Ampliação da Educação Infantil e investimento de 10% do PIB são vitórias do Plano Nacional de Educação (PNE)
Após quase quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, o Plano
Nacional de Educação (PNE) foi sancionado sem vetos pela presidenta
Dilma Rousseff, nessa quinta-feira (26). Entre as 20 metas do documento,
que deverá direcionar as políticas públicas no próximo decênio, estão a
erradicação do analfabetismo, o incentivo à formação de professores, a
ampliação na oferta de Educação Integral e Infantil, além do aumento
gradativo da destinação de 5,3% para 10% do PIB no ensino público– sem
dúvida, a meta mais comemorada.
A conquista do investimento, porém, veio com o gosto amargo de ter
que dividi-lo com instituições privadas, principalmente de ensino
superior, por meio do financiamento de programas como o Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies), o Ciência sem Fronteiras, o
Universidade para Todos (ProUni) e com as creches conveniadas.
A decisão é criticada por professores, estudantes e entidades
educacionais. “É uma clara inflexão ao princípio posto na Constituição
de dinheiro público para a escola pública. O setor privado sempre tende a
selecionar seus alunos, e quanto mais segmentado um sistema escolar,
mais difícil e caro é resolver seus problemas. A educação na Finlândia é
boa porque todo mundo vai para a escola pública e os professores são
escolhidos entre os melhores alunos do Ensino Médio”, afirma José
Marcelino de Rezende, professor da USP e presidente da Associação
Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).
Para Salomão Ximenes, da ONG Ação Educativa, a inclusão dos programas
coloca em risco o cumprimento das próprias metas do PNE. “Com essa
mudança, haverá prejuízos para a realização das metas que requerem
investimento direto do Estado, por exemplo, a ampliação de vagas na
Educação Infantil e Integral, no Ensino Superior público e na Educação
de Jovens e Adultos.” Outra preocupação é a falta de qualidade dos
cursos. “Os estabelecimentos privados de Ensino Superior atendem aos
interesses únicos dos empresários e não aos do aparato pedagógico. Logo,
o que o Brasil está fazendo é financiar matrículas privadas de baixa
qualidade simplesmente para dar conta de uma meta”, critica Daniel Cara,
coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Na opinião do relator do projeto, o deputado Angelo Vanhoni (PT-PR),
merecem destaque as diretrizes voltadas para a ampliação e consolidação
da oferta pública de Educação Infantil. “Trata-se de uma realidade ainda
muito recente no Brasil. Nos países desenvolvidos a Educação Infantil
já é garantida há pelo menos 40 anos. Se queremos melhorar nossa
educação, devemos investir em sua base”, diz.
A relevância das metas ligadas à valorização do magistério também é
destacada por Rezende: “Precisamos fazer uma revolução na carreira
docente, levando o salário médio do professor para algo próximo de 4 mil
reais. Só assim podemos atrair e manter bons professores, condição
essencial para a qualidade”.
Segundo os especialistas, o texto aprovado pelo plenário traz avanços
em relação à proposta original enviada ao Congresso em dezembro de 2010
e ao projeto que deixou o Senado no final de 2013, embora tenha sofrido
alguns reveses. “É claro que nós queríamos que o plano tivesse chegado
ao Congresso condizente com as deliberações da Conferência Nacional de
Educação (Conae), o que não aconteceu. A gente se sentiu enganado porque
este era o acordo feito. Mas hoje, sem dúvida, o plano está mais
próximo disso”, afirma Cara. Um dos avanços refere-se à incorporação do
Custo Aluno Qualidade (CAQ), um valor mínimo a ser investido por aluno
para se garantir qualidade na educação.
Para Cara, a morosidade no processo de aprovação era esperada.
“Nenhuma lei dessa envergadura tramita mais rápido do que quatro anos. O
principal problema foi o atraso no envio do texto pelo governo
federal”. O último PNE esteve em vigência entre 2001 e 2010. Com o
atraso na elaboração e no envio do novo projeto, o País passou os
últimos quatros anos sem um planejamento público educacional, enquanto
política de Estado, em uma total dependência de planos de governo,
principalmente o federal.
A longa discussão em torno do PNE trouxe à tona mais uma vez, a
exemplo do cancelamento dos kits que discutiam homofobia na escola (em
2011), a influência da bancada religiosa na educação e o consequente
retrocesso do pensamento conservador em relação às questões de gênero.
Questionado pelos parlamentares desse setor, o trecho que mencionava
promover a igualdade de gênero, raça e orientação sexual dentro da
escola passou a figurar como “erradicação de todas as formas de
discriminação”.
A alteração, aparentemente sutil, foi criticada por diversos da
sociedade civil que esperavam uma sinalização mais clara do PNE sobre a
necessidade de reconhecimento dessas dimensões de discriminação na
escola. “O trecho aprovado peca por ser genérico, mas não significa uma
derrota.
Porque dentro dessa generalidade, os movimentos sociais ainda
podem lutar por políticas públicas específicas. Mas a modificação foi
uma vitória simbólica dos setores mais conservadores da Igreja Católica e
das igrejas protestantes, pois deixou claro que eles têm maioria no
Congresso Nacional”, resigna-se Cara. O relator Vanhoni também lamenta o
retrocesso. “A sociedade brasileira ainda é marcada por profundos
preconceitos. O País precisa dar um salto civilizatório ao apontar essas
discriminações, sobretudo na escola, ambiente de consolidação e
construção de novos valores”.
Fonte: Carta Fundamental.
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