As maiores inundações das últimas décadas em Rondônia, principalmente
em Porto Velho, por causa do Rio Madeira e das hidrelétricas nele
construídas, segundo muitos especialistas; as enchentes no Acre e o
bloqueio de rodovias abertas há décadas; a polêmica sobre deficiências
no estudo de impacto ambiental no Rio Madeira – tudo isso trouxe a
Amazônia de volta ao centro de discussões, em que se envolveu até a
presidente da República.
Na questão do Rio Madeira, segundo técnicos, o problema da
contribuição das hidrelétricas para as enchentes calamitosas se deve a
que seu estudo de impacto ambiental (EIA) não levou em consideração os
aumentos dos fluxos de água vertida pelos reservatórios, vindos para o
Brasil em decorrência do derretimento de gelos nos Andes – fenômeno
observado há décadas pelos cientistas da área do clima. Mas a presidente
da República criticou a visão dos técnicos.
O debate logo se ampliou para toda a questão de hidrelétricas na
Amazônia, já que estão planejadas também usinas para a bacia do Tapajós e
para a área do Rio Teles Pires (igualmente criticadas por técnicos e
ambientalistas). Em meio a tudo, voltou à cena parecer do Ibama, de
2007, que sugerira se dobrasse a área alagável prevista nos projetos do
Madeira e sugerira um EIA-Rima mais abrangente, incluindo a Bolívia.
Também na Amazônia, a Justiça de Rondônia mandou agora rever os estudos
do EIA-Rima de outra usina, Belo Monte. A Fundação Nacional do Índio
lembrou (Estado, 19/3) que, das 31 condicionantes estabelecidas para
essa usina, 22 estão atrasadas ou não saíram do papel – principalmente
as que são de responsabilidade do próprio governo.
Polêmicas sobre hidrelétricas na Amazônia são antigas. Basta lembrar a
que cercou a construção da Usina de Tucuruí, principalmente para
fornecer energia mais barata que a do mercado a empresas fabricantes de
alumínio, que vieram até de outros países. Ou a própria polêmica sobre a
Usina de Belo Monte, em que a construtora se recusa agora a assinar
termos de compromisso para garantir a execução dos projetos de mitigação
de impactos para grupos indígenas.
Outra discussão é a dos impactos decorrentes dos fluxos de migrantes
gerados por projetos como esses – e outros. Agora mesmo, em Porto Velho,
um dos problemas está exatamente na ausência de infraestruturas para
receber esses fluxos, centenas de milhares de pessoas (que já se fixaram
em Porto Velho). Em Tucuruí também foi assim, como já está sendo em
Altamira, por causa de Belo Monte. E já ocorrera em projetos de outras
áreas, como o Jari. Ao todo, há 366 projetos hidrelétricos em oito
países amazônicos, já planejados (soldepandobolivia, 19/3), em
implantação ou em operação.
Usinas não são a única questão na Amazônia. Quem se preocupa em
quantificar os efeitos das migrações de centenas de milhares de pessoas
para áreas beneficiadas por projetos de incentivos fiscais (isenção de
impostos) para indústrias? Que ocorreu em Manaus, por exemplo, onde, por
causa da poluição, grande parte da população que migrou tem de consumir
apenas água subterrânea, embora a cidade seja cercada por rios do porte
do Solimões e do Negro. E em Belém, onde apenas 8% da população dispõe
de coleta de esgotos e estes são despejados nos rios.
Mas nada demove os planejadores oficiais. Não anunciou a própria
presidente o lançamento de edital para a implantação da Hidrovia
Tocantins-Araguaia, que começará pelo derrocamento (remoção de pedras
submersas) do Pedral do Lourenço, com a construção de um canal de calado
mínimo de 3 metros e largura de 145 a 160 metros no Tocantins (Agência
Brasil, 21/3)? Projeto semelhante tem sido defendido para um canal no
Rio Araguaia, mais extenso que o Canal do Panamá, para assegurar um
leito navegável, já que o rio recebe resíduos de erosões que mudam o
leito navegável de lugar de ano para ano (milhões de metros cúbicos
anuais, já medidos por hidrólogos da Universidade Federal de Goiás). Nas
duas obras, quem pagará? Que fará para remover os resíduos conduzidos
pelo rio e os o que forem retirados na implantação?
E não é para
finalidades como as da hidrovia que se está acabando de implantar a
Ferrovia Norte-Sul?
O Brasil precisa de uma estratégia para a Amazônia, que deixe de
considerar a floresta ou os povos que a habitam como “obstáculos” ao
progresso. A floresta é um dos hábitats da biodiversidade brasileira
(pelo menos 15% da planetária), fonte de novos medicamentos, novos
alimentos, novos materiais que substituirão os que se esgotarem. E
vários estudos mostram que áreas indígenas são o melhor caminho para a
conservação dessa biodiversidade, mais eficiente até que parques e áreas
de proteção legalizados. A Floresta Amazônica é também essencial para a
parte brasileira (12%) da água superficial no planeta – alto
privilégio. E para o clima. O mundo continua a perder áreas florestais
-15,5 milhões de hectares por ano, segundo a Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, em 21/3). Mesmo aqui, embora
tenha diminuído bastante o desmatamento, há lugares (Mato Grosso,
principalmente) e períodos em que ele recrudesce.
Também não se pode postergar mais a preparação de projetos
competentes para a área do clima. O Ministério do Meio Ambiente tem dito
que não consegue aplicar R$ 90 milhões com essa destinação, que
poderiam ir para convênios com Estados e municípios, que não os fazem.
Os graves problemas do clima que estamos enfrentando podem repetir-se.
Não podemos fazer da Amazônia um problema – ela deve ser uma solução.
Nem podemos perder a esperança. Há uns 20 anos o autor destas linhas
perguntou a uma jovem nordestina, que carregava um recém-nascido no colo
e migrara para a última fronteira da penetração em Rondônia, se ela e o
marido tinham esperança de enriquecer ali. E ela, serena, respondeu:
“Nós já semo rico de esperança”.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte:O Estado de S. Paulo.
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