É hora de começar a semana, mais uma segunda-feira na escola.
Sentados em roda, cerca de 20 estudantes e professores aguardam o início
da assembleia e definem a pauta numa lousa, enquanto a mesa,
responsável por organizar e encaminhar a reunião, é formada por um
educador e uma jovem estudante. Esse momento diz muito sobre a Politeia, uma escola democrática de ensino Fundamental localizada no bairro de Perdizes, zona oeste da cidade de São Paulo.
A assembleia discute temas pertinentes ao dia a dia escolar, que vão
desde os grupos de pesquisa, passando pelas saídas do espaço escolar, às
regras de convivência que todos terão de respeitar – como, por exemplo,
o que pode ou não ser visto na internet. Todos têm voz e voto e
apropriam-se de fato de seus direitos, colocando-se publicamente. Os
mais jovens (por volta de 6 anos) também expõem argumentos, mas aos
poucos, vão trocando a discussão política pelo brincar. Afinal, são
crianças.
Percursos
“O grande desafio é despertar o interesse deles pelo conhecimento. O
processo de alfabetização, por exemplo, deve partir de uma necessidade
que eles sintam de aprender a ler e escrever. E tudo isso é permeado
pelo brincar. A criança aqui não irá repetir os padrões de uma escola
normal. E os pais geralmente entendem e apoiam essa escolha”, conta Yvan
Dourado, professor-tutor da Politeia.
O conceito de sala, aula e prova, inexiste. Os estudantes são
agrupados em ciclos (do I ao III, de acordo com as idades) e desenvolvem
temas de pesquisa individuais e coletivos, elaborados a partir de seus
próprios interesses e do que acontece no mundo. Neste semestre, muitos
estão interessados nas manifestações, na questão do transporte público e
na tática black bloc. No ano passado, estudaram coletivamente a questão
da terra e do território, que serviu de linha mestra para as matérias,
todas com o mesmo peso.
“Partindo da terra, podemos estudar o meio ambiente, os conflitos
agrários, o clima. Cada área do conhecimento tem uma intersecção
possível. Antes eles estavam interessados em mitologia greco-romana.
Então fizemos encenações teatrais, história, trabalhamos nas artes
plásticas e isso chegou até os orixás, que foi um bom ponto para
começarmos a estudar história da África”, relata o educador Osvaldo de
Souza.
Transição
Com 14 anos, Joyce Dória está concluindo os estudos na Politeia, após
um percurso de quatro anos que começou com a saída da escola particular
que estudava, na zona norte da capital paulista. A transição foi um
“alívio”, segundo ela. “Era uma escola muito tradicional, a diretora
mandava em tudo, ninguém me escutava. Aqui é totalmente diferente”,
afirma a estudante.
A jovem, que hoje pesquisa as manifestações ocorridas em junho,
revela que no espaço da Politeia perdeu a timidez e aprendeu a falar em
público. “No começo aqui, sempre que eu ouvia um ‘não’, ficava
revoltada, brava, mas aprendi a conviver e me ver como parte disso,
porque eu também ajudo a construir as regras”, diz Joyce, que também
destaca que, na nova escola, os principais aprendizados foram “autonomia
e responsabilidade”.
A transição foi acompanhada por seu irmão, que tem Síndrome de Down.
Segundo ela, ele costumava sofrer muito preconceito na escola antiga, o
que a enfurecia, mas hoje em dia não há qualquer motivo para isso. “Aqui
não trabalhamos com o conceito de inclusão, porque ele já parte dizendo
que alguém foi excluído. Todos têm suas dificuldades e suas
habilidades”, pondera o educador Yvan.
À casa torna
Em sua curta caminhada, um caso marcou bastante o experimento da
Politeia. Um ex-estudante, o primeiro a se formar na escola democrática,
teve que encarar a tarefa de se adaptar a um colégio tradicional. Ao
tentar passar na prova de admissão, se deparou com dificuldades. Ao
retornar à Politeia, armou um roteiro de estudos e em pouco tempo havia
dominado os conhecimentos necessários para se integrar à nova etapa de
sua vida.
Hoje, ele retorna regularmente para a antiga escola para ajudar os
formandos, coordenando um Grupo de Estudos especialmente voltado para
isso. Serão sete neste ano que devem se preparar para as provas que
virão.
“Nós queremos que os estudantes conquistem os instrumentos para que
possam ser o que quiserem”, reflete Yvan, ao lembrar-se deste caso.
“Essa história confirmou uma hipótese que tínhamos ao fundar essa
escola: de que é possível preparar um sujeito, ao dotá-lo de liberdade e
habilidades, para que ele seja participativo, solidário e
questionador”, reflete.
Como funciona a educação democrática na Politeia
Fórum de Resolução de Conflitos: Quando há algum
conflito, o estudante ou o professor escreve em um papel quem são os
envolvidos e afixa em um painel. Em seguida, há uma reunião entre as
partes conflitantes e dois mediadores, um estudante e um educador. Não
há advertência ou suspensões e as questões costumam ser resolvidas no
diálogo.
Conselho: Uma vez a cada dois meses, os pais se
reúnem com os filhos e a equipe da escola para discutir as questões
escolares. Planilhas de gasto da escola são abertas e todos tem voz e
voto igual. Inclusive os alunos.
Professor, tutor ou educador? “O papel do professor é
importante, mas ele não é o detentor do conhecimento. Aulas expositivas
não são encorajadas, mas ele tem que preparar fichas, materiais.
Preferimos diálogos, rodas, pesquisas”, afirma Osvaldo, que lembra que
os novos educadores passam pelo crivo dos alunos para serem contratados.
“O novo professor tem que fazer uma atividade e os estudantes vão
escolher o contratado”.
Provar o quê? “Prova machuca, dá medo, deixa o
estudante nervoso”, relata Joyce, 14. Na Politeia, os estudantes passam
por uma autoavaliação sem nota, além de um acompanhamento dos educadores
sobre seu desempenho, em constante diálogo com os pais. “A prova é uma
fotografia. Nós olhamos o processo como um todo, em ciclos”, afirma o
educador Osvaldo.
Fonte: Portal Aprendiz.
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