O uso sustentável da terra por comunidades tradicionais tem
sido apontado tanto pelo governo como por especialistas como solução de
preservação para áreas de risco ambiental. No caso do Cerrado, a
bandeira é defendida inclusive pelas universidades e por pesquisadores
americanos que acompanham a trajetória do bioma que ocupa mais de 2
milhões de quilômetros quadrados do território nacional.
Apesar de liderar a concentração de biodiversidade do planeta e ser
apontado como “berço das águas” por abrigar nascentes das principais
bacias hidrográficas do país, o bioma Cerrado é o menos contemplado
pelas políticas públicas, é o que tem menos regras com relação à
ocupação e é um dos mais ameaçados no país, principalmente, pelo
agronegócio e por investimentos em infraestrutura.
Pedro Ramos, que se intitula caboclo e extrativista vegetal na
Amazônia, denuncia que a expulsão de comunidades tradicionais, indígenas
e quilombolas tem ocorrido em todos os biomas. “Temos um modelo de
desenvolvimento perverso contra a gente. Estamos assistindo povos
tradicionais serem expulsos dos seus pedaços de terra em nome de
desenvolvimento de produção agrícola e de energia limpa”, disse, ao
relatar o caso dos índios em Roraima.
Ele integra a Comissão Nacional das Populações Indígenas e alerta
para a falta de uma regulamentação fundiária. Segundo ele, a
territorialidade desses povos “está em jogo porque não há lei fundiária
para regularizar as áreas”.
A combinação desse cenário com a atratividade que o Cerrado
representa para o agronegócio é apontada por especialistas nos mapas de
monitoramento do desmatamento no Brasil. O bioma que abrange o Distrito
Federal, Rondônia e parte de Roraima, do Amapá, Amazonas e Pará perdeu
quase metade da cobertura vegetal, segundo especialistas.
Para o pesquisador americano e professor da Universidade de
Brasília, ligado também à Universidade de Harvard, nos Estados Unidos,
Donald Sawyer, “a alternativa seria a de paisagens produtivas
sustentáveis em pelo menos 500 mil quilômetros quadrados, a metade do
que ainda existe, e o acesso das comunidades tradicionais aos recursos a
partir de uso sustentável”.
Durante o primeiro painel de debates do 7º Encontro e Feira dos
Povos do Cerrado, que está sendo realizado em Brasília até o próximo dia
16, Sawyer afirmou que as “paisagens com gente” contribuiriam para
manter os ciclos hidrológicos da região e manter a infiltração da água
da chuva no solo. Segundo ele, isto permitiria amenizar, inclusive a
baixa umidade que vem afetando a região.
Ainda segundo Sawyer, que também integra a equipe de pesquisadores
da organização não governamental Instituto Sociedade, População e
Natureza (ISPN), as populações locais não devem buscar a “derrota” do
agronegócio, mas conciliar as atividades de uma forma que garanta a
sustentabilidade da região e reforce a importância do bioma
nacionalmente e internacionalmente. “O mundo ainda não sabe o que é
Cerrado e qual o seu valor. Nós que teremos que tomar a iniciativa
porque não vai ter uma interferência externa para a defesa deste bioma
como o que aconteceu na Amazônia. Outros biomas continuam chamando a
atenção do público e os recursos do Cerrado continuam em posição
secundária”, avaliou.
No final do dia, uma comissão formada por cerca de dez integrantes
da Rede Cerrado, organizadora dos debates sobre a situação e as demandas
para a conservação do bioma, vai ser reunir com a ministra do Meio
Ambiente, Izabella Teixeira. De acordo com os organizadores do evento,
no encontro, os representantes da Rede vão relacionar as principais
medidas que precisam ser adotadas para garantir a preservação da região
em médio e longo prazo.
O encontro está marcado para as 18h30 depois da Corrida de Toras e
do Grito do Cerrado (manifestações marcadas para ocorrer na Esplanada
dos Ministérios), e da audiência pública que reunirá mais de 400
participantes do evento com senadores e deputados federais no Congresso
Nacional.
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