segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O que se entende por terrorismo?

Por Leonardo Boff

As manifestações pacíficas de junho/julho de 2013 e outras  deste ano de 2014 paralelamente mostraram também a atuação violenta dos Black Blocs que, mascarados, faziam quebra-quebras, atacando policiais e culminando com a morte do cinegrafista Santiago Andrade. Suscitou-se, então, o tema do terrorismo.

É arriscado tratar logo como terrorismo os atos violentos praticados. Estes irromperam no seio de grupos insatisfeitos com certas alianças do PT com políticos altamente desacreditados ou em reação à violência policial. Pode estar presente um traço ideológico como oposição radical ao sistema macroeconômico neoliberal, dentro do qual se situa o Brasil. Investem contra seus símbolos como os bancos, danificando-os.

Ilusoriamente, pensam que quebrando suas fachadas atingem o coração do sistema. Esse não se muda pela “violência simbólica” mas por um processo histórico-social, por mais prolongado que seja. Tais grupos vêm carregados de decepção e amargura. Dão vasão  a este estado de ânimo através de ações destrutivas.

Podem-se qualificar tais atos como  expressão de terrorismo? Penso que não seria exato. O terrorismo tem por detrás de si um radicalismo excludente, seja de natureza religiosa ou política. Leva militantes a sacrificar a vida por seus propósitos. Paradigmático foi o terrorismo islâmico, que levou ao atentado de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. A partir de então se instalou o medo em todo o país. E o medo produz fantasmas que desestabilizam as pessoas e a ordem vigente. Assim, por exemplo, um  árabe, em Nova York,  pede uma informação a um policial, e este o prende, imaginando tratar-se de um terrorista. Depois se verifica ser um simples cidadão inocente.

Esta fenomenologia mostra a singularidade do terrorismo: a ocupação das mentes. Nas guerras e nas guerrilhas precisa-se ocupar o espaço físico para efetivamente se impor. Assim foi no Afeganistão e no Iraque.  No terror, não. No terror basta ocupar as mentes com ameaças que produzem medo,internalizado na população e no governo. Os norte-americanos ocuparam fisicamente o Afeganistão dos talibãs e o Iraque de Saddan Hussein. Mas a Al Qaeda  ocupou psicologicamente as mentes dos norte-americanos. A profecia do autor intelectual dos atentados de 11 de Setembro, o então ainda vivo Osama bin Laden, feita no dia  8 de outubro de 2001, se realizou: "Os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz".
Para dominar as mentes pelo medo o terrorismo segue a seguinte estratégia: 1) os atos têm de ser  espetaculares, caso contrário, não causam comoção generalizada; 2) apesar de odiados, devem provocar admiração pela sagacidade empregada; 3) devem sugerir que foram minuciosamente preparados; 4) devem ser imprevistos para darem a impressão de serem incontroláveis; 5) devem ficar no anonimato dos autores (usar máscaras) porque, quanto mais suspeitos, maior o medo; 6) devem provocar permanente medo; 7) devem distorcer a percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode configurar o terror.

Formalizando: o terrorismoé toda  violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com  medo e pavor. O importante não é a violência em si,  mas seu caráter espetacular, capaz de dominar as mentes de todos. 

Está em debate no Ministério da Justiça, nos órgãos de segurança do Estado e no Parlamento,  uma legislação visando tipificar os atos destrutivos dos Black Blocs como terrorismo. Mas, cuidado, não se trata de terrorismo como descrito acima. Os atos, por seu caráter destrutivo, têm traços de terrorismo sem ser terrorismo propriamente dito. Se o tratarmos como terrorismo, como já foi advertido pelo ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, correremos o risco de instaurar o medo na sociedade, medo que acaba inibindo as manifestações populares. Com medidas de caráter antiterrorista podemos estar levando água ao moinho dos Black-Blocks: ocupar, pelo medo, as mentes da população. Basta enquadrá-los nas leis existentes  com as punições previstas.

Mais importante em saber quem cometeu e comete atos de violência é saber por que se recorre a eles. O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, que se notabilizou por prenunciar o golpe civil-militar de 1964 com o texto Quem vai dar o golpe no Brasil, nos chamou a atenção no boletim Carta maior de fevereiro sobre os Whitetblocs: aqueles donos do capital, nacional e internacional, aqueles que não querem nenhuma mudança por temer a perda de seu nível de acumulação. Não é impossível que possam estar atrás dos Black Blocks. Daí a importância do acompanhamento por parte dos órgãos de informação do Estado, pois o golpe civil-militar de 1964 nos deixou sérias indicações a respeito destas forças.Trata-se de um golpe de classe com uso da força militar. A nossa sociedade  altamente desigual e discriminatória sempre oferece razões para a indignação violenta. Cumprir a Constituição possibilitando educação, garantindo o mínimo para todos, suscitando amor às pessoas como o fez, exemplarmente, a esposa do cinegrafista Santiago Andrade  e a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. São caminhos de outro tipo de estratégia política, certamente mais eficazes do que a pura e simples repressão policial que ataca os efeitos mas não atinge o coração desta violência que, não acompanhada, pode se transformar em eventual terrorismo organizado.


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