O filósofo Roman Krznaric
atrai públicos numerosos para suas palestras sobre amor, trabalho e
vida. Mas, apesar da popularidade, ele dispensa formalidades. Senta-se
no sofá do lobby de um elegante hotel na avenida Paulista, oferece um
café e começa a falar com as pessoas que ele acabara de conhecer como se
fossem velhos amigos. Fala sobre seus dias no Brasil, amigos em comum e
já envereda para um de seus temas preferidos: o fato de os sistemas
educacionais dos quais fez parte, como aluno ou como professor, não o
terem preparado para a vida. “Vamos para a escola ou universidade e não
aprendemos sobre as coisas que mais nos preocupam na vida, como a forma
de construir relacionamentos, de lidar com problemas familiares ou de
escolher a carreira”, diz o australiano que passou parte da vida em Hong
Kong e atualmente está radicado em Londres.
É principalmente na capital inglesa que Krznaric tem posto em prática
a resposta que ele e um grupo de outras pessoas deram para esse
descompasso entre vida e escola. Ele começou na cozinha de casa,
convidando amigos, depois amigos de amigos, depois amigos de amigos de
amigos, para conversar sobre o amor. Daí, claro, a cozinha ficou pequena
e os encontros passaram a ocorrer em locais públicos. Era o início da The School of Life,
ou Escola da Vida, instituição que dá aulas, oficinas e cria materiais
sobre temas relacionados a trabalho, amor, família, política e diversão e
que agora chega ao Brasil para trazer para cá oportunidades de discutir
os dilemas do cotidiano.
O próximo evento da The School of Life Brazil está marcado para
domingo, no Rio de Janeiro, ocasião em que Krznaric vai falar sobre
outro tema que lhe é muito caro, a empatia (as inscrições custam R$ 100
). Ele é tão ligado ao tema que uma de suas maiores ambições na vida é
criar o Museu da Empatia, espaço em que estranhos podem tentar se
conhecer e estabelecer conexões, um pouco à luz de outra iniciativa que
liderou, quando estava à frente da organização Oxfam Muse. Na época, ele
promovia encontros um tanto inusitados: chamava grupos heterogêneos –
100 empresários e 100 moradores de rua, por exemplo – e promovia espaços
em que representantes de cada um dos grupos pudesse ter conversas
pessoais e profundas com desconhecidos sobre suas experiências com as
diferentes formas de amor, com a morte ou algum outro tema existencial.
“Primeiro, eu achava que só poderíamos mudar a sociedade por meio de
partidos políticos. Mas então eu comecei a entender que a melhor forma
de transformar a sociedade era mudando a maneira como as pessoas se
relacionam”, disse Krznaric, que além de professor universitário de
sociologia e política, já experimentou – e adorou – ser jardineiro, é
apaixonado por tênis e gosta de fazer móveis. Dentre os livros que já
escreveu, Sobre a Arte de Viver (Zahar) e Como Encontrar o Trabalho da
Sua Vida (Objetiva) estão disponíveis em português. Além disso, mantém o
blog Oustrospection, em que divide seus pensamentos sobre a empatia e a
arte de viver.
Em conversa com o Porvir, Krznaric falou ainda sobre como ele imagina
um modelo de escola tradicional que fosse capaz de abordar os assuntos
“que realmente importam” e citou modelos bem sucedidos de trabalhos com
empatia. Veja os principais destaques da conversa.
Como começou sua inquietação com os modelos tradicionais de ensino?
Quando eu olho para a minha própria educação – graduação, pós,
doutorado – eu a considero um fracasso porque eu não aprendi nela
habilidades para a vida. Nós vamos para a escola e não aprendemos sobre
as coisas que mais nos preocupam na vida, como a forma de construir
relacionamentos, de lidar com problemas familiares ou de escolher a
carreira, como pensar sobre a criatividade e seu potencial. Nada disso
se aprende nos nossos sistemas de educação. Sempre achei que tinha
alguma coisa faltando na minha própria educação.
Na minha jornada pessoal, eu era um acadêmico tradicional, ensinava
sociologia na universidade. Mas a burocracia estava me deixando louco.
Eu achava que só poderíamos mudar a sociedade por meio de partidos
políticos. Mas então eu comecei a entender que a forma de transformar a
sociedade era mudando a maneira como as pessoas se relacionam. Na forma
como eu e você aprendemos uns com os outros, como nos colocamos no lugar
do outro, como agimos com empatia, como você se compreende enquanto
pessoa.
Pode dar um exemplo?
Comecei a trabalhar com isso na Oxfam Muse. A ideia era criar
momentos de conversa entre estranhos e cruzar limites sociais. Reuníamos
100 empresários com 100 moradores de rua. Os convidávamos para um
jantar em qualquer lugar, num museu, num parque. Entregávamos menus. Não
menus de comida, mas de conversa. Havia perguntas sobre aspectos
humanos universais: o que você já aprendeu com as diferentes formas de
amor na sua vida? De que forma você acha que pode ser mais corajoso? A
ideia era criar conversas de 1 para 1, em que as pessoas podiam se
conectar umas com as outras para ir além do papo superficial.
Fizemos esses encontros também em escolas entre estudantes de
diferentes idades, entre professores e alunos… Quando você tem 14 ou 15
anos, você pensa sobre tudo isso. Pode ser que você não tenha a
linguagem ou espaço para falar sobre esses assuntos, mas todo mundo é
especialista em sua própria experiência.
Qual era o propósito dessas conversas?
Criar conexões. Quando você tem uma conversa legal com alguém, você
sente que mudou um pouco, criou-se uma espécie de igualdade. Nas
escolas, estamos sempre cercados de estranhos. O que as outras pessoas
pensam são pontos obscuros para nós. Em empresas também. O diretor de
uma empresa pode não saber que sua secretária é uma exímia cineasta.
Existem muitas coisas que não sabemos sobre pessoas que estão próximas e
assim se perde muito potencial. Conversas são importantes para abrir a
cabeça das pessoas.
Isso foi o início da The School of Life?
Tive muitas conversas com pessoas sobre os diferentes aspectos da
vida. Entendi que eu queria dar aulas sobre a arte de viver. Percebi que
havia um tipo de educação que ainda não existia. E nós até sabemos
muitas coisas sobre vida, amor e morte porque as pessoas estão pensando
sobre isso há milhares de anos, mas sempre podemos aprender mais se
entendermos o que as pessoas da Grécia Antiga pensavam sobre o amor, o
que as pessoas do Renascimento pensavam sobre morte, como as pessoas no
oeste africano pensam sobre relacionamentos, o que podemos aprender, que
ideias podemos ‘roubar’.
Então você já tinha a ideia e era só começar?
Eu não tinha um lugar. Aí minha mulher sugeriu que usássemos nossa
cozinha no sábado seguinte. Chamei uns amigos para discutir, de manhã,
como encontrar um trabalho que nos satisfaça e, de tarde, para repensar
as ideias sobre o amor. Fui fazendo isso mais vezes e precisei sair da
cozinha. Fui para espaços públicos e comecei a desenvolver uma
metodologia sobre o que funcionava, que fosse um aprendizado pessoal e
significativo. Queria ensinar filosofia grega de um jeito que não fosse
só teoria.
E como foi isso?
Eu e outras pessoas desenvolvemos cursos em cinco grandes áreas da
vida: trabalho, amor, família, diversão e política. Passamos um ano
pesquisando, pensando, conversando com pessoas para definir essas cinco
áreas. Passamos dois anos desenvolvendo materiais, como as aulas seriam –
mais do que um professor ir à frente e falar –, como seria a
participação das pessoas, os debates, o tamanho das turmas, o material
visual. Começamos a The School of Life e foi um sucesso. Mais de 100 mil
pessoas já vieram ouvir o que temos para falar. Fomos para outros
países do mundo, agora estamos chegando no Brasil e na Austrália e vamos
expandir para outros lugares.
Descobrimos uma espécie de ‘fome existencial’ e estamos agora em um
momento de inflexão da história. Temos um nível recorde de insatisfação
com a vida. As pessoas estão procurando por significado em suas vidas. É
por isso que, mesmo que não saibam quem eu sou e o que eu faço, as
pessoas comparecem para ver o que eu tenho a dizer sobre repensar o
trabalho. Elas querem alguma coisa. A educação moderna está fracassando.
Claro, existem muitas organizações como a The School of Life que estão
preocupadas com um aprendizado mais significativo, mas ainda é muito
pouco. Educação para a arte de viver não existe para crianças e jovens
na maior parte dos países.
Como você imagina uma escola que tenha um programa para ensinar a arte de viver?
Imagine que, numa escola regular, uma tarde por semana seja dedicada
para a aula de vida, com três componentes. Em um, é o aprendizado
tradicional, na sala de aula e ensina, por exemplo, os seis tipos de
amor da Grécia Antiga. O segundo seria de conversas. Os alunos sairiam
às ruas para falar com estranhos, visitar casas de repouso para cegos.
Essas conversas podem ser de muitas maneiras, inclusive on-line, em que
se pode ter contato com crianças no Quênia. O ponto é ir além do papo
superficial de duas linhas do Facebook. O terceiro componente seria
destinado a experiências de diferentes tipos de vida. Poderia ser ajudar
alguém a construir uma casa ou um voluntariado com pessoas muito
diferentes de você. Eu adoraria ver as escolas oferecerem esse tipo de
educação para a vida, mas também adoraria que as escolas ensinassem
empatia.
Como funcionaria?
A boa notícia é que 98% das pessoas têm a capacidade de desenvolver
empatia, de se colocar no lugar do outro, ver o mundo pelos olhos de
outra pessoa. Mas nós nem sempre usamos isso. Os outros 2% são
psicopatas, pessoas com alguns tipos de autismo. Alguns acontecimentos
na nossa vida erodem nossa capacidade de ‘empatizar’. A outra boa
notícia é que empatia é uma habilidade que se pode aprender e se
ensinar. Existem diferentes modelos de ensinar empatia. O mais famoso
deles é o Roots of Empathy. Para mim ele é o melhor porque ele tem
aqueles três passos sobre aprender, conversar e experimentar. Você
coloca um bebê no centro de uma roda e as crianças interagem e falam
sobre o bebê. Eles têm feito muitos estudos que mostram mudanças no
comportamento das crianças. O programa torna as crianças mais empáticas,
preocupadas com o outro, colaborativas, mas também as faz melhorar seus
resultados em outras áreas, como autoconfiança e resiliência emocional.
Mas há outros modelos.
Fonte: O Porvir.
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