Dados são do Censo Escolar de 2011; especialistas afirmam que rotina pode estafar docente.
Pouco mais de um
quinto dos professores brasileiros trabalham em duas ou mais escolas de
Educação Básica. Entre as regiões, Sul e Sudeste são as que apresentam
os maiores percentuais: 25%.
Os dados são do Censo Escolar 2011, realizado anualmente pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) e estão no Anuário Brasileiro da Educação Básica (para baixar,
clique aqui).
Muitos são professores que lecionam, normalmente, em mais de uma
rede, mesclando a municipal e a estadual ou uma pública com a
particular. Há casos também de docentes que dão aula em uma unidade e
são diretores em outra. As dificuldades impostas pelo trabalho em mais
de uma unidade de ensino, independentemente do tipo de combinação,
segundo especialistas, são diversas. A falta de tempo decorre de uma
série de fatores que o trabalho em mais de uma unidade de ensino gera.
Deslocamento e qualidade de vida
Percorrer a distância entre uma escola e outra, seja de carro, seja
de transporte público, pode ser complicado em grandes cidades e
capitais. “O deslocamento em uma cidade como São Paulo, por exemplo, é
muito difícil, independentemente do tipo de transporte que se usa. O
trânsito é intenso.
É correr contra o tempo”, afirma Roberto Leão, presidente da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). “Não sobra
tempo para nada e atividades como ler um livro, jornal e revistas se
tornam raras. É contraproducente para a escola.”
Para ele, o professor deveria ter uma jornada que desse espaço para o
preparo de uma boa aula. “No cenário ideal, não deveria ser necessário
fazer malabarismos entre redes. A implementação da jornada do piso, que
está na lei, já seria um começo”, diz Leão (para ler sobre a aprovação
de um parecer sobre a jornada, clique aqui). “O cansaço é outro fator.
Mais exausto, o professor tem pouca disposição para se atualizar e
investir em formação continuada.”
A solução, segundo Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro
de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
(Cenpec), seria o fortalecimento de um regime de colaboração entre as
escolas de um mesmo território, para que os professores dessem aula em
unidades próximas. “Isso evitaria transtornos como o deslocamento, por
exemplo”, afirma.
Vínculo
Escolas com equipes estáveis costumam ser benéficas para os
professores, diretores, coordenadores e, principalmente, para os alunos,
uma vez que é possível construir trabalhos em grupos com outros
docentes e aperfeiçoar metodologias. Para pesquisadores da área, quanto
mais tempo e convivência o educador tem com os alunos, melhor ele
apreende o perfil deles e também da comunidade onde a escola está
inserida.
“Na Educação Infantil, obviamente, e no Ensino Fundamental, é
extremamente importante que se crie um vínculo entre o professor e os
alunos. No início da escolarização, ele é a ponte entre a criança e o
conhecimento, porque vai descortinar a relação dela com o estudo”,
explica Cisele Ortiz, coordenadora adjunta no Instituto Avisa Lá,
especializado na formação continuada de professores. “O favorecimento do
aprendizado depende muito de como, de fato, esse professor vai se
dedicar a cada criança.”
Segundo ela, um número muito grande de alunos, em diferentes turmas
de diversas escolas, dificulta que o professor conheça e acompanhe todos
em suas dificuldades. “Detectar o jeito de cada um demanda tempo e
dedicação. Pois é preciso preparar melhor as aulas, pensando no tipo de
didática que funciona melhor de acordo com a dinâmica de cada turma”,
afirma Cisele.
Angela Dannemann, diretora-executiva da Fundação Victor Civita,
acredita que não é necessário que o professor dê aula apenas em uma
unidade. “Não podemos criar um contrassenso. É claro que uma rotina
atribulada afeta a tarefa intelectual do professor, porque ‘pular de
galho em galho’ não contribui para o seu trabalho, que é formar crianças
e jovens”, afirma. “Mas não necessariamente precisamos disso agora. Há
adaptações possíveis. O Ministério da Educação tem feito um grande
esforço com programas como o Pibid (Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência) e o Parfor (Plano Nacional de Formação de
Professores da Educação Básica) para aumentar a qualificação das
licenciaturas.”
Segundo ela, a criação de grupos interdisciplinares nas escolas, que
funcionassem no contraturno e envolvessem docentes de várias
disciplinas, seria uma opção para manter o professor que tem poucas
turmas por conta do currículo fragmentado (caso de sociologia, por
exemplo) por mais tempo na escola.
Colegas
Para Anna Helena, do Cenpec, lecionar em várias unidades de ensino
pode prejudicar o relacionamento do docente com a equipe pedagógica das
escolas. “Fica difícil para os diretores reunirem todos os professores
quando necessário. É um impeditivo para o professor se envolver
plenamente no projeto pedagógico da escola. O trabalho é coletivo. Fica
faltando integração com colegas, em reuniões pedagógicas e no HTPC
(horário de trabalho pedagógico coletivo), por exemplo”, explica.
Apesar de achar ideal que o docente trabalhe apenas em uma escola,
ela reconhece que, no caso do Ensino Fundamental II e principalmente do
Ensino Médio, o currículo extremamente fragmentado, com algumas aulas
ocupando apenas um espaço na grade semanal de cada turma, é um problema
de difícil solução.
“No Fundamental I é mais fácil fixar o professor. Mas no caso dos
anos finais, em aulas como sociologia e artes, o professor dá no máximo
duas aulas para cada classe. Não tem aula para dar a semana toda”,
explica. “Assim, só entra na escola para dar aquelas aulas e pronto. É
como se estivesse de passagem.”
Fonte: Todos Pela Educação.
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