No Terra de Direitos
Vanderlei
Matos da Silva trabalhava na empresa multinacional Del Monte Fresch
Produce Brasil LTDA (Del Monte), uma das maiores empresas de produção e
comercialização de frutas do mundo. Iniciando seu contrato em abril de
2005, o trabalhador tinha como função, auxiliar no preparo da solução de
agrotóxicos utilizado para ser borrifado sobre a lavoura de
fruticultura da empresa Del Monte. Vanderlei residia na comunidade de
Cidade Alta, no município de Limoeiro do Norte, cerca de 200 km de
Fortaleza/CE. Esse município está localizado na Chapada do Apodi,
atualmente marcada pela presença de grandes empresas do agronegócio
produtoras de frutas para exportação. É nessa região, abastecida pelo
Rio Jaguaribe e o aquífero Jandaíra, que a empresa Del Monte estruturou
suas fazendas.
A partir de julho de 2008, o trabalhador passou a
sentir fortes dores de cabeça, febre, falta de apetite, olhos amarelados
e inchaço no abdômen. Em agosto do mesmo ano esses sintomas se
agravaram, obrigando o empregado a se afastar do serviço. Em 30 de
novembro, menos de três meses após o agravamento de suas condições de
saúde, veio a falecer com diagnóstico de Insuficiência Renal Aguda,
Hemorragia Digestiva Alta e Insuficiência Hepática Aguda.
Embora a Empresa realizasse exames de saúde semestrais, o resultado desses exames nunca chegou às mãos do ex-empregado
ou de sua companheira, contrariando o art. 168, § 5° da Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT). Durante o período em que trabalhou a Del
Monte cometeu diversas irregularidades e ilegalidades: trabalhava sob
jornada exaustiva, pois além das oito horas diárias, a qual se alternava
entre os períodos noturno e diurno, eram necessárias pelo menos duas
horas para se locomover até o local de trabalho; seu horário de trabalho
não era fixo, dependendo da demanda da produção, concluía a jornada às
2h30 da manhã, outras vezes às 6h.
Depois da trágica perda, a viúva de Vanderlei ingressou com ação na Justiça do Trabalho (Reclamação Trabalhista nº 0129000-52.2009.5.07.0023,
que tramita na Justiça do Trabalho em Limoeiro do Norte, Ceará). Nessa
ação se pede que Justiça condene a Del Monte: 1. Ao pagamento de horas
extras; 2. Ao pagamento das horas de trajeto (horas in intinere),
ou seja, o tempo de deslocamento do trabalhador de casa para a empresa,
prevista na legislação trabalhista; 3. Que o reflexo dessas horas sobre
as verbas trabalhistas; 4. À indenização por danos materiais e morais,
causados pela morte do trabalhador.
Além da questão das horas
extras, que são parte do contexto das jornadas exaustivas dos
trabalhadores da fruticultura, a discussão fundamental é sobre a relação
(nexo de causalidade) entre o trabalho exposto ao contato com
agrotóxicos e a morte do empregado.
Após um longo processo –
quase cinco anos – a Justiça do Trabalho de Limoeiro do Norte condenou a
empresa Del Monte ao pagamento das horas extras e verbas trabalhistas
devidas, além de indenização pelos danos morais e patrimoniais. Os
valores podem ultrapassar R$ 350 mil. Dessa decisão, a Del Monte
apresentou recurso que aguarda julgamento pelo Tribunal Regional do
Trabalho da 7ª Região, localizado em Fortaleza.
A longa luta por justiça…
A
ação foi iniciada em maio de 2009, mas apenas em agosto de 2013 se tem
decisão em primeira instância. Em parte, a demora do processo se deve a
uma longa investigação do Ministério Público do Trabalho sobre a morte
do trabalhador. Esse procedimento (Inquérito Civil nº 000379.2009.07.003/4)
foi muito importante para que se chegasse a conclusões sobre a relação
entre o trabalho com agrotóxicos e a morte do empregado.
Além
disso, a Procuradoria do Trabalho e os advogados/as da viúva do
trabalhador se valeram de diversas pesquisas, principalmente as que
integram o “Estudo epidemiológico da população da Região do Baixo
Jaguaribe exposta à contaminação ambiental em área de uso de
agrotóxicos”. Esse estudo foi produzido pelo Núcleo Tramas (Trabalho,
Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade), ligado ao Departamento de
Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do
Ceará, coordenado pela professora Dra. Raquel Maria Rigotto, que também
contou com o apoio de dezenas de pesquisadores de diversas instituições
acadêmicas e governamentais.
A decisão proferida condenou a Del
Monte a diversas obrigações, representando uma significativa vitória
para os trabalhadores rurais submetidos ao contato com agrotóxicos em
grandes empresas do agronegócio de frutas. Porém, a Justiça Brasileira
ainda está muito aquém das expectativas de celeridade. A longa espera
por decisões judicias gera, em si, um profundo sentimento de injustiça.
A decisão: um importante precedente para os/as trabalhadores/as de empresas de fruticultura
A
decisão da Justiça do Trabalho pode ser divida em duas partes. A
primeira trata de horas extras e de trajeto (deslocamento casa-trabalho,
em locais de difícil acesso ou desassistida de transporte público).
Nessa questão, a empresa é obrigada a reconhecer mais duas horas extras
trabalhadas diariamente, já que o empregado trabalhava revezando seus
turnos ininterruptamente. Além disso, adicionou-se a jornada mais três
horas e 30 minutos, que era o tempo gasto diariamente no trajeto de casa
para trabalho. Essa situação é vivida por milhares de trabalhadores do
agronegócio.
A segunda questão foi o reconhecimento que a morte
do trabalhador foi motivada pelo ambiente de trabalho, ou seja, pelo
contato com os agrotóxicos. Essa relação de causalidade obrigou a Del
Monte ao pagamento de danos materiais (correspondente a pensão mensal no
valor equivalente a 2/3 daquilo que o obreiro falecido receberia a
título de salário mínimo, até a data presumida de expectativa de vida,
no caso 72 anos. Estabeleceu-se ainda danos morais no montante de R$ 100
mil.
A empresa Del Monte interpôs Recurso Ordinário e aguarda julgamento pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, no Ceará.
O (mal) exemplo da Del Monte
A empresa Del Monte, afirma em seu recurso:
“Da
função social da DEL MONTE: DEL MONTE representa uma força
socioeconômica-financeira determinada, sendo uma grande fonte geradora
de empregos, riquezas e impostos, que influencia, de forma decisiva, o
desenvolvimento da região em que se encontra, sendo certo a partir dela
se constroem relações de sobrevivência.” (…) Com a implantação da mão de
obra assalariada permanente, a empresa pôde proporcionar aos diversos
trabalhadores da região além de novas condições de trabalho, profundas
mudanças nas condições e qualidade de vida tanto do trabalhador como de
sua família. (…) A DEL MONTE tem consciência de que uma visão da
propriedade como um direito absoluto não favorece o desenvolvimento da
sociedade, ao contrário, cria abismos sociais e gera conflitos, por essa
razão, conduz seus negócios em atenção à legislação vigente, pautando
pela ética, colaborando com a comunidade e cumprindo a sua função social.”
Seria cômico, se não fosse trágico.
A
Del Monte, com mais três empresas, controlam o mercado de produção de
bananas do mundo e, sozinha, é considerada a maior produtora e
comercializadora de frutas do planeta.
Esse poder econômico e
político – de controlar o comércio de alimentos no mundo – se vale da
exploração da força de trabalho e dos recursos naturais de países como o
Brasil. Além do uso extensivo da mão-de-obra (que é remunerada a baixos
salários), o uso extensivo de agrotóxicos (por exemplo, com uso da
pulverização aérea) deixa um rastro de graves doenças, como câncer,
arcado pelo sistema público de saúde.
O “Estudo epidemiológico da
população da Região do Baixo Jaguaribe exposta à contaminação ambiental
em área de uso de agrotóxicos”, coordenado pela Profa. Dra. Raquel
Maria Rigotto, aponta algumas consequências do agronegócio de
fruticultura:
“1. O aumento em 100% dos agrotóxicos
consumidos no Ceará entre 2005 e 2009, e de 963,3% dos ingredientes
ativos de agrotóxicos comercializados no estado no mesmo período;
2. O consumo elevado da água nos cultivos;
3. A contaminação por agrotóxicos da água disponibilizada para consumo humano e das águas subterrâneas;
4.
O lançamento pela pulverização aérea de cerca de 4.425.000 litros de
calda contendo venenos extremamente tóxicos, altamente persistentes no
ambiente e muito perigosos, no entorno de comunidades da Chapada do
Apodi;
5. A exposição diária de trabalhadores do
agronegócio a elevados volumes de caldas tóxicas – que inclusive já
resultou em pelo menos um óbito e na identificação de alterações na
função hepática de significativo contingente de trabalhadores
examinados;
6. A constatação de que os agricultores no
Ceará têm até seis vezes mais câncer do que os não agricultores, em pelo
menos 15 das 23 localizações anatômicas estudadas;
7. A
elevada vulnerabilidade da população, relacionada às irregularidades
fundiárias, à precariedade das condições de trabalho nas empresas, à
limitadas informação e assistência técnica aos pequenos produtores, às
situações de ameaças e violência contra a organização comunitária e
sindical, à ausência ou fragilidade de políticas públicas que fortaleçam
a agricultura familiar e camponesa, bem como outras alternativas de
trabalho e renda”.
Além disso, as greves ocorridas nos anos
de 2008 e 2012 na Del Monte, nas fazendas da região da Chapada do Apodi,
no Ceará, apresentaram, por meio das reivindicações trabalhistas
respaldadas pela Procuradoria Regional e pela Justiça do Trabalho, as
péssimas condições à que estão submetidos os empregados dessa empresa.
Inclusive, fora ajuizada Ação Civil Pública em face da Del Monte, na
qual exige que normas relativas à saúde e à segurança do trabalhador
sejam tomadas. Na ação, o MPT requer multa pecuniária de R$ 5 mil por
obrigação descumprida e R$ 3 mil por trabalhador encontrado em situação
irregular, além da condenação da empresa ao pagamento da quantia de R$ 1
milhão a título de indenização pelo dano moral coletivo causado pela
conduta da empresa.
Seria esta a “função social” da empresa que é
considerada a maior produtora e comercializadora de frutas do mundo
para municípios do semiárido brasileiro e seus empregados?
Próximos passos
A
morte de Vanderlei Matos da Silva não pode ser em vão. Quantos
trabalhadores e trabalhadoras passaram por essas situações? Quantos
possuem (ou ainda irão desenvolver) doenças relacionadas ao trabalho com
agrotóxicos? E os alimentos que comemos diariamente, como são
produzidos e a que custos?
Essa luta por justiça deve gerar
argumentos, precedentes exemplares e estudos, mas principalmente motivar
resistências e ações da sociedade, principalmente dos trabalhadores/as
submetidos a essas condições.
Nas próximas semanas deve ocorrer o julgamento do recurso da Del Monte, quando se espera que se mantenham as condenações.
Esse
processo, juntamente com outros, deve ser mais um grito no clamor por
justiça. O Judiciário e sociedade brasileira não deve mais aceitar que o
país seja um depositário de venenos das grandes empresas. É preciso que
se produzam alimentos saudáveis e de forma saudável, sob pena de casos
trágicos como esse se tornarem uma brutal rotina, não apenas dos
empregados do agronegócio, mas de toda sociedade que consome esses
alimentos envenenados.
Fonte: Brasil de fato
CEPRO – Um
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