quinta-feira, 19 de junho de 2014

A produtividade no ensino: avaliar ou contar?


Como seria possível produzir uma avaliação sobre educação e sua sistematização, direcionados à comunidade, partindo do pressuposto de sua função social?

Partirei de uma premissa básica: a educação como um todo – da doméstica à superior – cumpre uma função social. Por função social pretendo significar simplesmente o desempenho de um papel constitutivo para uma forma de vida em sociedade. Meu ponto de partida é, portanto, que o processo educativo desempenha um papel fundamental – essencial, se quiserem, num não-técnico do termo – no desenho, na perpetuação e na transformação da vida em comunidades humanas.

Essa definição permite, penso, avançar mais dois passos: 1. A educação deve ser pensada a partir de uma concepção determinada de vida em sociedade; 2. Quem trabalha com educação ou sobre ela reflete tem um dever de responsabilidade para com uma comunidade. A noção de responsabilidade é aqui usada em seu sentido mais básico, etimológico, no sentido de capacidade (ou obrigação) de dar uma resposta.

A questão que quero discutir aqui é extraída deste segundo ponto: que tipo de resposta? Como seria possível produzir um discurso sobre educação e sua sistematização direcionados à comunidade e, além disso, levar em conta nessa produção de discurso a concepção de responsabilidade que sugere a vida em sociedade?

Trata-se de diagnosticar a situação global e específica das instituições educacionais para operar mudanças que melhorem o atendimento às necessidades que lhe são impostas pela tal função social. Trata-se, em outras palavras, de avaliar a educação.

Vimos um sistema de avaliação predominantemente aritmético e quantitativo: uma vez resolvida a questão de quais dados são relevantes, basta contar os pontos para responder à questão da qua-lidade, numa proporção direta – quanto mais pontos, maior a qualidade, automaticamente.

As críticas ao sistema quantitativo são recorrentes e vão no sentido de afirmar que a realidade educacional é complexa demais para se reduzir a números, que uma vez compreendidos os me-canismos são facilmente manipuláveis e burláveis e que critérios quantitativos provocam graves distorções nas práticas educacionais – passando estas a serem direcionadas exclusivamente para a satisfação dos referidos critérios e perdendo de vista os objetivos e finalidades que realmente importam.

Em oposição à quantificação e ao decorrente produtivismo em série, esses críticos apresentam apenas a negação: faz-se necessário resistir, não se curvar aos imperativos numéricos e rejeitar por completo este sistema de avaliação. Não passam, no entanto, do imobilismo. Não há – até onde consigo enxergar, pelo menos – propostas positivas de alternativas de avaliação, e a crítica estrutural ao sistema vigente bate de cara na aporia relativista, ou seja, na impossibilidade de qualquer forma de avaliação.

O problema desse tipo de raciocínio, parece-me, está na associação necessária entre avaliar e quantificar. Ao dizer que rejeitar a quantificação implica a impossibilidade de avaliação, há uma identificação implícita de que avaliar se resume a quantificar. Não seria possível, portanto, uma operação sem a outra (“não dá para avaliar sem quantificar”) e, mais grave, não é possível uma para além da outra (“avaliar é apenas e tão somente quantificar”).

De minha parte, faço coro às críticas à avaliação educacional exclusivamente quantitativa, concordando com os três argumentos que apresentei três parágrafos atrás. O que cobro e sugiro é renunciarmos à negação total e somarmos critérios, na tentativa de dar um pequeno passo à frente. Penso que é necessário manter a base quantitativa, mas qualificá-la, dar-lhe critérios qualitativos.

É importante contar o número de artigos publicados por um departamento e as notas de alunos do país inteiro em exames nacionais de ensino básico, mas não podemos parar nesse ponto. Os da-dos numéricos devem ser analisados para além das cifras, numa reflexão sobre o que os gerou, quais os critérios e metodologias adotados e como essas definições refletem escolhas de priori-dades mais profundas. Caso contrário, permaneceremos reféns da “matemágica estatística”.

Não importa a fórmula encontrada, sempre haverá problemas e imperfeições – simplesmente porque não temos à disposição fórmulas mágicas para nenhum aspecto da vida em sociedade. Reavaliar e adaptar me parecem imperativos mais satisfatórios do que adotar uma postura de ne-gação geral e radical. Prefiro pequenos passos à frente a gigantescos passos para o lado.

 Rafael Barros é formado em Direito pela São Francisco/USP e está no segundo ano de Filosofia na FFLCH/USP.
Fonte: Carta Maior.


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