Há cem anos, sobre um vasto território entre o Paraná
e Santa Catarina, uma empresa Estadunidense, a Southern Brazil Lumber
& Colonization, reinava absoluta. Com a maioria de empregados
norte-americanos, contratados por Percival Farquhar, que pretendia
transformar o Brasil em vasta empresa de sua propriedade, a Lumber
abatia todas as árvores de valor comercial, da imbuia à araucária. Todas
as manhãs, ao som de um gramofone, os empregados – incluídos os
brasileiros – reunidos na sede da empresa, em Três Barras, entoavam o
hino norte-americano, The Star-Spangled Banner, enquanto a bandeira de
listras e estrelas era hasteada. Ao anoitecer, repetia-se a cerimônia,
ao recolher-se o pavilhão. Ali mandavam e desmandavam os ianques. O
imenso espaço em que se moviam os homens de Farquhar estava fora da
jurisdição brasileira.
Embora não houvesse sido a
única razão do conflito, a Lumber esteve no centro da Guerra do
Contestado, um dos mais épicos movimentos de afirmação nacionalista do
povo brasileiro. Nele, houve de tudo, dos interesses econômicos de
Farquhar e seus assalariados pertencentes às oligarquias políticas, ao
fanatismo religioso, em que não faltou uma Joana d’Arc – a menina Maria
Rosa morta aos 15 anos na beira do Rio Caçador, lutando como homem.
Enquanto
houver nações, a terra, o sangue e a honra continuarão unidos para dar
corpo ao que chamávamos pátria, e de que nos esquecemos hoje. Quem
conhece história sabe que os movimentos internacionalistas, quase sempre
a serviço dos impérios, acabam sendo vencidos pelos sentimentos mais
poderosos dos povos identificados pela cultura, pelas crenças – e pela
língua. Nós podemos conhecer muitas línguas, mas só saberemos expressar
os sentimentos mais fortes naquela que aprendemos dos lábios maternos.
Podemos conhecer todas as paisagens do mundo, mas só nos identificamos
com aquelas que os nossos olhos descobriram sob o sol da infância.
Mas há duas formas de pisar o chão pátrio: a dos ricos e a dos pobres.
Isso
explica por que os grandes agronegocistas brasileiros estão
pressionando o governo e o Congresso, a fim de que sejam abolidas as
restrições (já de si débeis) à aquisição de terras nacionais pelos
estrangeiros. Eles querem ganhar, ao se associarem aos capitais de fora
ou participando da especulação de terras.
Calcula-se que mais de 1% das
terras brasileiras já pertençam, e de forma legalizada, aos alienígenas.
A essa enorme área há que se acrescentar glebas imensas, adquiridas de
forma sub-reptícia, e sem conhecimento público, porque os cartórios de
imóveis estão dispensados de registrar a nacionalidade dos compradores.
O
Congresso está para aprovar a flexibilização das leis que regulam o
assunto, ao estender à agropecuária a Doutrina Fernando Henrique
Cardoso, que considera empresa nacional qualquer uma que se estabelecer
no Brasil, com o dinheiro vindo de onde vier e controlada por quem for, e
que tenha sua sede em Nova Iorque ou nas Ilhas Virgens.
Nós
tivemos, no século 19, uma equivocada política colonizadora, que
concentrou, nos estados meridionais, a presença de imigrantes europeus.
Isso
implicou a criação de enclaves culturais que se revelariam
antinacionais, durante os anos 30 e 40 do século passado. Foi difícil ao
Brasil conter a quinta-coluna nazista e fascista que se aliava ao
projeto de Hitler de estabelecer, no Cone Sul, a sua Germânia Austral. O
governo de Vargas foi compelido a atos de firmeza – alguns com
violência – a fim de manter a nossa soberania na região. Só no Piauí, a
venda de glebas aos estrangeiros aumentou em 138% entre 2007 e 2010. São
terras especiais, como as do sudoeste da Bahia, que estão sendo
ocupadas até mesmo por neozelandeses.
Estamos em
momento histórico delicado, em que os recursos naturais passam a ser
disputados com desespero por todos. As terras férteis e molhadas, de que
somos os maiores senhores do mundo, são a garantia da sobrevivência no
futuro que está chegando, célere. Nosso território não nos foi doado.
Nós o conquistamos, e sobre ele mantivemos a soberania, com muito sangue
e sacrifícios imensos. Não podemos cedê-los aos estrangeiros, a menos
que estejamos dispostos a viver contidos em nossa própria pátria,
desviando-nos das colônias estrangeiras, cada uma delas marcada por
bandeira diferente.
Ao contrário da liberalização
que pretendem alguns parlamentares do agronegócio, que esperam um
investimento de 60 bilhões na produção de soja e milho transgênicos no
país – o que devemos fazer, e com urgência, é restringir, mais ainda, a
venda de terras aos estrangeiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Do
contrário, e em tempo relativamente curto, teremos que expulsá-los,
seja de que forma for, e enfrentar, provavelmente, a retaliação bélica
de seus países de origem.
É melhor evitar tudo isso, antes que seja tarde.
Mauro Santayana é jornalista.
Fonte: Brasil de fato
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