Serão extremamente úteis para o País, qualquer que seja o desfecho,
as conclusões do atual debate que se trava em toda parte sobre
mobilidade urbana, a partir das recentes manifestações de rua, assim
como da criação de faixas exclusivas para ônibus na cidade de São Paulo.
A discussão adequada do problema, a adoção de políticas principalmente
nas regiões metropolitanas, poderá talvez evitar ou reduzir custos
imensos e hoje progressivos.
Um dos estudos recentes, do professor André Franco Montoro Filho, da
USP, ex-secretário de Planejamento de São Paulo e ex-presidente do
BNDES, afirma que o valor monetário de 12,5% da jornada de trabalho
perdidos com uma hora nos congestionamentos de trânsito (além de uma
hora, que seria “normal”) chega a R$ 62,5 bilhões anuais. E cada
trabalhador, assim como cada condutor de veículos particulares, pagaria
por esse “pedágio invisível” R$ 20 por dia (Folha de S.Paulo, 4/8). Não
surpreende, assim, que a questão da mobilidade tenha ocupado a segunda
posição no total de reivindicações nas 35 audiências públicas para
discussão do plano de metas da atual administração da cidade de São
Paulo (Estado, 27/6) – uma exigência da Lei Orgânica do Município.
Em editorial (Uma aposta duvidosa, 9/8, A3), este jornal já apontou a
insuficiência das novas estratégias se limitadas à criação de faixas
exclusivas para ônibus – embora aumentem a velocidade destes.
Principalmente porque não há reordenação de linhas, faltam coletivos em
muitos lugares, sobram em outros. E a reordenação enfrenta a oposição
das empresas concessionárias de ônibus, que têm alta rentabilidade nos
formatos atuais. Pode-se acrescentar ainda que não há uma política nesse
setor que englobe toda a área metropolitana. Tudo pode ter efeito
apenas momentâneo – basta ver que as restrições que tiraram das ruas
milhares de ônibus fretados e caminhões, assim como a implantação de
novas pistas na Marginal do Tietê, “já perderam o efeito”.
A necessidade de políticas mais abrangentes fica à mostra quando se
veem números sobre grandes cidades brasileiras e sua influência no
planejamento urbano – em geral, problemática. No Rio de Janeiro, o
recente mapeamento das redes subterrâneas feito pela prefeitura carioca
estimou haver 10.200 quilômetros de redes de esgotos no subsolo –
“equivalentes à distância entre Brasil e Alemanha” – e 19 mil
quilômetros de rede de cabos elétricos. Em São Paulo, a fiação elétrica
chega perto de 40 mil quilômetros e só 3 mil são enterrados nos 17 mil
quilômetros de ruas. Há mais de 30 afluentes sepultados sob o asfalto só
nas imediações do Rio Tietê. As redes de drenagem também se estendem
por milhares de quilômetros, embora ainda insuficientes, dadas as suas
estreitas dimensões – e, entupidas, contribuem decisivamente para
inundações.
Que planejamento se fará para a mobilidade, em que tudo isso
interfere – e sabendo ainda que mais de 1 milhão de pessoas “entram e
saem da capital diariamente”? E de onde virão os recursos? Estudo da ONU
calcula que a “transição para cidades sustentáveis” no mundo não ficará
abaixo de US$ 40 trilhões até 2030 (Rádio ONU, 7/5). Quanto será em São
Paulo?
Seria, entretanto, muito proveitoso reconfigurar essas
infraestruturas urbanas numa cidade como São Paulo, onde só a perda de
água nas redes subterrâneas de distribuição, por furos e vazamentos, não
está muito abaixo de 40% do total, que é a média brasileira –
calcule-se o prejuízo financeiro e o custo para os cidadãos. E pouco se
avança em obras abaixo do solo no País (São Paulo ainda vai à frente).
Os recursos para investimentos em mobilidade urbana mínguam, em lugar
de crescerem. Obras que estavam previstas para até 2014, na Copa do
Mundo, foram retiradas da lista das prioritárias (O Globo, 25/6). Em um
ano reduziram-se em R$ 2,5 bilhões. E não se consegue “abrir a
caixa-preta dos custos do transporte público, revisar contratos,
promover de forma transparente o debate público sobre regras dos
contratos de concessão” (blog da professora e urbanista Raquel Rolnik,
relatora da ONU para o “direito à moradia adequada”, 24/6).
E a questão não é só de mobilidade ou econômica, pode ser de saúde
também. Estudo de cardiologistas do Hospital do Coração de São Paulo
alerta (9/8) que “a tensão gerada por fatores do cotidiano como
trânsito, violência e excesso de trabalho” – todos relacionados com a
mobilidade – “causa aumento da pressão arterial e a liberação de
hormônios que podem comprometer seriamente a saúde cardíaca (…), o
estado de tensão e alerta contínuo pode levar à liberação de altos
níveis de hormônios, que geram instabilidade no organismo e podem
provocar espasmos na artéria coronária que irriga o coração, além de
lesionar células cardíacas, conhecidas como miócitos, por causa do
aumento dos radicais livres”. O cortisol e a adrenalina podem aumentar
os batimentos cardíacos e elevar a pressão arterial. Pessoas já
predispostas “podem sofrer infartos e até vir a óbito”.
A questão vai chegando a níveis tais que o prefeito de São Paulo já
diz que “o usuário terá que repensar o uso do carro” (Folha de S.Paulo,
8/8). Para ele, “não é simples mudar uma cultura – se fosse, alguém já
teria feito”. Mas terá de fazer. E aceitar – como já foi discutido
tantas vezes neste espaço – prioridades para o transporte público, sobre
o transporte individual. E isso pode traduzir-se também em zonas de
pedágio urbano, investimentos maciços e prioritários em metrô e trens
urbanos, etc.
Teremos, todos, de mudar nossos hábitos e visões. E trabalhar com
otimismo em novas direções urbanas, principalmente os administradores
públicos. Como disse o filósofo G. K. Chesterton (Doze tipos, Editora
Topbooks, 1993, coordenação de Ivan Junqueira), “o homem que goza de
popularidade deve ser otimista a respeito de tudo, ainda que seja apenas
otimista em relação ao pessimismo”.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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