Um quarto de todas as calorias derivadas de alimentos cultivados para
consumo humano se perde ou se desperdiça, seja de forma proposital ou
não, segundo novas estimativas. Agora que a carestia dos alimentos é
considerada algo normal, embora a demanda por estes produtos em todo o
mundo continue aumentando rapidamente, em Washington ativistas e
especialistas em desenvolvimento pedem uma ação nacional e internacional
concertada de uma maneira sem precedentes.
“O mundo enfrentou um fracasso análogo da eficiência nos anos 1970
com a energia”, diz um documento de trabalho elaborado em conjunto pelo
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e o WRI, uma
organização dedicada ao meio ambiente e ao desenvolvimento com sede em
Washington. O estudo mostra que a combinação de preços recordes e
demanda crescente de petróleo fez com que o mundo travasse uma guerra
pela eficiência energética, e que algo semelhante ocorrerá com os
alimentos.
Também estima que a quantidade de terra usada para cultivar estes
alimentos que são desperdiçados equivale à superfície do México e
consome 28 milhões de toneladas de fertilizantes. Porém, os motivos
deste desperdício de recursos são muito diversos, e vão desde a
ineficiência no armazenamento nas propriedades rurais e durante o
transporte para os mercados, até a confusão dos consumidores sobre o que
fazer com os alimentos considerados “velhos”.
As novas conclusões coincidem com a divulgação de estatísticas
surpreendentes sobre o alcance da fome no mundo. Segundo uma série de
estudos divulgados no dia 6, na revista médica britânica The Lancet,
a desnutrição responde por cerca de 45% de todas as mortes de menores
de cinco anos, muito mais do que a proporção de aproximadamente um terço
que se acreditava antes.
“Em boa parte, o alcance deste desperdício de alimentos é um fracasso
da tecnologia. Por exemplo, na África há agricultores que ainda não têm
eletricidade para armazenagem a frio”, disse à IPS Craig Hanson,
coautor do documento de trabalho do WRI. “Por um lado, podemos dizer que
há muitas maneiras de baixar custos em que os doadores podem ajudar.
Porém, também temos que reconhecer que a pesquisa agrícola sobre
assuntos posteriores à colheita é diminuta, de apenas 5% dos
investimentos totais. Esse é um grande desequilíbrio”, acrescentou.
Hanson disse que embora os doadores e filantropos possam duplicar
esse número, chegando a apenas 10% de todos os investimentos agrícolas,
“se obterá um ganho enorme nas calorias disponíveis para a população”.
Em vista disso, os níveis de desperdício de alimentos parecem ser
amplamente semelhantes entre os países industrializados e os que estão
em desenvolvimento. Cerca de 56% do desperdício total ocorre nas nações
ricas e aproximadamente 44% nos países pobres.
Na verdade, a Ásia meridional e do sudeste respondem por quase um
quarto de todo o desperdício mundial de alimentos, enquanto os países da
parte industrial do continente são responsáveis por outros 28%. De todo
modo, esses números escondem discrepâncias muito maiores por pessoa,
particularmente em relação à América do Norte. O governo dos Estados
Unidos, por exemplo, estima que o país só desperdiça cerca de 40% de seu
fornecimento de alimentos.
A maioria das regiões do mundo desperdiça entre 400 mil (Ásia
meridional e sudeste asiático) e 750 mil calorias (Europa) por pessoa a
cada dia, segundo o novo estudo. Entretanto, na América do Norte esse
número dispara para mais de 1,5 milhão, com base em estatísticas de
2011. Segundo os atuais padrões internacionais, um adulto ativo
necessita de 2.200 a três mil calorias diárias.
“As grandes deficiências sugerem grandes oportunidades de economia”,
afirma o documento. “Reduzir a perda e o desperdício de alimentos pode
ser uma das principais estratégias mundiais para conseguir um futuro
alimentar sustentável”. Naturalmente, o fantasma que paira sobre este
assunto são os cerca de dez bilhões de habitantes que o planeta terá até
2050, e os 60% a mais de calorias que se estima serão necessárias para
alimentá-los, tomando por base os níveis de 2006.
A simples redução pela metade do atual desperdício de alimentos até
2050 permitirá evitar cerca de 22% dessa escassez projetada, segundo o
estudo. De todo modo, a culpa parece recair sobre produtores,
transportadores e consumidores, responsabilizados por 35% de todo o
desperdício de alimentos. Para especialistas, estas características
abrem importantes oportunidades para realizar campanhas dirigidas às
mulheres, que em todo o mundo são as principais responsáveis pela tomada
de decisões relativas à agricultura e à família.
“As mulheres produzem, processam, cozinham e distribuem alimentos,
por isso ajudá-las a encontrar maneiras de reduzir o desperdício e a
perda de alimentos no campo, no armazenamento, no plano do consumidor e
em casa é fundamental”, disse Danielle Nierenberg, cofundadora do grupo
de especialistas Food Tank, à IPS. “Quanto mais acesso elas tiverem a
recursos, educação e infraestrutura, mais poderão prevenir perdas e
desperdícios, o que não beneficiará apenas suas famílias, mas também sua
renda e o meio ambiente”, afirmou.
Nos Estados Unidos, o desperdício de alimentos aumentou 50% nas
quatro últimas décadas. No dia 4, as principais agências de meio
ambiente e agricultura do país anunciaram uma importante iniciativa que
busca educar consumidores e empresas sobre a escala que alcança o
problema do desperdício de alimentos em seu território. A União Europeia
foi mais longe, fixando o objetivo de reduzir esse desperdício pela
metade até 2020, o que é muito otimista (falta cada país do bloco
calcular como implantá-lo) mas, segundo Hanson, as empresas europeias
expressaram um significativo entusiasmo a respeito.
“As metas conseguem coisas surpreendentes”, observou Hanson. “A atual
conscientização é o primeiro passo. Penso que ainda devemos chegar a
que uma grande quantidade de pessoas se deem conta de que temos um
problema real. Porém, o próximo passo terá de ser fixar uma meta, que,
mesmo sendo voluntária, não deixa de ser um bom começo”, opinou.
Com a recente publicação de um informe por parte de um painel
designado pela Organização das Nações Unidas (ONU), os debates sobre a
próxima fase dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio agora ganham
uma forma concreta. Uma das metas propostas no documento incluirá
reduzir “a perda e o desperdício pós-colheita” em certa porcentagem, que
ainda deve ser acordada. Hanson sugeriu 50% para esse objetivo.
Hanson e seus colegas também pediram um protocolo internacional que
ofereça uma metodologia padrão para que países e empresas de todo o
mundo determinem quanto alimento desperdiçam e aonde. “Creio firmemente
na ideia de que o que se pode medir pode ser abordado”, argumentou. “Com
a perda e o desperdício de alimentos agora tem que ocorrer o mesmo que
vimos em relação à mudança climática e às emissões contaminantes há uma
década. Não começaremos a manejar isto enquanto não soubermos o quanto e
onde estamos perdendo”, ressaltou.
Fonte: Envolverde/IPS
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