Agrotóxicos, metais pesados e substâncias que imitam hormônios
podem estar na água que chega à torneira da sua casa ou na mineral,
vendida em garrafões, restaurantes e supermercados. Saiba por que
nenhuma das duas é totalmente segura
Pesquisar sobre a água não é fácil. Não existem leis ou regras que
definam um critério uniforme para a divulgação de dados. Esperei mais de
15 dias, por exemplo, para receber as análises de qualidade para o
município de São Paulo, segundo as normas da Portaria 2.914/2011, do Ministério da Saúde. Os mesmos resultados para o Rio de Janeiro
estão disponíveis para consulta de qualquer pessoa no site da Companhia
Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), responsável pelo tratamento de
água na cidade. Não se sabe por que uma das concessionárias fornece a
informação publicamente, enquanto a outra não diz nada sobre o assunto.
Depois de muita espera e de uma dezena de e-mails trocados, recebi
quase todas as análises da capital paulista feitas pela Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), encarregada da água e
do saneamento na metrópole. No primeiro envio, porém, faltavam vários
dos parâmetros considerados pela portaria do Ministério da Saúde. Por
quê? Não há como saber. Depois de insistir mais, recebi todos os dados (aqui, aqui, aqui e aqui).
Como primeiro resultado dessa investigação sobre a qualidade da água,
posso dizer que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, dá para beber a água
da torneira sem correr o risco de ser vítima de uma contaminação
microbiológica. Ninguém vai passar mal, nem ter diarreia. É preciso, no
entanto, verificar se a caixa d’água do imóvel está limpa. Tanto em um
prédio como em uma casa, ela precisa ser lavada a cada seis meses. Nos
condomínios, o síndico é o responsável por cuidar da execução do
serviço. Nas residências, o proprietário tem que fazer o trabalho ou
contratar uma empresa para isso. Se a limpeza estiver em dia, tudo bem.
A água usada para abastecimento público passa por um processo de
tratamento e desinfecção mecânico e químico, que elimina toda a poluição
microbiológica (coliformes totais – grupos de bactérias associadas à
decomposição da matéria orgânica – e Escherichia coli). “A água da
torneira é controlada várias vezes por dia, para se ter certeza de que
está sempre dentro dos padrões de qualidade”, afirma Jorge Briard,
diretor de produção de água da Cedae, no Rio. Mas o fato de se poder
beber a água da torneira não quer dizer que o líquido não esteja poluído
– e que não possa causar problemas de saúde no longo prazo.
Regras “adaptadas à realidade brasileira”
Na água do abastecimento público existem vários tipos de poluentes
tóxicos. Estudos científicos associam o consumo de muitos deles ao
aumento da incidência de câncer na população, enquanto outros têm
efeitos ainda pouco conhecidos na saúde. Estão presentes na água que
bebemos substâncias químicas como antimônio, arsênio, bário, cádmio,
chumbo, cianeto, mercúrio, nitratos, triclorobenzeno, diclorometano;
agrotóxicos como atrazina, DDT, trifluralina, endrin e simazina; e
desinfetantes como cloro, alumínio ou amônia.
A portaria do Ministério da Saúde controla os níveis de 15 produtos
químicos inorgânicos (metais pesados), de 15 produtos químicos orgânicos
(solventes), de sete produtos químicos que provêm da desinfecção
domiciliar e de 27 tipos de agrotóxicos presentes na água. Na primeira
norma de potabilidade da água do Brasil, a Portaria 56/1977, havia
apenas 12 tipos de agrotóxicos, 10 produtos químicos inorgânicos (metais
pesados) e nenhum produto químico orgânico (solventes), nem produtos
químicos secundários da desinfecção domiciliar.
A mudança reflete a crescente poluição da indústria, que utiliza
metais pesados e solventes; do setor agrícola, que usa agrotóxicos e
fertilizantes; e de todos nós, que limpamos a casa com cada vez mais
produtos químicos. A assessoria de comunicação do Ministério da Saúde
afirma que as substâncias que hoje estão na Portaria 2.914/2011 foram
escolhidas a partir “dos avanços do conhecimento técnico-científico, das
experiências internacionais e das recomendações da Organização Mundial
da Saúde (OMS, 2004), adaptadas à realidade brasileira”.
O último trecho da resposta do ministério, “adaptadas à realidade
brasileira”, permite entender a diferença entre os agrotóxicos e
contaminantes inorgânicos escolhidos pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) e os listados na portaria brasileira. A OMS inclui um número
muito maior de produtos químicos . Em um dossiê especial sobre
agrotóxicos publicado em 2012, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco) questiona essa discrepância: “Por que monitorar menos de 10%
dos ingredientes ativos oficialmente registrados no país?” O ingrediente
ativo, ou princípio ativo, é uma substância que tem algum tipo de
efeito em organismos vivos.
Um exemplo é a bentazona. Considerada pela OMS como um poluente da
água, a substância não aparece na portaria do Ministério da Saúde. Na
bula de agrotóxicos que a contêm, como o Basagran, a bentazona é
descrita como “um agroquímico da classe toxicológica I – extremamente
tóxico e nocivo por ingestão”.
Como herbicida, é muito usada nas
culturas de soja, arroz, feijão, milho e trigo. E o que isso tem a ver
com a água? Os próprios fabricantes dão a entender que, se for mal
utilizada, a bentazona pode causar efeitos danosos sobre o ambiente
aquático. “[O produto] é perigoso para o meio ambiente por ser altamente
móvel, apresentando alto potencial de deslocamento no solo e podendo
atingir principalmente as águas subterrâneas. Possui ainda a
característica de ser altamente persistente no meio ambiente, ou seja,
de difícil degradação”, diz o texto.
Outro exemplo: um estudo de 2009 sobre a contaminação de mananciais
hídricos, liderado pelo pesquisador Diecson Ruy Orsolin da Silva, da
Universidade Federal de Pelotas, monitorou a ocorrência de agrotóxicos
em águas superficiais de sete regiões do sul do Brasil, associadas ao
cultivo de arroz na safra 2007/2008. De todos os produtos detectados –
clomazona, quincloraque, penoxsulam, imazetapir, imazapique,
carbofurano, 3-hidróxido-carbofurano, fipronil e tebuconazol – somente o
carbofurano é controlado pela portaria. Isso mostra que muitos dos
agrotóxicos utilizados, e que estão presentes nos meios aquáticos no
país, não são fiscalizados pelas empresas de tratamento de água. Elas
não são obrigadas pelo Ministério da Saúde a fazer o controle.
Em São Paulo e no Rio, os níveis dos produtos químicos listados na
portaria estão dentro dos limites permitidos. Na verdade, os valores de
São Paulo são muitos melhores do que os do Rio. Isso é uma boa notícia?
Sim e não. “Os processos de transformação química quebram as moléculas
tóxicas, fazendo com que desapareçam. Essa manipulação da água cria
outros compostos ou resíduos desconhecidos. Ninguém procura por eles e
evidentemente não estão na portaria. Hoje ninguém sabe quais são os
efeitos dessas moléculas”, diz Fabrice Nicolino, jornalista francês
especializado em meio ambiente. Mesmo concentrações muito baixas de
algumas substâncias podem ser perigosas.
A polêmica do alumínio
Como se tiram os poluentes da água? Tudo começa com um processo
chamado coagulação. Nessa fase, são adicionados sulfato de alumínio e
cloreto férrico, para agregar as partículas de sujeira presentes. O uso
do sulfato de alumínio é muito polêmico no mundo todo. Ainda que não
tenha sido provada uma relação direta entre esse produto químico e a
doença de Alzheimer, vários cientistas europeus defendem que ele é
responsável pelo aumento da incidência do problema nas últimas duas
décadas.
Um estudo feito durante oito anos pelo Instituto Nacional Francês de
Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), em Bordeaux, no sul da França,
concluiu que uma forte concentração de alumínio na água, bebida a vida
toda, pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de Alzheimer.
Realizada por um dos centros de maior prestígio da França, a pesquisa
causou – e continua a causar – muito barulho, tanto na imprensa quanto
no mundo científico.
Também teve forte impacto um artigo científico dos pesquisadores
Chris Exley, da Universidade Keele, e Margaret Esiri, da Universidade de
Oxford – ambas no Reino Unido – publicado no Journal of Neurology,
Neurosurgery and Psychiatry em 2006. Quando foi realizada a autópsia de
Carole Cross, que morreu, aos 59 anos, de Alzheimer, observaram-se altas
concentrações de alumínio no seu cérebro. Os autores relacionaram o
achado a um acidente que atingiu a cidade de Camelford, na Inglaterra,
onde Carole vivia em 1988. Na época, 20 toneladas de sulfato de alumínio
foram depositadas por engano nas tubulações de água potável. Os
pesquisadores não relacionam diretamente a presença do metal com a
doença. Sabe-se, contudo, que o alumínio está ligado a alguns tipos de
demência, e que Carole não tinha antecedentes familiares com doenças
semelhantes.
Princípio da precaução
Faz um bom tempo que as empresas responsáveis pelo tratamento da água
conhecem os perigos do alumínio. Em Paris, a substância deixou de ser
usada nesse processo há mais de 20 anos. Adota-se o cloreto férrico. A
prefeitura da capital francesa resolveu fazer a mudança pelo que é
conhecido como princípio da precaução: se existem antecedentes ou
experiências que sugiram um risco, não se espera que a ciência comprove
isso. É melhor prevenir do que lidar com o problema depois.
Quando perguntei à Sabesp e à Cedae se achavam possível parar de usar
o alumínio, a resposta foi clara. “Mas por quê? O produto funciona
muito bem”, disse André Luis Gois Rodrigues, responsável pela qualidade
da água na Sabesp. As duas empresas admitiram conhecer a polêmica. “Nada
foi comprovado. O uso do alumínio é permitido pelo Ministério da Saúde e
também pela OMS. Se um dia for demonstrado que há risco, com certeza
deixaremos de usar”, explicou Jorge Briard, da Cedae. Além de ser
barato, o sulfato de alumínio permite obter uma cor transparente, um
pouquinho azul, bem bonitinha, semelhante à de um rio limpo. Por isso, é
bem prático. Ninguém vai se queixar da cor da água.
Vale lembrar que a água não é a
única fonte de absorção do alumínio no corpo. Atualmente a substância
encontra-se em altas concentrações na comida (nos legumes e
especialmente nos aditivos alimentares, como conservantes, corantes e
estabilizadores), nos cosméticos ou nos utensílios de cozinha. De acordo
com a OMS, um adulto ingere cerca de 5 miligramas de alumínio por dia
apenas da comida. Para a organização, os aditivos são a principal fonte
de alumínio no corpo. Em comparação, a água traz um volume muito menor:
em média 0,1 miligrama por litro, o que pode somar 0,3 miligrama se você
bebe 3 litros por dia. Segundo a entidade, o alumínio na água
representa só 4% do que um adulto absorve.
Essa relação também é válida para os agrotóxicos. É bem provável que,
comendo legumes não-orgânicos, uma pessoa absorva uma quantidade muito
maior desses produtos do que ao beber água. Fazer essa comparação é
muito complicado, porque o jeito de contabilizar os agrotóxicos é
diferente na comida e na água. Sabemos, porém, que os agrotóxicos são
diretamente aplicados nas plantações, e as medições mostram que estão em
proporção maior nos alimentos do que na água.
Por conta da grande utilização de medicamentos na criação de animais
hoje, os cientistas reconhecem que a dose diária de absorção de
antibióticos e hormônios de crescimento é mais importante pela comida do
que pela água. O professor Wilson Jardim, da Unicamp, explica, no
entanto, que isso não muda o fato de que, mesmo em doses pequenas, os
contaminantes presentes na água possam ter um efeito negativo na saúde.
A saída é a garrafinha?
Seria então melhor para a saúde beber água engarrafada, que chega a
custar 800 vezes mais do que a água da torneira? A resposta, de novo,
não é simples. Em tese, a água envasada tem melhor qualidade por ser
subterrânea, o que oferece uma proteção natural contra contaminação. Mas
encontrar informações sobre a qualidade da água mineral também é muito
complicado no Brasil. A Associação Brasileira de Indústria de Água
Mineral (Abinam), que representa as envasadoras da água, negou os
pedidos de entrevista para esta reportagem. A comunicação também não é
muito aberta do lado das autoridades.
Na verdade, não há como ter acesso à documentação sobre a qualidade
da água engarrafada. Para obter a lavraria e a renovação da concessão,
uma empresa de água mineral recebe, a cada três anos, a visita dos
funcionários do Laboratório de Análises Minerais (Lamin) da Companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), um órgão federal. Os resultados
das análises são comunicados à empresa e ao Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM), responsável pela água mineral no país, mas não
ficam disponíveis para o público. Por quê? Não recebi resposta do DNPM.
Essas análises teriam que ser feitas seguindo a resolução RDC 274/2005,
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A norma inclui
agrotóxicos e é bem parecida com a portaria que regula a água da
torneira. Além de os dados não estarem disponíveis publicamente, outro
problema é a forma de fiscalização das fontes. O Lamin do Rio faz
análises no país todo, enquanto o de São Paulo concentra-se no estado de
São Paulo, onde fica a maior concentração de concessões de água mineral
do país. Até o início de 2013, o Lamin do Rio não tinha os equipamentos
necessários para fazer as análises dos agrotóxicos, e só no fim de 2014
o Lamin de São Paulo deverá fazer esse trabalho. Ou seja, a resolução
levou oito anos para começar a ter todos os seus itens verificados.
Isso não acontece com a água da torneira, que é muito mais
controlada. Primeiro, porque ela precisa chegar a toda a população.
Segundo, porque a água bruta, a partir da qual se produz a água potável,
vem em geral da superfície e está mais sujeita a todo tipo de
contaminação. Isso requer atenção constante e análises mais frequentes. A
água mineral vem de lençóis subterrâneos, onde fica confinada. É menos
poluída do que a que vem dos rios e não recebe nenhum tratamento
químico. Depois de um ano fazendo as análises de agrotóxicos, o Lamin do
Rio disse que não encontrou esses produtos nas águas minerais de todo o
país, com exceção de São Paulo (onde ainda não fazem essa análise e
onde está a maior parte das fontes). Mas não tive acesso aos documentos
que comprovariam isso.
Ao procurar informações adicionais, descobri que, em São Paulo, a
Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) iniciou, em
2011, o monitoramento de lençóis subterrâneos do estado em relação à
presença de contaminantes e à atividade estrogênica – ou seja, à
capacidade de algumas substâncias agirem no sistema reprodutivo humano,
antecipando, por exemplo, a puberdade nas meninas ou produzindo
esterilidade nos homens. “Não foi detectada atividade estrogênica na
maioria dos 33 pontos de amostragem, selecionados em função de sua maior
vulnerabilidade. Apenas três locais apresentaram atividade estrogênica
baixa. Isso significa que não há potencial de preocupação para a saúde
humana se a água for consumida”, explica Gilson Alves Quinaglia, gerente
do setor de análises toxicológicas da Cetesb.
Agrotóxicos e medicamentos
As empresas de água mineral usam na publicidade o argumento de que a
água subterrânea está confinada e, consequentemente, fica protegida da
poluição moderna. Seria bom se fosse assim, mas existem estudos que
comprovam que a poluição pode chegar a todos os lugares – até mesmo ao
subsolo.
No ano passado, uma pesquisa encomendada a laboratórios independentes
pelas ONGs 60 Milhões de Consumidores e Fundação Danielle
Mitterrand-France Libertés, na França, encontrou tanto agrotóxicos como
medicamentos na água engarrafada. “Foi uma surpresa, porque mostra que
até a água mineral está poluída. Achamos um agrotóxico, a atrazina,
usado no cultivo do milho, que está proibido no país há mais de dez
anos. Essa substância tem a propriedade de ser muito persistente no meio
ambiente. O que significa que, em dez anos, chega ao subsolo”, explica
Thomas Laurenceau, da 60 Milhões de Consumidores.
Outra grande surpresa foi detectar o tamoxifeno, um hormônio usado no
tratamento de câncer de mama, nas amostras analisadas. “Os níveis
encontrados são muito baixos, mas a presença mostra até que ponto nosso
meio ambiente está poluído”, acrescenta Emmanuel Poilane, presidente da
France Libertés.
A contaminação não é causada pelas envasadoras de água, e sim pela
deterioração geral do meio ambiente. “As empresas de água mineral sempre
estão tentando proteger as fontes. Não depredam o meio ambiente. Não é
conveniente para elas”, afirma Doralice Assirati, do DNPM. Na Europa e
nos Estados Unidos, algumas delas foram obrigadas a fechar explorações,
por conta da poluição detectada.
Uma das contaminações possíveis no Brasil seria pelas fossas
sépticas, que, às vezes, são malfeitas. No estado de São Paulo, muitas
envasadoras de água ficam em áreas urbanas, porque a proximidade do
consumidor ajuda o negócio a ser mais lucrativo. Mas, na verdade, o
maior problema das águas envasadas não vem do líquido, mas do contêiner
de plástico. Se as garrafas e os garrafões fossem de vidro, poderíamos
confiar mais na qualidade. Só que os problemas causados pelo uso do
plástico já são bastante conhecidos e estudados.
PET, PP, PE, PVC, PC
O mundo dos plásticos é complicado. Aproximadamente 75% da água
envasada no Brasil está em garrafões. “Eles podem ser confeccionados em
todo e qualquer plástico – PVC, policarbonato (PC), polipropileno (PP) e
polietileno (PE) –, desde que obedeçam aos regulamentos da Anvisa para
embalagens em contato com alimentos”, afirma Carla Castilho, assessora
técnica do Instituto Nacional do Plástico. Isso na teoria. Na prática, a
indústria fabrica 90% dos garrafões em polipropileno e o restante, em
politereftalato de etileno (PET) e policarbonato, segundo o Instituto
Nacional do Plástico. O polipropileno tem custo baixo para o produtor.
Isso é uma boa notícia, porque é o plástico menos propenso a ter
Bisfenol A (BPA), uma substância química perigosa usada na produção.
A Anvisa autoriza o uso de BPA em materiais plásticos destinados ao
contato com alimentos e estabelece, como limite seguro de migração, 0,6
miligrama por quilo de alimento e 0,6 miligrama por litro de bebida. A
agência limita-se a estabelecer a quantidade de BPA que pode migrar de
um produto para o alimento, não a quantidade máxima presente no produto.
Vários países europeus, como França e Dinamarca, estão proibindo o
BPA nas embalagens de alimentos. Isso não tem relação com o nível de
migração, e sim com os materiais onde está presente o BPA, como o
policarbonato e as resinas epóxi em todas as latas de alumínio. É alta a
probabilidade de que a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar
(EFSA) reduza o nível de migração de 0,5 miligrama por quilo por dia
para até 0,005 miligrama por quilo por dia.
No Brasil, somente as embalagens da água mineral Indaiá, do Grupo
Edson Queiroz, um dos maiores do país, são feitas de policarbonato.
Técnicos da empresa enviaram análises para nos convencer de que não há
nenhum problema com os recipientes em policarbonato. Os resultados do
laboratório, de fato, são ótimos. Só que os problemas causados pelos
plásticos não acontecem quando as embalagens são novas, mas com a
manutenção, a exposição ao calor e as múltiplas lavagens dos garrafões,
que podem ser usados durante três anos. “Não podemos nos responsabilizar
pela manutenção. Não depende da gente”, disse Francisco Sales, gerente
industrial do grupo Edson Queiroz. Não, mas também ninguém pode dizer
que a degradação dos plásticos não traz problemas para o consumidor. A
degradação do PET, material das garrafas descartáveis, não é algo com
que se preocupar se o recipiente for usado uma vez só.
Estudos científicos mostram ainda que, com o tempo, mesmo a qualidade
da água mineral se degrada. Em 2009, uma pesquisa realizada por Martin
Wagner e Jörg Oehlman, da Universidade de Frankfurt, na Alemanha,
detectou interferentes endócrinos – isto é, substâncias artificiais que
agem no nosso corpo por serem parecidas com hormônios – em 12 das 20
amostras de água mineral analisadas. Os dois cientistas também inseriram
moluscos em garrafas PET e de vidro e notaram que, nos recipientes
plásticos, houve reprodução em uma velocidade maior. Isso também indica a
presença desses contaminantes, que podem ter se desprendido do plástico
das garrafas. As indústrias do plástico e da água contestaram os
resultados.
Praticamente na mesma época, as
pesquisadoras Barbara Pinto e Daniela Reali, da Universidade de Pisa, na
Itália, detectaram uma contaminação semelhante, mas em menor nível, em
amostras de água mineral italiana. Elas não souberam explicar a origem
dos interferentes que apareceram em 10% das garrafas. Isso levou vários
cientistas a pedir para a indústria do plástico que revelasse os
segredos de fabricação, para entender o que acontece em uma água que
fica um certo tempo nesses recipientes. A resposta foi o silêncio.
Devido à pouca colaboração da indústria, os problemas causados pelos
ftalatos, outros produtos químicos usados no plástico, ainda são pouco
conhecidos e estudados. Tanto os ftalatos quanto o BPA estão presentes
em praticamente todo o plástico que há nas nossas casas. Os ftalatos são
usados na fabricação de acessórios domésticos (piso, papel de parede),
produtos infantis (mamadeiras, brinquedos, colchonetes para troca de
fraldas, mordedores), embalagens (filme transparente, garrafas
descartáveis) e até em utensílios médicos (cateteres, bolsas de sangue e
soro). O BPA está nos equipamentos esportivos, em dispositivos médicos e
odontológicos, produtos para obturação dentária e selantes, lentes para
os olhos, todos os produtos com PVC, e policarbonatos, CDs e DVDs,
eletrodomésticos, embalagens de plástico duras, jarras de água em
plástico duro e latas de alumínio.
“Existem na vida janelas de exposição do BPA mais problemáticas do
que outras. As crianças são mais expostas do que um adulto. Também
ocorre maior migração de produtos químicos para a comida ou a água com o
calor”, diz o pesquisador Wilson Jardim, da Unicamp. Ou seja, ainda
falta muita informação sobre o perigo dos produtos e a toxicidade dos
que já estão no meio ambiente. Hoje, temos consciência do perigo de
substâncias que a geração anterior à nossa usava de maneira regular,
como o DDT. Mas, como acontece agora, a indústria ou não informava ou
negava o problema da contaminação.
Qual água é melhor?
É impossível saber se a água envasada é de melhor qualidade do que a
água da torneira, pois há muito pouca informação sobre o uso de
recipientes plásticos. A água tratada também tem poluentes em um nível
pouco conhecido, mas com certeza menor do que o da comida não orgânica. A
grande diferença entre as duas é que a água envasada traz ainda mais
problemas para o meio ambiente, pelo fato de gerar lixo, aumentar as
emissões de carbono e envolver consumo de energia na sua produção.
Como melhorar a água da torneira? (Veja o infográfico animado aqui.)
Parece que o único caminho para salvar a água potável é o da
cidadania. As melhores experiências para se obter uma qualidade de água
razoável ocorrem quando os cidadãos participam da gestão da água,
fiscalizando as empresas de tratamento e exigindo que as autoridades
aumentem o orçamento para o recurso “água”.
Hoje, o monitoramento das concessionárias no Brasil é feito pelas
agências de vigilância sanitária de cada estado. Mas até as empresas
reconhecem que não há fiscalização. As autoridades não parecem ter
vontade de aumentar o orçamento para saneamento, mesmo sabendo, há
muitos anos, que isso é mais do que necessário para melhorar tanto a
água e o meio ambiente quanto a saúde das pessoas.
Ainda é possível mudar as coisas. As soluções existem, só que custam
caro. No mesmo estudo sobre a contaminação das garrafas de água com
agrotóxicos e medicamentos, as ONGs foram para regiões mais poluídas da
França (nem toda a França é como Paris), onde os agrotóxicos chegam a
níveis bem acima do permitido pela legislação, há muitos anos. A
poluição obrigou as autoridades a investir em tecnologia de ponta para
melhorar a qualidade da água. Conseguiram. Entre essas novas tecnologias
estão nanofiltração, ultrafiltração, osmose reversa e tratamento com
raios ultravioleta solares. Mas, para que os impostos sirvam a essa
causa, a mobilização das pessoas é obrigatória.
No Canadá, na Europa, no México ou na Bolívia, existem numerosos
exemplos de como a população retomou o poder sobre a qualidade, o preço
e, inclusive, a propriedade da água. Também é necessária a vontade
política das autoridades para limitar o uso de produtos químicos no meio
ambiente e aumentar o apoio à agricultura orgânica. E da ajuda de todos
no momento das compras – um consumo consciente, que prefira produtos
menos danosos ao meio ambiente, tanto na fabricação quanto na vida útil.
Isso significa não trocar de celular a cada novo modelo ou deixar de
beber três pequenas garrafas plásticas de água por dia.
Fonte: Agência Pública.
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