Ainda não é a mudança climática a culpada pelos apagões. Ela virá, em
algum momento no futuro, reduzir a capacidade de nossos reservatórios
permanentemente e precisamos nos preparar para sermos menos dependentes
das chuvas para termos eletricidade. O apagão, ao que tudo indica, foi
causado por um problema físico em uma das linhas e, porque o sistema
está sobrecarregado, ele se auto-desligou. É um mecanismo de
autoproteção do próprio sistema.
Agora, os reservatórios têm muitos problemas. Falta manutenção,
muitos estão assoreados, vários são poluídos pelas águas dos rios de sua
bacia, todos muito maltratados. Eles são usados em excesso todos os
anos, o ano inteiro, por falta de alternativa. Devíamos manter estoques
estratégicos de água nos reservatórios e usar mais eólica e solar. Mas,
não, superutilizamos os reservatórios e fazemos menos eólica do que
poderíamos fazer, nada fazemos em energia solar. Os reservatórios
esvaziam não porque a chuva não os está enchendo, mas porque tiramos
mais água deles do que entra.
O governo federal engavetou o programa de eficiência e economia de
energia. Não criou condições para tornar realidade a geração
distribuída, que permitiria a instalação de placas solares nas
residências e prédios, que entregariam para o sistema a eletricidade
excedente, aquela que não tivessem usado nos momentos de pico de
geração. Faltam incentivos, os preços são altos, as distribuidoras não
se interessam em promover a interligação das instalações residenciais e
prediais ao sistema. Esta semana, em Nova York, conversei com um
brasileiro que mora lá há mais de 20 anos. Ele tem um serviço de táxi
especial. Recebeu uma proposta da companhia de eletricidade, para
instalar placas solares de graça na casa dele, que fica em um subúrbio
de Nova York. Ele pagará uma taxa anual básica, que fará com que sua
conta de eletricidade seja reduzida em mais de 50%. Na Califórnia, o
governo subsidiou a instalação de placas solares em residências e
prédios comerciais. Hoje, várias cidades já estão com 100% das
edificações dotadas de sistemas solares. O estado enfrenta a maior seca
dos últimos 500 anos e não tem problema de energia.
Falta planejamento no setor elétrico. Este é um setor que sempre
teve, historicamente grande capacidade de planejamento, já exportou bons
planejadores para outras partes do governo no passado. Mas, hoje, não
temos planejamento. O sistema tem cometido erros primários. Está
comandado por razões políticas, por um ministro que não tem a menor
qualificação para estar à frente de uma área tão sensível. O setor
perdeu, sobretudo, capacidade de pensar o futuro contemporaneamente,
para investir em um sistema mais inteligente, que lide melhor com a
diversificação de fontes de energia e com programas efetivos de economia
de energia e geração distribuída. Os erros de política se repetem. Não
há gestão eficiente de reservatórios. O exemplo mais sério de erros
primários de planejamento foi a construção de usinas eólicas, que estão
operacionais, mas não entregam eletricidade ao sistema porque as linhas
de distribuição não foram construídas. O que temos é um sistema que
opera da mão para a boca, de crise em crise.
O resultado é que estamos vulneráveis a apagões. Pagamos um absurdo
de subsídios para manter baixos os preços da energia, estimulando o
consumo excessivo e o desperdício. Pagamos por eólicas que não podem
entregar energia por faltas de linha. E pagamos o dobro pela energia de
termelétricas que, além de poluir e aumentar o custo da energia para o
tesouro, sujam nossa matriz elétrica e emitem gases estufa. Tudo errado.
E a única solução que o pensamento torto que domina o sistema tem para
oferecer é ampliar a usina de Belo Monte. Belo Monte é a falsa solução.
Não funcionará adequadamente, entregará sempre muito menos Mw/hora reais
do que pagamos para sua construção, baseada em ilusório potencial
instalado. Amplia-la é dobrar o erro e aprofundar as contradições
presentes no sistema elétrico, que podem leva-lo à ruptura geral. Tudo
isso custa uma fortuna ao contribuinte. O que o governo tira no preço da
eletricidade (da gasolina e do diesel também) devolve em maior
proporção no gasto do Tesouro, nos impostos e na dívida que financiam
esse gasto.
O sobreuso da eletricidade estressa um sistema que já opera no
limite. Dependente de hidrelétricas, sem alternativas boas, ele está
usando as termelétricas muito além do limite para o qual elas foram
pensadas, dobrando o custo da eletricidade e aumentando os danos
ambientais associados à energia suja. O governo – e muita gente do
setor, por interesse particular – vive se gabando de que temos a “matriz
mais limpa do mundo”. Mas todos se esquecem de dizer que nessa “matriz
mais limpa do mundo”, o carvão, a fonte mais suja, tem aumentado
significativamente sua participação, por decisão do governo. Aumentou
30% no último período. E o governo quer aumentar mais o uso do carvão.
Estamos pensando o sistema olhando para o retrovisor. Os governos da
Terceira República jamais suspeitaram do que as próximas décadas
significarão para o campo da energia. Esse menos ainda.
Mas o governo dirá que não há problemas. No Brasil, em período eleitoral, a primeira vítima é sempre a verdade.
Fonte: Ecopolitica.
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