Reza a lenda que esgoto é um péssimo negócio para os políticos porque
os canos ficam enterrados e ninguém vê. E ao contrário da água, nada
entra na casa do eleitor. Será que é essa lógica coronelista que
explica porque nem mesmo o lobby do setor industrial ligado ao
saneamento consegue fazer com que o acesso a este serviço básico se
dissemine no Brasil? Afinal, este item não conflita com a ultrapassada
visão desenvolvimentista que tantos danos tem causado ao meio ambiente
em nosso país. Investir em saneamento ainda é o caminho mais eficiente
para reduzirmos uma infinidade de doenças que sobrecarregam o sistema
público de saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a cada R$ 1
investido em saneamento gera uma economia de R$ 4 na saúde. Liberar
recursos para outras frentes de atuação contribuiria para a maior
satisfação da população e – bingo! – uma melhor avaliação dos gestores
públicos e governantes.
No entanto, pesquisa do Instituto Trata Brasil mostra que mais da
metade das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a
construção de redes de coleta e tratamento de esgoto em 18 Estados (65%,
para sermos exatos) estavam atrasadas, paralisadas ou nem sequer haviam
sido iniciadas até dezembro de 2012. Apenas 19 das 112 obras observadas
na pesquisa que integram a primeira fase do PAC, que começou em 2007,
foram concluídas. E 16 das 26 obras do PAC 2, iniciado em 2010, ainda
não foram iniciadas. De acordo com o Instituto, o governo liberou apenas
47% dos recursos destinados ao PAC 1 e 50% do PAC2. Ainda assim, nem
metade das obras deve estar concluída até 2015. No total, estão
previstos gastos de R$ 6,1 bilhões nas 138 obras analisadas no estudo.
Estes números mostram que o problema desta vez não é falta de
dinheiro. Mas como os recursos provisionados são liberados conforme as
obras são executadas, conclui-se que prefeituras e governos estaduais,
que deveriam ser os principais interessados, estão sendo omissos ou
incompetentes. Deixemos de lado as tradicionais reclamações a respeito
das licenças ambientais e encontraremos uma miríade de erros nas
licitações e nos projetos. E quando a falha é descoberta perto do prazo
de entrega da obra, o prejuízo é ainda maior, pois implica em refação do
trabalho.
É este o cenário por trás da postergação da meta de universalização
do saneamento básico, agendada para 2024 e reprogramada para 2033. A
revisão dos prazos das obras traz mais que prejuízos financeiros – que
são inerentes a qualquer revisão de cronogramas. Ela traz prejuízos em
vidas humanas: segundo o TrataBrasil, sete crianças morrem todos os dias
no país, vítimas de diarréias, e mais de 700 mil pessoas são internadas
a cada ano nos hospitais públicos por doenças vindas dos esgotos.
Dificulta a saída da zona de pobreza da população atingida: estima-se um
ganho de 13,3% na produtividade do trabalhador que é alcançado por
serviços de esgoto, possibilitando o crescimento de sua renda em igual
proporção. E pesquisa Saneamento, Educação, Trabalho e Turismo –
Instituto Trata Brasil/FGV mostra que a diferença de aproveitamento
escolar entre crianças que têm e não têm acesso ao saneamento básico é
de 18%.
Embora ainda seja o Estado mais rico da Federação, São Paulo integra
esse cenário desanimador. No caso da capital, basta uma ida à periferia
para encontrarmos amiúde a triste convivência do esgoto a céu aberto com
a população. De acordo com o TrataBrasil, o valor dos imóveis que
contam com acesso à rede de esgoto pode sofrer uma valorização média de
até 18%. Como muitos imóveis de periferia são próprios, falar de
saneamento é falar do patrimônio pessoal do trabalhador – que se
desvaloriza sem o esgoto e com as enchentes que tantas vezes decorrem de
sistemas adequados de condução e tratamento de dejetos. Não custa
lembrar que, em época de chuva e enchente, é esse esgoto que lotará os
postos de saúde e hospitais paulistanos, elevando a demanda por mais
recursos para a Defesa Civil, para a saúde e para inúmeros outros
serviços.
Nessa equação perversa, permanece a pergunta: afinal, a quem não interessa investir em saneamento?
Marcelo Cardoso é coordenador executivo do Vitae Civilis.
Fonte: Vitae Civilis.
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