O que fazer quando uma criança acorda doente? Se você mora nas
regiões periféricas de São Paulo, a resposta provavelmente será “levar
para a escola”.
Trata-se de uma prática comum nas áreas vulneráveis da capital
paulista. Em vez de encaminhar a criança ou o jovem para uma Unidade
Básica de Saúde (UBS) ou um hospital, os responsáveis – como se fosse um
dia normal – a levam para a escola, onde será feita a ponte com o
sistema de saúde público, garantindo assim um atendimento mais rápido.
“Devido à distribuição desigual de equipamentos sociais, a escola
está isolada nesses territórios”, assegura o professor e coordenador de
pesquisas do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e
Ação Comunitária), Antônio Augusto Gomes Batista. “Nessas escolas,
professores e diretores têm tarefas que vão muito além da educação.”
Como exemplo, ele cita as cheias recorrentes no Jardim Pantanal, na
zona leste da cidade. “Quando chove e vem a enchente, a escola é
totalmente ocupada pela população do entorno”, relata. Ele lembra que
essa invasão do espaço escolar pelos problemas da comunidade acontece
quase diariamente. “Isso impede que ela faça o que deveria: transmitir
conhecimento.”
Educação infantil
Batista é um dos responsáveis pela pesquisa Desigualdades socioespaciais e concorrência entre professores por escolas, promovida pelo Cenpec e apresentada na última sexta-feira (13/6) durante o Seminário Desigualdade e Educação,
realizado na Faculdade de Educação da USP. O trabalho analisa como, em
São Paulo, as desigualdades entre os territórios impactam a educação
ofertada por escolas públicas.
A começar pela educação infantil, já que são raras as creches
paulistanas nas áreas de alta vulnerabilidade social, consideradas pela
pesquisa de acordo com o IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade
Social). “A creche é sem dúvida um preditor importante do sucesso das
crianças na alfabetização e no Ensino Fundamental. Sem essa experiência,
o mundo da escola se torna muito novo e desconhecido para crianças de
quatro ou cinco anos, ainda mais quando seus grupos familiares também
estão pouco acostumados a ela”, afirma Batista.
Corpo discente
A pesquisa sustenta também que, em seu processo de seleção de
matrículas, as escolas situadas nessas áreas competem por alunos
considerados disciplinados e “calminhos”. “Muitas escolas não querem
filhos de famílias desestruturadas.”
O pesquisador ainda cita situações onde ocorrem expulsões veladas de
estudantes problemáticos, os chamados “alunos impossíveis”. “Há uma
evidente depuração do corpo discente, fazendo crer que há mais
preocupação com a disciplina do que com resultados de aprendizagem”,
analisa Batista.
Ascensão horizontal
Além da seleção de alunos, a pesquisa estudou também a competição
entre as escolas na escolha de docentes. Nos territórios de
vulnerabilidade alta, existe dificuldade para reter esses profissionais,
gerando uma grande rotatividade de professores, coordenadores e até
mesmo diretores. “Nossa hipótese era de que o bom funcionamento de
algumas escolas depende do mau funcionamento de outras – não
necessariamente [ligado] à má gestão, mas à perda de recursos humanos,
como alunos e professores”, pontua.
Para descobrir se as desigualdades socioespaciais pesavam nas
escolhas dos profissionais da educação, foram estudados os concursos de
remoção (prestados pelos docentes que desejam transferência escolar) de
2005 a 2011, em 23 escolas municipais de São Miguel Paulista. O
resultado mostrou que, nesse período, o bairro – onde 20% da população
vive em áreas de alta vulnerabilidade social – perdeu 72 professores
para escolas localizadas em áreas mais centrais da cidade.
É o que Batista chama de ascensão horizontal. Diferentemente da
vertical, quando um professor pode se tornar coordenador, diretor e
supervisor, a ascensão horizontal acontece quando um docente deixa
escolas em ambientes vulneráveis para trabalhar em lugares com menor
índice de problemas externos. “Desse modo, o professor sai de uma escola
difícil, onde trabalhava de maneira desgastante e atendia ‘alunos
impossíveis’, e muda-se para um ambiente mais estruturado.”
Alocação de docentes
De acordo com o pesquisador, o trabalho tem a intenção de romper esse
ciclo vicioso, onde a própria vulnerabilidade do território se torna um
elemento produtor de desigualdade. “Essa pesquisa pode avançar no
debate sobre políticas de alocação de docentes em escolas e dos
incentivos que professores que trabalham em áreas mais vulneráveis
precisam receber para que sejam nela fixados e criem uma identidade com o
ambiente escolar.”
Fonte:Portal Aprendiz.
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