Os problemas de seca prolongada registrados
atualmente no semiárido brasileiro devem se agravar ainda mais nos
próximos anos por causa das mudanças climáticas globais. Por isso, é
preciso executar ações urgentes de adaptação e mitigação desses impactos
e repensar os tipos de atividades econômicas que podem ser
desenvolvidas na região.
A avaliação foi feita por pesquisadores que participaram das
discussões sobre desenvolvimento regional e desastres naturais
realizadas no dia 10 de setembro durante a 1ª Conferência Nacional de
Mudanças Climáticas Globais (Conclima).
Organizado pela FAPESP e promovido em parceria com a Rede Brasileira
de Pesquisa e Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), o
evento encerra-se hoje (13), no Espaço Apas, em São Paulo.
De acordo com dados do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e
Desastres (Cenad), só nos últimos dois anos foram registrados 1.466
alertas de municípios no semiárido que entraram em estado de emergência
ou de calamidade pública em razão de seca e estiagem – os desastres
naturais mais recorrentes no Brasil, segundo o órgão.
O Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de
Mudanças Climáticas (PBMC) – cujo sumário executivo foi divulgado no dia
de abertura da Conclima – estima que esses eventos extremos aumentem
principalmente nos biomas Amazônia, Cerrado e Caatinga e que as mudanças
devem se acentuar a partir da metade e até o fim do século 21. Dessa
forma, o semiárido sofrerá ainda mais no futuro com o problema da
escassez de água que enfrenta hoje, alertaram os pesquisadores.
“Se hoje já vemos que a situação é grave, os modelos de cenários
futuros das mudanças climáticas no Brasil indicam que o problema será
ainda pior. Por isso, todas as ações de adaptação e mitigação pensadas
para ser desenvolvidas ao longo dos próximos anos, na verdade, têm de
ser realizadas agora”, disse Marcos Airton de Sousa Freitas,
especialista em recursos hídricos e técnico da Agência Nacional de Águas
(ANA).
Segundo o pesquisador, o semiárido – que abrange Bahia, Sergipe,
Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Piauí e o
norte de Minas Gerais – vive hoje o segundo ano do período de seca,
iniciado em 2011, que pode se prolongar por um tempo indefinido.
Um estudo realizado pelo órgão, com base em dados de vazão de bacias
hidrológicas da região, apontou que a duração média dos períodos de seca
no semiárido é de 4,5 anos. Estados como o Ceará, no entanto, já
enfrentaram secas com duração de quase nove anos, seguidos por longos
períodos nos quais choveu abaixo da média estimada.
De acordo com Freitas, a capacidade média dos principais
reservatórios da região – com volume acima de 10 milhões de metros
cúbicos de água e capacidade de abastecer os principais municípios por
até três anos – está atualmente na faixa de 40%. E a tendência até o fim
deste ano é de esvaziarem cada vez mais.
“Caso não haja um aporte considerável de água nesses grandes
reservatórios em 2013, poderemos ter uma transição do problema de seca
que se observa hoje no semiárido, mais rural, para uma seca ‘urbana’ –
que atingiria a população de cidades abastecidas por meio de adutoras
desses sistemas de reservatórios”, alertou Freitas.
Ações de adaptação
Uma das ações de adaptação que começou a ser implementada no
semiárido nos últimos anos e que, de acordo com os pesquisadores,
contribuiu para diminuir sensivelmente a vulnerabilidade do acesso à
água, principalmente da população rural difusa, foi o Programa Um Milhão
de Cisternas (P1MC).
Lançado em 2003 pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) – rede
formada por mais de mil organizações não governamentais (ONGs) que atuam
na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com a região
semiárida –, o programa visa implementar um sistema nas comunidades
rurais da região por meio do qual a água das chuvas é capturada por
calhas, instaladas nos telhados das casas, e armazenada em cisternas
cobertas e semienterradas. As cisternas são construídas com placas de
cimento pré-moldadas, feitas pela própria comunidade, e têm capacidade
de armazenar até 16 mil litros de água.
O programa tem contribuído para o aproveitamento da água da chuva em
locais onde chove até 600 milímetros por ano – comparável ao volume das
chuvas na Europa – que evaporam e são perdidos rapidamente sem um
mecanismo que os represe, avaliaram os pesquisadores.
“Mesmo com a seca extrema na região nos últimos dois anos, observamos
que a água para o consumo da população rural difusa tem sido garantida
pelo programa, que já implantou cerca de 500 mil cisternas e é uma ação
política de adaptação a eventos climáticos extremos. Com programas
sociais, como o Bolsa Família, o programa Um Milhão de Cisternas tem
contribuído para atenuar os impactos negativos causados pelas secas
prolongadas na região”, afirmou Saulo Rodrigues Filho, professor da
Universidade de Brasília (UnB).
Como a água tende a ser um recurso natural cada vez mais raro no
semiárido nos próximos anos, Rodrigues defendeu a necessidade de
repensar os tipos de atividades econômicas mais indicadas para a região.
“Talvez a agricultura não seja a atividade mais sustentável para o
semiárido e há evidências de que é preciso diversificar as atividades
produtivas na região, não dependendo apenas da agricultura familiar, que
já enfrenta problemas de perda de mão de obra, uma vez que o aumento
dos níveis de educação leva os jovens da região a se deslocar do campo
para a cidade”, disse Rodrigues.
“Por meio de políticas de geração de energia mais sustentáveis, como a
solar e a eólica, e de fomento a atividades como o artesanato e o
turismo, é possível contribuir para aumentar a resiliência dessas
populações a secas e estiagens agudas”, afirmou.
Outras medidas necessárias, apontada por Freitas, são de realocação
de água entre os setores econômicos que utilizam o recurso e seleção de
culturas agrícolas mais resistentes à escassez de água enfrentada na
região.
“Há culturas no semiárido, como capim para alimentação de gado, que
dependem de irrigação por aspersão. Não faz sentido ter esse tipo de
cultura que demanda muito água em uma região que sofrerá muito os
impactos das mudanças climáticas”, afirmou Freitas.
Transposição do Rio São Francisco
O pesquisador também defendeu que o projeto de transposição do Rio
São Francisco tornou-se muito mais necessário agora – tendo em vista que
a escassez de água deverá ser um problema cada vez maior no semiárido
nas próximas décadas – e é fundamental para complementar as ações
desenvolvidas na região para atenuar o risco de desabastecimento de
água.
Alvo de críticas e previsto para ser concluído em 2015, o projeto
prevê que as águas do Rio São Francisco cheguem às bacias do Rio
Jaguaribe, que abastece o Ceará, e do Rio Piranhas-Açu, que abastece o
Rio Grande do Norte e a Paraíba.
De acordo com um estudo realizado pela ANA, com financiamento do
Banco Mundial e participação de pesquisadores da Universidade Federal do
Ceará, entre outras instituições, a disponibilidade hídrica dessas duas
bacias deve diminuir sensivelmente nos próximos anos, contribuindo para
agravar ainda mais a deficiência hídrica do semiárido.
“A transposição do Rio Francisco tornou-se muito mais necessária e
deveria ser acelerada porque contribuiria para minimizar o problema do
déficit de água no semiárido agora, que deve piorar com a previsão de
diminuição da disponibilidade hídrica nas bacias do Rio Jaguaribe e do
Rio Piranhas-Açu”, disse Freitas à Agência FAPESP.
O Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do PBMC, no entanto,
indica que a vazão do Rio São Francisco deve diminuir em até 30% até o
fim do século, o que colocaria o projeto de transposição sob ameaça.
Freitas, contudo, ponderou que 70% do volume de água do Rio São
Francisco vem de bacias da região Sudeste, para as quais os modelos
climáticos preveem aumento da vazão nas próximas décadas. Além disso, de
acordo com ele, o volume total previsto para ser transposto para as
bacias do Rio Jaguaribe e do Rio Piranhas-Açu corresponde a apenas 2% da
vazão média da bacia do Rio São Francisco.
“É uma situação completamente diferente do caso do Sistema
Cantareira, por exemplo, no qual praticamente 90% da água dos rios
Piracicaba, Jundiaí e Capivari são transpostas para abastecer a região
metropolitana de São Paulo”, comparou.
“Pode-se argumentar sobre a questão de custos da transposição do Rio
São Francisco. Mas, em termos de necessidade de uso da água, o projeto
reforçará a operação dos sistemas de reservatórios existentes no
semiárido”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, a água é distribuída de forma desigual
no território brasileiro. Enquanto 48% do total do volume de chuvas que
cai na Amazônia é escoado pela Bacia Amazônica, segundo Freitas, no
semiárido apenas em média 7% do volume de água precipitada na região
durante três a quatro meses chegam às bacias do Rio Jaguaribe e do Rio
Piranhas-Açu. Além disso, grande parte desse volume de água é perdido
pela evaporação. “Por isso, temos necessidade de armazenar essa água
restante para os meses nos quais não haverá disponibilidade”, explicou.
As apresentações feitas pelos pesquisadores na conferência, que termina no dia 13, estarão disponíveis em: www.fapesp.br/conclima.
Fonte: Agência Fapesp.
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