Este verão ainda nem acabou, mas já marcou seu lugar na História. Não
apenas por ser dos mais quentes, mas por revelar o quanto ainda
precisamos fazer para lidar melhor com os chamados “eventos extremos”.
Vejamos algumas situações:
1) O verão mais quente dos últimos 71 anos no Brasil e as ondas de
frio recorde no hemisfério norte podem ser fenômenos climáticos mais
frequentes e intensos daqui para frente. É o que apontam os relatórios
recentes do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da
ONU). Convém conhecer melhor esses estudos e incorporá-los ao
planejamento estratégico dos países.
2) Segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos
(CPTEC), das 10 temperaturas mais quentes registradas no mundo no dia
31/12/2013 em todas as 4.232 estações meteorológicas acessadas pelo
INPE, 9 aconteceram aqui Brasil : Joinville (SC) apareceu no topo do
ranking com sensação térmica de 57ºC. O Rio de Janeiro ficou em segundo
com 51ºC. Estamos efetivamente inseridos na geografia dos eventos
extremos e essa não é uma boa notícia. Importa fazer chegar essa
informação aos tomadores de decisão.
3) Desde 2009, todos os picos de consumo de energia no Brasil vêm
acontecendo na parte da tarde (entre 14h39 e 15h41) e não mais no início
da noite. Essa mudança de padrão é atribuída ao uso intensivo de
aparelhos de ar-condicionado e ventiladores para enfrentar o calor no
momento mais quente do dia. Como boa parte desses equipamentos
desperdiça energia, é preciso exigir dos fabricantes padrões mais
elevados de eficiência desses e outros produtos, que precisam ser
certificados de acordo com os mais rigorosos protocolos. Não fazer isso
significa premiar o desperdício.
4) Verão de calor intenso combinado com falta de chuva ameaça o
abastecimento de água nas cidades e a produção de energia a partir das
hidrelétricas. Quando o nível dos reservatórios cai, as companhias de
abastecimento oferecem descontos para quem economiza água e organizam
racionamentos escalonados. É o que se espera delas. Já no setor
elétrico, “economia” e “racionamento” de energia são palavrões. Desde o
apagão de 2001, sucessivos governos se esmeram em garantir toda a
energia de que a população necessita, sem qualquer orientação em favor
do consumo consciente ou da eficiência energética. Fontes do governo me
confirmaram que o entendimento prevalente é o de que ações nesse sentido
poderiam ser confundidas como sinais de fraqueza de quem não consegue
eliminar por completo o risco de apagões e que, por isso, “pede ajuda à
população”. Um absurdo completo.
5) Diversificar a matriz energética é algo importante e urgente. Mas o
Brasil ainda derrapa na execução de projetos. É o que o acontece, por
exemplo, com a energia do vento. O país já soma 144 parques eólicos
prontos, mas 48 deles não estão ainda interligados ao sistema por falta
de linhas de transmissão. Seriam 1.265 megawatts a mais, o suficiente
para abastecer Salvador durante um mês. Segundo a Associação Brasileira
de Energia Eólica, 12 destes parques entram em operação este mês e
outros 16 em março. Até lá, nos viramos com o que temos. Em relação ao
futuro, a própria ANEEL admite que dos 42.750 MW de projetos outorgados
de várias fontes (hidrelétricas, térmicas, eólicas) para entrar em
operação entre 2014 e 2020, 6.455,1 MW (15% do total) simplesmente não
têm previsão para entrar em operação por problemas diversos. Esses
projetos que ninguém sabe dizer quando estarão concluídos produziriam
energia para quase 26 milhões de pessoas.
6) Já se foi o tempo em que os reservatórios cheios de água garantiam
o consumo de energia do país por até três anos seguidos sem chuvas.
Hoje isso não passa de 5 meses. Desde a década de 1990 tem sido mais
fácil licenciar e construir hidrelétricas sem barragens, com menos áreas
alagadas e impactos ambientais.
Entretanto, sem novos reservatórios de
grande porte, o Brasil perdeu a capacidade de estocar água da chuva como
fazia antes. Ficamos mais vulneráveis e abrimos caminho para as fontes
sujas, que são mais caras e poluentes. Neste verão sem chuvas, o ONS
autorizou a compra de 11.500 MW de energia das termelétricas, que é
quase o que produz uma Itaipu (14.000 MW). Pergunta-se: sujar desse
jeito a matriz energética seria a única alternativa que temos para
compensar a perda dos reservatórios? Não teríamos outras opções menos
impactantes para o bolso e o meio ambiente?
7) No país campeão mundial de água doce, a hidroeletricidade continua
sendo uma vantagem estratégica. Mesmo não sendo mais possível construir
usinas com grandes reservatórios por conta dos impactos ambientais, o
potencial estimado de produção é de 250 mil megawatts. Hoje exploramos
apenas um terço disso (80 mil MW). O horizonte de investimentos aponta
para as bacias hidrográficas da Região Amazônica.
Um relatório da
Coppe/UFRJ financiado pelo Banco Mundial indica que as maiores usinas
hidrelétricas em construção hoje no país (Jirau, Santo Antônio e Belo
Monte) podem não produzir toda a energia prevista porque foram
planejadas levando-se em conta a média das chuvas das últimas décadas.
Só que o padrão de chuvas está mudando. Já não está na hora dos
tomadores de decisão levarem mais a sério esses estudos que medem a
mudança do ciclo das chuvas?
8 ) Há quase dois anos o Brasil decidiu acertadamente regulamentar a
microgeração de energia, ou seja, deu sinal verde para que qualquer
cidadão pudesse produzir energia em pequena escala, desde que de fonte
limpa e renovável, interligado à rede de distribuição. No final do mês, a
conta de luz traria em valores monetários a diferença entre o que o
cidadão gerou para a rede e o que consumiu da rede. Dependendo do que
for gerado, é possível obter excelentes descontos ou até não pagar mais a
tarifa de luz. A intenção da medida era estimular as pessoas a
participarem ativamente da geração de energia reduzindo os custos do
governo com grandes usinas e linhas de transmissão. Só que os Estados
decidiram cobrar ICMS sobre essa energia gerada a partir do esforço de
cada cidadão. Apenas Minas Gerais e Tocantins abriram mão desse imposto
abusivo e imoral. Dependendo da distribuidora de energia, cobram-se
ainda PIS e COFINS. É assim que se mata uma boa ideia.
9) Precisamos incorporar ao planejamento urbano o conceito de “cidade
resiliente”, ou seja, aquela que se protege de maneira inteligente das
mudanças climáticas. É a agenda da “adaptação”. Se as mudanças
climáticas já estão ocorrendo, é preciso prevenir tragédias e desastres
com investimentos pontuais em setores estratégicos. O desconforto
térmico causado por temperaturas elevadas pode ser atenuado com mais
áreas verdes, menos “ilhas de calor”, mais áreas disponíveis para o
banho seguro com a despoluição de praias/rios e lagoas, permissão para o
uso de roupas mais leves em ambientes onde isso normalmente não é
possível (repartições públicas, por exemplo) e estímulos a construções
sustentáveis (greenbuilding) nais quais se explore ao máximo sistemas de
ventilação cruzada, telhados verdes e outras técnicas que atenuam o
desconforto térmico.
10) Eventos extremos como esse merecem respostas rápidas das
autoridades. É preciso definir novos protocolos de emergência quando a
temperatura subir muito, orientando a população a eventualmente não sair
de casa em certos horários ou mesmo dispensando a necessidade de seguir
para o trabalho. A sensação térmica de aproximadamente 50ºC levou a
Secretaria de Educação de Santa Catarina a adiar o início das aulas
nesta semana de fevereiro em vários municípios. Diversos órgãos públicos
pelo Brasil já dispensaram o uso de paletó e gravata de seus
funcionários. No Rio de Janeiro, servidores municipais foram autorizados
a usar bermudas até o joelho. O benefício alcançou também os motoristas
de táxi. No caso dos motoristas de ônibus, a liberação depende de cada
empresa. No futebol, a parada técnica para hidratação dos jogadores é
respeitada em alguns campeonatos estaduais. No Rio, entretanto, isso não
é o suficiente para aplacar o desconforto dos jogadores que disputam
partidas no estádio de Moça Bonita, em Bangu (um dos lugares mais
quentes do Brasil) às 17h, horário de verão. Como se vê, precisamos
avançar muito na direção de uma sociedade que responda com inteligência
aos chamados eventos extremos.
André Trigueiro é jornalista com pós-graduação
em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina
geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo
Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço
na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um
dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e
Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro,
pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor
chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também
comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de
Janeiro.
Fonte: Mundo Sustentável.
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