupa.
São exatamente os pequenos detalhes que atuam como grandes barreiras
para o uso cotidiano da bike como meio de transporte. Por fim, há de se
auditar o uso correto do programa por parte de empresas e principalmente
funcionários, para prevenir que usem o esquema para obterem desconto no
preço da bicicleta sem a usarem rotineiramente. Acima de tudo, o
intuito primário deste projeto é incentivar as duas rodas como meio de
transporte do dia-a-dia, e não artigo de lazer esporádico.
Portanto, usando da parceria conjunta entre poder público, iniciativa
privada e a própria população, é possivel criar esquemas de promoção da
bicicleta como meio de locomoção para o trabalho que beneficiem todas
as esferas envolvidas. Com simples incentivos fiscais e engajamento,
poderemos ver as cidades brasileiras menos congestionadas, poluídas e
reféns dos automóveis e uma sociedade mais saudável, humana e
sustentável.
Marcelo Blumenfeld é especialista em
transportes pela Universidade de Leeds, na Inglaterra e diretor da Ahead
Innovation Strategies. Edição de texto por Marcos de Sousa.
Fonte: Mobilize Brasil.
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