É atávica e ancestral a rejeição que temos ao lixo e aos excrementos.
Uma herança do reino animal, onde o instinto de sobrevivência parece
soar um alarme toda vez que nos aproximamos de algo que ameaça nossa
saúde e integridade.
É natural que seja assim.
Ainda que tantos seres humanos ainda vivam perigosamente em áreas
saturadas de lixo e esgoto – não por opção, que fique claro – esta é uma
aberração que afronta a civilização e deveria constranger os
governantes.
A paralisação dos garis no Rio de Janeiro durante o carnaval expõe
várias questões que extrapolam a tumultuada negociação por melhores
salários de uma categoria historicamente mal remunerada e alvo de
preconceitos em todo o país.
Pode-se dizer que o não recolhimento dos resíduos por alguns poucos
dias na segunda maior cidade do Brasil inspira várias reflexões
importantes e oportunas para todos nós
Será que apenas os garis têm a nobre função de zelar pela limpeza
pública? De que maneira tanto lixo foi parar nas ruas? Qual a nossa
responsabilidade nessa história?
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, regulamentada em 2010 e com
plena implementação prevista para este ano, estabelece que essa
responsabilidade é compartilhada, ou seja, começa com a indústria que
gera o produto (no caso do carnaval, boa parte dos resíduos encontrada
nas ruas foi de material de propaganda, embalagens e latinhas dos
patrocinadores do evento), alcança o varejista que comercializa o
produto, o consumidor que faz uso do produto e a Prefeitura (a quem cabe
institucionalmente a função de organizar as rotinas da
coleta/transporte e destinação final do lixo). Em resumo: o gari é
fundamental, mas não está sozinho nessa história.
Já reparou que greve de gari costuma durar menos do que as
paralisações de médicos, professores e outras categorias profissionais? A
razão é simples: ninguém suporta tanto lixo acumulado nas ruas. O nível
de impaciência é proporcional ao desconforto causado pelos fortes
odores, pelo volume de moscas, baratas e ratos, e materiais de
diferentes tamanhos e consistências espalhados pelo vento ou pela chuva.
Infelizmente, é forçoso reconhecer que só quando os garis cruzam os
braços a cidade se dá conta compulsoriamente do espetacular volume de
lixo que gera todos os dias. Tangibiliza-se o que parecia invisível.
Valoriza-se o que parecia desimportante. Enquanto o lixo é coletado e
levado para longe, todos nos refugiamos nos efeitos inebriantes de uma
cidade onde a montanha de resíduos (no caso do Rio de Janeiro são
aproximadamente 10 mil toneladas de lixo por dia) não é uma questão
relevante. Quando interrompe-se a coleta (pelo motivo que for) aquele
alarme ancestral soa alto o suficiente para gerar imensa repulsa. Para
uma cidade como o Rio de Janeiro onde tantos ainda jogam lixo
displicentemente nas ruas, onde o desperdício de materiais é acintoso,
onde a taxa de coleta seletiva é medíocre, onde o consumismo é voraz, a
percepção do resultado de tudo isso é (ou deveria ser) pedagógica.
André Trigueiro é jornalista com pós-graduação
em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina
geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo
Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço
na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um
dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e
Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro,
pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor
chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também
comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de
Janeiro.
Fonte: Mundo Sustentável.
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em Rio das Ostras.
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