Entre os dias 20 e 22 de agosto, foi realizado em Brasília o Encontro
Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e
das Florestas, que fortaleceu a articulação entre as principais
entidades e movimentos do meio rural brasileiro. O Encontro remeteu ao I
Congresso Nacional Camponês, organizado em 1961, quando as principais
organizações políticas que atuavam no campo se reuniram em Belo
Horizonte.
Na avaliação de Neudicléia de Oliveira, da coordenação nacional do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o encontro teve a
importância de identificar e definir com clareza quem é o inimigo comum –
o agronegócio – e a estratégia de combatê-lo: pela unificação. Também
Alexandre Conceição, da direção nacional do MST, ressalta que o mais
importante do encontro unitário foi a identificação do agronegócio como
inimigo comum entre todos os povos do campo. “Isso porque o agronegócio,
representado pelas grandes transnacionais, avançam impiedosamente sobre
nossos recursos naturais e, portanto, atingem a todos, sem exceção. É
um projeto, na sua essência, que produz desigualdades nas relações
fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e
realiza uma exploração ultrapredatória da natureza”.
Com a definição do alvo a ser combatido, “as diferentes forças, cada
qual com sua diversidade e demandas específicas, podem se unificar nas
lutas, já que sabem que sua própria sobrevivência depende da derrota
desse inimigo, já que seu avanço não tem limites e tampouco escrúpulos”,
explica Conceição. Assim, a identidade na análise da conjuntura
permitiu a unificação das lutas.
Neudicléia ressalta a importância de cada movimento, a partir da
especificidade de sua atuação, socializar e lutar em conjunto com outros
movimentos. “Foi possível unificar também o pessoal das águas e
florestas, tendo como inimigo comum o capital e colocando como central a
luta de classes”. Para o próximo período, ressalta-se a necessidade de
manter o diálogo para organizar novas ações e construir laços de unidade
para além do campo, “com outros setores importantes na luta de classes,
como o sindical”.
A proposta é que a partir de agora essa unidade se concretize nas
lutas e mobilizações localizadas, nos estados e municípios. Os esforços
devem se dar “no sentido da articulação das pautas de lutas, buscando
cada vez mais a naturalização da unidade da classe trabalhadora do
campo”, afirma Conceição. “Além disso, a partir desse avanço, esses
mesmos movimentos também têm o desafio de construir a luta com a classe
trabalhadora da cidade, pois só assim conseguirão atingir a verdadeira
emancipação da classe trabalhadora”.
Leia abaixo a declaraçao final do Encontro Nacional Unitario dos
Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Aguas e das
Florestas.
Por Terra, Território e Dignidade!
Após séculos de opressão e resistência, “as massas camponesas
oprimidas e exploradas”, numa demonstração de capacidade de articulação,
unidade política e construção de uma proposta nacional, se reuniram no
“I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o
caráter da reforma agrária”, no ano de 1961, em Belo Horizonte. Já nesse
I Congresso os povos do campo, assumindo um papel de sujeitos
políticos, apontavam a centralidade da terra como espaço de vida, de
produção e identidade sociocultural.
Essa unidade e força política levaram o governo de João Goulart a
incorporar a reforma agrária como parte de suas reformas de base,
contrariando os interesses das elites e transformando-se num dos
elementos que levou ao golpe de 1964. Os governos golpistas perseguiram,
torturaram, aprisionaram e assassinaram lideranças, mas não destruíram o
sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço de chão.
Após décadas de resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e
lutas sociais criaram condições para a retomada e ampliação da
organização camponesa, fazendo emergir uma diversidade de sujeitos e
pautas. Junto com a luta pela reforma agrária, a luta pela terra e por
território vem afirmando sujeitos como sem terra, quilombolas,
indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, quebradeiras,
comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses,
trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e
das florestas. Neste processo de constituição de sujeitos políticos,
afirmam-se as mulheres e a juventude na luta contra a cultura
patriarcal, pela visibilidade e igualdade de direitos e dignidade no
campo.
Em nova demonstração de capacidade de articulação e unidade política,
nós homens e mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois,
em Brasília, no Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e
Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e das Florestas, tendo como
centralidade a luta de classes em torno da terra, atualmente expressa na
luta por Reforma Agrária, Terra, Território e Dignidade.
Nós estamos construindo a unidade em resposta aos desafios da
desigualdade na distribuição da terra. Como nos anos 60, esta
desigualdade se mantém inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos
econômicos, sociais, culturais e ambientais, em conseqüência da
especialização primária da economia.
A primeira década do Século XXI revela um projeto de remontagem da
modernização conservadora da agricultura, iniciada pelos militares,
interrompida nos anos noventa e retomada como projeto de expansão
primária para o setor externo nos últimos doze anos, sob a denominação
de agronegócio, que se configura como nosso inimigo comum.
Este projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações
fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e
realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas
são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e
comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e
o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive
destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de
infraestrutura – e (des)reguladora da terra.
O projeto capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de
capital especializado no setor primário, promovendo super-exploração
agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira. Esta
super-exploração, em nome da necessidade de equilibrar as transações
externas, serve aos interesses e domínio do capital estrangeiro no campo
através das transnacionais do agro e hidronegócio.
Este projeto provoca o esmagamento e a desterritorialização dos
trabalhadores e trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das
florestas. Suas conseqüências sociais e ambientais são a não realização
da reforma agrária, a não demarcação e reconhecimento de territórios
indígenas e quilombolas, o aumento da violência, a violação dos
territórios dos pescadores e povos da floresta, a fragilização da
agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores e
consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação
ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e
o envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a
juventude e as mulheres, resultando na não reprodução social do
campesinato.
Estas conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação
ou caráter assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas
políticas contribuíram para o processo de desigualdade social entre o
campo e a cidade, o esvaziamento do meio rural e o aumento da
vulnerabilidade dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. Em vez
de promover a igualdade e a dignidade, as políticas e ações do Estado,
muitas vezes, retiram direitos e promovem a violência no campo.
Mesmo gerando conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado
brasileiro nas suas esferas do Executivo, Judiciário e Legislativo,
historicamente vem investindo no fortalecimento do modelo de
desenvolvimento concentrador, excludente e degradador. Apesar de todos
os problemas gerados, os sucessivos governos – inclusive o atual –
mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.
O Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e
biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador, acirrando
os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas,
quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas. Externamente, o
Brasil vem se tornando alavanca do projeto neocolonizador, expandindo
este modelo para outros países, especialmente na América Latina e
África.
Torna-se indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção
de alimentos saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades
da sociedade, que respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao
mesmo tempo, o resgate e fortalecimento dos campesinatos, a defesa e
recuperação das suas culturas e saberes se faz necessário para projetos
alternativos de desenvolvimento e sociedade.
Diante disto, afirmamos:
1) a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento
justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na
estrutura fundiária, democratização do acesso à terra, respeito aos
territórios e garantia da reprodução social dos povos do campo, das
águas e das florestas.
2) a soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia
dos povos em proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço
social e de luta que ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida,
desenvolvendo diferentes culturas e formas de produção e reprodução,
que marcam e dão identidade ao território.
3) a soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas
próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição
e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação adequada a
toda a população, respeitando suas culturas e a diversidade dos jeitos
de produzir, comercializar e gerir estes processos.
4) a agroecologia como base para a sustentabilidade e
organização social e produtiva da agricultura familiar e camponesa, em
oposição ao modelo do agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e
se relacionar na agricultura, que preserva a biodiversidade, os
ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos saudáveis,
livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas dos
povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.
5) a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de
formas tradicionais de produção e o seu fortalecimento por meio de
políticas públicas estruturantes, como fomento e crédito subsidiado e
adequado as realidades; assistência técnica baseada nos princípios
agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os saberes
tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à
cooperação, agroindustrialização e comercialização.
6) a necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e
respeito mútuo, especialmente em relação às mulheres, superando a
divisão sexual do trabalho e o poder patriarcal e combatendo todos os
tipos de violência.
7) a soberania energética como um direito dos povos, o que
demanda o controle social sobre as fontes, produção e distribuição de
energia, alterando o atual modelo energético brasileiro.
8) a educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas
estratégicas para a emancipação dos sujeitos, que surgem das
experiências de luta pelo direito à educação e por um projeto
político-pedagógico vinculado aos interesses da classe trabalhadora.
Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo auxiliar um
projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do
capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra
minimamente qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e
trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.
9) a necessidade de democratização dos meios de comunicação,
hoje concentrados em poucas famílias e a serviço do projeto capitalista
concentrador, que criminalizam os movimentos e organizações sociais do
campo, das águas e das florestas.
10) a necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das
populações atingidas por grandes projetos, assegurando a consulta livre,
prévia e informada e a reparação nos casos de violação de direitos.
Nos comprometemos:
1 a fortalecer as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.
1 a fortalecer as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.
2 a ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento, titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais, dignidade e autonomia.
3 a fortalecer a luta pela reforma agrária como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.
4 a construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.
5 a lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e das sementes.
6 a construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso, abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras, voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.
7 a fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da violência.
8 a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
9 a lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto consumo energético.
10 a combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.
11 a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.
Nós, trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das
florestas exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado
brasileiro, pois o campo não suporta mais. Seguiremos em marcha,
mobilizados em unidade e luta e, no combate ao nosso inimigo comum,
construiremos um País e uma sociedade justa, solidária e sustentável.
Brasília, 22 de agosto de 2012.
Associação das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR)
Associação das Mulheres do Brasil (AMB)
Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
CARITAS Brasileira
Coordenação Nacional dos Quilombolas (CONAQ)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Comissão Pastoral da Pesca (CPP)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)
FASE
Greenpeace
INESC
Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Oxfam Brasil
Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Plataforma Dhesca
Rede Cefas
Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)
SINPRO DF
Terra de Direitos
Unicafes
VIA CAMPESINA BRASIL
CEPRO – Um
Projeto de Cidadania, Educação e Cultura em Rio das Ostras.
Alameda Casimiro de Abreu, 292, Bairro Nova
Esperança - centro
Rio das Ostras
Tel.: (22)
2760-6238 e Cel.:(22)9966-9436
E-mail: cepro.rj@gmail.com
Comunidade no
Orkut:
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