Estou fora do país, na Europa a trabalho e constato o grande
interesse que todas as mídias aqui conferem às manifestações no Brasil. Há bons
especialistas na Alemanha e França que emitem juízos pertinentes. Todos
concordam nisso, no caráter social das manifestações, longe dos interesses da
política convencional. É o triunfo dos novos meios e congregação que são as
mídias sociais.
O grupo da libertação e a Igreja da libertação sempre
avivaram a memória antiga do ideal da democracia, presente, nas primeiras
comunidades cristãs até o século segundo, pelo menos. Repetia-se o refrão
clássico: "o que interessa a todos deve poder ser discutido e decidido por
todos". E isso funcionava até para a eleição dos bispos e do Papa. Depois
se perdeu esse ideal nas nunca foi totalmente esquecido. O ideal democrático de
ir além da democracia delegatícia ou representativa e chegar à democracia
participativa, de baixo para cima, envolvendo o maior número possível de
pessoas, sempre esteve presente no ideário dos movimentos sociais, das
comunidades de base, dos Sem Terra e de outros. Mas, nos faltavam os
instrumentos para implementar efetivamente essa democracia universal, popular e
participativa.
Eis que esse instrumento nos foi dado pelas várias mídias
sociais. Elas são sociais, abertas a todos. Todos agora têm um meio de
manifestar sua opinião, agregar pessoas que assumem a mesma causa e promover o
poder das ruas e das praças. O sistema dominante ocupou todos os espaços. Só
ficaram as ruas e as praças que, por sua natureza, são de todos e do povo.
Agora, surgiram a rua e a praça virtuais, criadas pelas
mídias sociais.
O velho sonho democrático segundo o qual o que interessa a
todos, todos têm direito de opinar e contribuir para alcançar um objetivo comum
pode, enfim, ganhar forma.
Tais redes sociais podem desbancar ditaduras, como no Norte
da África; enfrentar regimes repressivos, como na Turquia; e agora mostram no
Brasil que são os veículos adequados de revindicações sociais, sempre feitas e
quase sempre postergadas ou negadas: transporte de qualidade (os vagões da
Central do Brasil têm quarenta anos), saúde, educação, segurança, saneamento
básico. São causas que têm a ver com a vida comezinha, cotidiana e comum à
maioria dos mortais. Portando, coisas da Política em maiúsculo. Nutro a
convicção de que a partir de agora se poderá refundar o Brasil a partir de onde
sempre deveria ter começado, a partir do povo mesmo que já encostou nos limites
do Brasil feito para as elites. Estas costumavam fazer políticas pobres para os
pobres e ricas para os ricos. Essa lógica deve mudar daqui para frente. Ai dos
políticos que não mantiverem uma relação orgânica com o povo. Estes merecem ser
varridos da praça e das ruas.
Escreveu-me um amigo que elaborou uma das interpretações do
Brasil mais originais e consistentes, o Brasil como grande feitoria e empresa
do Capital Mundial, Luiz Gonzaga de Souza Lima. Permito-me citá-lo: "Acho
que o povo esbarrou nos limites da formação social empresarial, nos limites da
organização social para os negócios. Esbarrou nos limites da Empresa Brasil. E
os ultrapassou. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra
forma de ser Brasil, quer uma sociedade de humanos, coisa diversa da sociedade
dos negócios. É a Refundação em movimento".
Creio que este autor captou o sentido profundo e, para
muitos, ainda escondido das atuais manifestações multitudinárias que estão ocorrendo
no Brasil.
Anuncia-se um parto novo. Devemos fazer tudo para que não
seja abortado por aqueles daqui e de lá de fora que querem recolonizar o Brasil
e condená-lo a ser apenas um fornecedor de commodities para os países
centrais que alimentam ainda uma visão colonial do mundo, cegos para os
processos que nos conduzirão fatalmente a uma nova consciência planetária e à
exigência de uma governança global. Problemas globais exigem soluções globais.
Soluções globais pressupõem estruturas globais de implementação e de orientação.
O Brasil pode ser um dos primeiros nos quais esse inédito viável pode começar a
sua marcha de realização. Dai ser importante não permitirmos que o movimento
seja desvirtuado. Música nova exige um ouvido novo. Todos são convocados a
pensar este novo, dar-lhe sustentabilidade e fazê-lo frutificar num Brasil mais
integrado, mais saudável, mais educado e melhor servido em suas necessidades
básicas.
CEPRO – Um
Projeto de Cidadania, Educação e Cultura em Rio das Ostras.
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