Violência e migração aparecem historicamente como verdadeiras irmãs
siamesas. De fato, ao longo dos séculos, toda violência, aberta ou subterrânea,
declarada ou silenciosa, contém potenciais deslocamentos humanos. Estes, embora
diferenciados no tempo e no espaço, desencadeiam enormes fluxos migratórios. Em
numerosos casos, tais movimentos de massa constituem o lado visível de uma
violência estrutural e invisível. Uma espécie de termômetro das turbulências ocultas
em curso. Se isso é evidente, por exemplo, nas formas de violência marcadas
pelo subdesenvolvimento, a pobreza, a miséria e o desemprego (África, Ásia,
América Latina, Caribe, Leste Europeu), o é com muito maior razão nas regiões
de conflitos armados por motivos políticos, ideológicos ou religiosos (Oriente
Médio, Norte da África, Paquistão, Iraque, Afeganistão).
Neste caso, o preconceito e a discriminação, a intolerância e a
xenofobia provocam fluxos de migração cada vez mais intensos, complexos e dramáticos.
Vale ilustrar com alguns fatos atuas. Na Síria, desde 2011 dilacerada pela
guerra civil, a cifra de crianças recolhidas em campos de refugiados é estimada
em mais de um milhão; cerca de mil foram mortas juntamente com seus pais. No
Egito, os mortos vitimados pelas mobilizações e turbulências recentes, em razão
da mudança de governo, ultrapassam os 800, segundo representantes da
Fraternidade Muçulmana. No Líbano, Iraque, Afeganistão e Paquistão, atentados
frequentes causam centenas de vitimas, entre mortos e feridos. A chamada
"primavera árabe”, depois de certa esperança, representa atualmente um enorme
ponto de interrogação, para não falar de puro e simples "inverno”. Mudam os
nomes dos governantes, mas permanece o regime teocraticamente autoritário.
Os resultados de semelhantes tensões e guerras aparecem com uma visibilidade
cada vez mais preocupante e desafiadora no sul da Itália. Barcaças precárias,
apinhadas de "retirantes” ou "refugiados”, chegam cotidianamente nos portos da Ilha
de Lampedusa e da região de Siracusa e Sicilia. A lotação de cada embarcação
tem pulado sistematicamente de 50 para 100, depois para 250, chegando até a 400
imigrantes. Todos fugindo dos frequentes massacres e em busca de socorro. Nesses
desembarques, cresce progressivamente a presença de mulheres, crianças e famílias
inteiras. Alguns barcos afundam antes de atracar, exigindo o socorro imediato,
mas nem sempre eficaz, da Guarda Costeira italiana. Aumentam dramaticamente os
casos de afogamento e morte. Os alojamentos para imigrantes encontram-se
superlotados, ocasionando revolta e distúrbios crescentes. O prefeito e as
autoridades locais se unem aos agentes que ali trabalham para alertar que a
situação vem se tornando incontrolável.
Por outro lado, a Itália vem enfrentando uma grave crise socioeconômica
e política (uma crise que, de resto, golpeia toda zona do euro). Mas vejamos
mais de perto o quadro italiano: crescimento negativo em todos os setores e por
longo período, intenso fechamento de pequenas e médias empresas, diminuição do
consumo familiar de produtos essenciais, desemprego crescente especialmente
entre a população juvenil, onda de suicídios por falência, aposentadoria em declínio,
tensões intragovernamentais – são os principais ingredientes dessa crise
estrutural. Milhares de jovens italianos, de ambos os sexos, boa parte com
curso superior completo, emigram para os Estados Unidos, a Inglaterra, a
Alemanha, a Austrália..., numa tentativa de um futuro menos obscuro. Não poucos
refazem o caminho que seus antepassados, ao cruzarem o Atlântico, desbravaram
na passagem do século XIX para o século XX.
Além disso, a Ministra da Integração da Itália, cidadã italiana negra,
originaria da Republica Democrática do Congo, recentemente sofreu algumas
manifestações discriminatórias de autoridades de primeiro escalão. Cecile
Kyenge foi comparada a um orangotango por ninguém menos que o Senador Roberto
Calderoni, vice-presidente do Senado, do partido Lega Norte, conhecido por sua insistente oposição ao movimento de
imigração. Seguiram-se outras manifestações de flagrante preconceito, do tipo
"Por que não vai fazer política no Congo?” Diante de tal situação, o que fazer?
Essa é a pergunta que todos se fazem. Pergunta do governo, das
associações e organizações não governamentais, dos movimentos sociais e da
Igreja. A esse respeito, a recente visita do Papa Francisco à Ilha de Lampedusa
representou um alerta geral sobre a condição desumana dos imigrantes que, para
fugir dos confrontos sangrentos nos países de origem, continuam buscando a
Europa. A visita do Santo Padre, além de um grito à consciência dos cidadãos e
governantes do velho continente, repercutiu em todo o mundo. Mas, a situação
tem piorado devido ao aumento da violência armada do outro lado do Mediterrâneo.
As autoridades italianas, por sua vez, procuram estender o apelo do Papa a todo
o continente europeu. "O Mediterrâneo não é uma fronteira italiana” –dizem–
"mas da Comunidade Europeia como um todo”. Palavras que ecoam vazias aos
ouvidos moucos de grande parte das autoridades dos outros países da comunidade.
Tanto que têm sido praticamente nulas, ou quando muito tímidas, as
respostas dos demais países. Os governos da Alemanha e da França (para não
falar dos outros), encontram-se sob fogo cruzado: ao mesmo tempo em que se veem
interpelados pela chegada constante dos refugiados e pelos pedidos de socorro
da Itália, têm de enfrentar a intransigência de grupos internos de ideologia fortemente
neonazista. Verificaram-se recentes confrontos entre esses grupos e imigrantes
que conseguiram ultrapassar a Itália, chegado a cidades da França e Alemanha. Nesses
e em outros países do velho continente, em lugar do sentimento de solidariedade
e acolhida diante da situação dos imigrantes, cresce a intolerância e a
perseguição. Na mesma medida em que crescem as levas de refugiados do sul para
o norte do Mediterrâneo, parece aumentar o medo da população e dos governos.
Não é indiferente o fato de que a maioria dos imigrantes seja muçulmana!
A pergunta sobre "o que fazer?” permanece aberta e mais viva do que
nunca, inclusive para os diversos setores da Igreja. Sem dúvida, a pressão
crescente de refugiados sobre a costa sul italiana, aliada à visita profética
do Pontífice, nos interroga a todos. Trata-se de uma situação simultaneamente
emergencial e estrutural. Esses imigrantes, ao mesmo tempo em que denunciam a violência de seus países e a
necessidade de fugir da terra natal, anunciama necessidade urgente de mudanças nas relações internacionais, seja de um ponto
de vista socioeconômico, seja de um ponto de vista politico-cultural. Profetas
do amanhã, sem dúvida, mas profetas inconscientes, perseguidos e em desesperada
fuga. Como transformar semelhante fuga em uma nova busca?
Fonte: Adital
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