Faltam recursos para a educação pública, assim como faltam recursos
para a previdência, a saúde pública, a assistência social, a habitação, o
saneamento básico e muitos outros setores de interesse social e
coletivo. Essa falta de recursos ocorre porque, apesar do que pregam
algumas vozes, a arrecadação do setor público brasileiro é muito
pequena. De fato, quando nossos orçamentos são comparados com o que se
observa em países que apresentam melhores realidades sociais, sejam eles
industrialmente avançados ou não, percebemos, com clareza, quão pequeno
eles são.
O setor público brasileiro dispõe, anualmente, de cerca de 32% do PIB
(1) para executar todas as suas funções, enquanto o setor público dos
países organizados aplica perto de 50% do PIB e, em muitos casos,
valores ainda maiores. França, Bélgica, Finlândia, Suécia e Dinamarca
são alguns poucos exemplos de países capitalistas industrializados cujos
setores públicos dispõem de mais ou bem mais do que 50% do PIB (2).
Entre os países com rendas per capita não muito diferentes da brasileira
(alguns, acima, outros, abaixo) e cujos setores públicos investem mais
do que o brasileiro estão Cuba, Colômbia, Portugal, Líbia (dados do
período anterior às ações da Otan/EUA), Iêmen, Egito, Jordânia, Jamaica,
Uruguai, Venezuela, entre vários outros, alguns deles dispondo de bem
mais do que 50% do PIB (3).
Há, portanto, um grave problema quanto ao volume de recursos
destinados às áreas de interesse social no Brasil. A tabela 1 abaixo
mostra os gastos públicos em algumas dessas áreas. Os valores indicados
na tabela somam quase 30% do PIB, não estando incluída uma grande
quantidade de outras despesas (como aquelas com guardas municipais,
tribunais de contas, ministérios públicos, alguns ministérios e
secretarias como as do trabalho, transporte, minas e energia, pesca,
abastecimento e turismo, despesas administrativas dos poderes
executivos, entre várias outras).
Para cumprir as metas previstas no Plano Nacional de Educação, no
momento em revisão pela Câmara dos Deputados, precisaríamos cerca de 5%
do PIB a mais para o setor público. A renda mensal média paga pela
Previdência Social para cerca de 30 milhões de beneficiários é da ordem
de R$ 900; aumentar esse valor em 50%, o que aproximaria a renda dos
aposentados da renda média dos trabalhadores ativos, implicaria em uma
necessidade adicional da ordem de 4% do PIB. O sistema público de saúde
no Brasil dispõe de recursos da união, dos estados e dos municípios que
somam aproximadamente 3,5% do PIB; para atingir uma participação próxima
daquela encontrada nos países onde o sistema público responde
adequadamente à demanda, precisaríamos dobrá-lo. Apenas esses três
setores – educação, previdência e saúde – exigiriam gastos públicos
adicionais da ordem de 12% a 13% do PIB que, somados aos valores atuais,
totalizariam aproximadamente 45% do PIB. Se as estimativas fossem
estendidas para as outras áreas de interesse social e coletivo,
concluiríamos que os gastos públicos brasileiros deveriam ser da ordem
de 50% do PIB, como ocorre nos países mais organizados.
Tabela 1 – Despesas públicas como percentual do PIB com as principais funções do setor público. (Valores estimados com base em informações disponíveis nos orçamento públicos e em sistematizações disponibilizadas pelo IBGE.) | |||
Previdência | 12% | Poder judiciário | 1,7% |
Educação | 5% | Segurança (Estados) | 1,1% |
Saúde | 3,5% | Cultura, ciência e tecnologia, desporto e lazer | 0,6% |
Habitação, urbanismo e saneamento | 2,2% | Poder legislativo | 0,5% |
Assistência social (inclui Bolsa-Família) | 1,3% | Forças armadas | 1,6% |
A pequena participação do setor público brasileiro no PIB reflete-se,
obviamente, na também pequena proporção de trabalhadores por ele
empregados, como mostra a tabela 2 (4). Assim, como é impossível
responder à demanda social com tão parcos recursos quando comparados com
o PIB, é impossível, também, responder com tão poucos trabalhadores.
Tabela 2 – Porcentagem da força de trabalho empregada pelo setor público. | |||
Noruega | 29,3 | EUA | 14,6 |
Dinamarca | 28,7 | Itália | 14,3 |
Suécia | 26,2 | Paraguai | 13,4 |
Finlândia | 22,9 | Rep. Dominicana | 13,2 |
França | 21,9 | Rep. Checa | 12,8 |
Rússia | 20,2 | Espanha | 12,3 |
Hungria | 19,5 | Portugal | 12,1 |
Estônia | 18,7 | Holanda | 12 |
Panamá | 17,8 | Áustria | 11,4 |
Luxemburgo | 17,6 | Turquia | 11 |
Reino Unido | 17,4 | Eslováquia | 10,7 |
Costa Rica | 17,2 | Nova Zelândia | 9,8 |
Bélgica | 17,1 | Polônia | 9,7 |
Venezuela | 16,6 | Suíça | 9,7 |
Canadá | 16,5 | Alemanha | 9,6 |
Israel | 16,5 | Chile | 9,1 |
Uruguai | 16,3 | África do Sul | 8,9 |
Argentina | 16,2 | México | 8,8 |
Austrália | 15,6 | Brasil | 8,6 |
Irlanda | 14,8 | Japão | 6,7 |
Eslovênia | 14,7 | Coreia | 5,7 |
Para atingirmos a realidade dos países capitalistas onde as políticas
de bem estar social tiveram algum sucesso, seria necessário triplicar o
número de trabalhadores no setor público brasileiro. Para atingirmos a
realidade de alguns países latino-americanos ou de países de forte
tradição liberal, como os EUA, precisaríamos entre aumentar em 50% ou
dobrar a força de trabalho no setor público.
E o “custo Brasil”?
O que foi afirmado até aqui se choca frontalmente com um pensamento
dominante e insistentemente divulgado pelos meios de comunicação: o de
que a carga tributária brasileira é muito grande. Quando aos defensores
desse tipo de argumento são apresentados os dados dos gastos públicos
dos países mais organizados, a resposta é que aqueles países são mais
ricos e que, se limitarmos a comparação com países de iguais
possibilidades econômicas, veríamos que, “dentre os países em estágio de
desenvolvimento equivalente ao brasileiro, o Brasil lidera, disparado, o
ranking em carga tributária” - frase colhida no site de uma das
instituições que desenvolvem campanhas contra impostos e contribuições
sociais no país. Apregoam, também, que essa “enorme carga tributária” é a
responsável pelo “custo Brasil”, que inviabiliza o crescimento
econômico do país.
Esse tipo de argumentação deve ser respondida. Como já mostrado
acima, não é verdade que todos os países em estágio de desenvolvimento
do setor produtivo equivalente ao Brasil têm um setor público com uma
pequena participação no PIB. Além disso, é exatamente nos países mais
pobres que a necessidade da presença do setor público é maior, para
fornecer bens e serviços e distribuir renda, pois nesses países a grande
massa da população é bastante pauperizada.
Há muita tendenciosidade quando se comparam os gastos públicos
brasileiros com o que ocorre em outros países. Na dúvida, opta-se,
sempre, para aquela interpretação mais favorável para fazer com que a
nossa pareça grande. Por exemplo, no caso dos EUA, grande parte das
despesas de previdência e de saúde está fora das contas públicas, embora
estejam embutidas nas folhas de pagamento. Para uma comparação menos
tendenciosa entre o setor público brasileiro e a realidade nos EUA,
seria necessário adicionar aos gastos públicos daquele país as
contribuições compulsórias para previdência e saúde não incluídas nas
contas públicas.
Outro aspecto ainda na linha de tendenciosidade é desconsiderar os
déficits públicos dos governos, que permitem gastos bem além da
arrecadação. Se esses déficits orçamentários fossem incluídos, a
diferença entre o Brasil e os países mais organizados seria ainda maior.
Quanto ao argumento de que os recursos públicos no Brasil, embora bem
aquém do que se observa nos países socialmente mais desenvolvidos, são
maiores do que o que se observa nos países de menor renda e mais
desorganizados, além de não ser uma regra geral, como já mostrado, a
resposta, na forma de uma pergunta, é simples: preferimos nos parecer
com países atrasados e com gravíssimos problemas sociais, que são
aqueles onde o setor público é insuficiente, como no Brasil, ou com os
países que se mostram mais organizados e capazes de responder às
necessidades sociais de forma mais adequada e justa? Certamente a
resposta para essa questão não é apenas numérica ou técnica: é
ideológica.
O “custo Brasil” é apenas uma expressão de efeito usada e abusada por
aqueles que não dependem dos serviços sociais fornecidos pelo setor
público e que pretendem, ao difundi-la, apenas viabilizar o aumento dos
seus ganhos e privilégios.
Causas da pequena arrecadação pública
A causa da pequenez do setor público no Brasil é, obviamente, a
também pequena carga tributária, provocada pelos baixos valores das
alíquotas de impostos, a grande sonegação e a evasão fiscal consentida
(na forma de isenções).
Evidentemente, pode haver muitos problemas na política de impostos
brasileira. A distribuição da arrecadação entre os vários entes da
federação e a distribuição entre impostos diretos e indiretos têm sido
apontados como alguns deles. Entretanto, não pode haver dúvidas quanto à
limitação na arrecadação pública, em especial aquela viabilizada pelos
impostos diretos. Em lugar de fazer uma comparação com o que ocorre nos
países que adotam políticas tributárias minimamente justas, vamos fazer
algumas comparações com o que ocorre nos EUA, que tantos esforços têm
feito para impor sua política neoliberal aos outros países.
Enquanto no Brasil a alíquota máxima do imposto de renda para pessoas
físicas é de 27,5%, nos EUA ela é de 35% no nível federal, à qual devem
ser adicionadas as alíquotas estaduais (nos EUA, a maioria dos estados
tem imposto de renda), que ultrapassam os 10%, e mesmo municipais. (Por
exemplo, o município de Nova Iorque tem uma alíquota máxima de imposto
de renda da ordem de 4%.)
Impostos sobre o patrimônio também são comuns nos países
capitalistas, tanto aqueles cobrado sobre a propriedade de bens e
valores como o que incidem sobre heranças. Uma corrida de olho pela
internet mostra que alíquotas máximas de impostos sobre o patrimônio nos
países europeus são da ordem de 1,5%. No caso de heranças, há um
exemplo estadunidense: a alíquota federal máxima, que já foi superior a
60% durante a maior parte do século XX e deverá atingir 55% em 2013, é
hoje de 35%.
Conclusão
Não há como enfrentar nossos problemas sociais de interesse público e
coletivo, entre eles, a educação, com os recursos atualmente
disponíveis ao setor público. É evidente que precisamos combater a má
administração e a corrupção, fatos frequentemente usados para justificar
o não aumento dos recursos públicos, inclusive porque aqueles problemas
comprometem a eficiência dos serviços públicos. Mas também é evidente
que, com os recursos hoje disponíveis, por mais íntegra e eficiente que
seja uma administração pública, é estritamente impossível responder a
nossas demandas sociais. Usar o argumento que não podemos aumentar os
recursos públicos por causa da corrupção ou de má administração em nada
ajuda a combater a corrupção nem melhorar a administração: usar esse
tipo de argumento apenas contribui para colocar as pessoas contra o
necessário aumento dos recursos públicos. Como é tão comum no Brasil,
esse tipo de discurso apenas tira proveito de um problema, ao invés de
tentar resolvê-lo.
Se queremos viabilizar um sistema educacional de qualidade,
republicano e democrático, é necessário atacar a questão dos recursos
públicos, aí incluídas tanto as arrecadações como, também, as dívidas
públicas dos municípios, dos estados e da União. Era isso que se
esperaria que o Congresso Nacional estivesse fazendo, inclusive e
especialmente com o objetivo de viabilizar o cumprimento das metas do
Plano Nacional de Educação. Ao invés disso, a Câmara Federal optou,
aparentemente, por rever as metas financeiras previstas no PNE, já
insuficientes para permitir o cumprimento das metas educacionais nele
contidas. Se as metas financeiras forem revistas para baixo, vamos
repetir o mesmo filme já visto durante o PNE 2001/2011: as metas
simplesmente não serão cumpridas por falta de recursos.
Notas:
(1) Os valores citados são aproximados, pois há variações de ano para
ano da ordem de 1% do PIB. Entretanto, essas pequenas variações não
comprometem nem as comparações feitas nem as conclusões qualitativas.
(2)http://epp.eurostat.ec.europa.eu/statistics_explained/index.php/General_government_expenditure_statistics
(3)As informações sobre os gastos públicos nos diversos países
apresentam pequenas variações segundo o ano considerado e a fonte
consultada, neste último caso por causa da metodologia adotada. Os
países que são citados como tendo arrecadações maiores que as
brasileiras as têm segundo uma mesma fonte, de tal forma que eventuais
vieses devem se compensar. Fontes dos dados: Wikipedia, The CIA World
Factbook e Banco Mundial.
(4)Fonte: Government at a Glance 2011, OCDE. Fonte para Costa Rica,
Panamá, Venezuela, Uruguai, Argentina Paraguai e República Dominicana:
IPEA, “Emprego Público no Brasil: Comparação Internacional e Evolução”,
2009.
Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi
presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep).
CEPRO – Um
Projeto de Cidadania, Educação e Cultura em Rio das Ostras.
Alameda Casimiro de Abreu, 292, Bairro Nova
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