Diante de uma possível crise no abastecimento, o tema água virou uma
constante nas rodas de discussões. Como sempre, a preocupação com o
assunto aparece quando o risco do racionamento surge. Talvez por estar
ao alcance da mão, basta girar a torneira e ela aparece, na maior parte
do tempo, a questão da água é invariavelmente ignorada tanto pela
população quanto pelos agentes públicos, e dificilmente notamos que a
disponibilidade dela no Brasil é mais crítica do que geralmente
aparenta.
A gestão dos recursos hídricos no País é um problema frequente e não
pontual. O que pouco se fala é que, apesar de o Brasil ser privilegiado
na disponibilidade desses recursos – o volume de água doce representa
12% da disponibilidade do planeta – a distribuição é desigual. Segundo
levantamento do Ministério do Meio Ambiente, 68% dela está na região
Norte, onde vivem apenas 8,5% da população. Na outra ponta está o
Nordeste, que possui a menor disponibilidade hídrica do País: 3%. O
Centro-Oeste possui 16%; o Sul, 7%; e o Sudeste, que concentra 42% da
população brasileira, dispõe de apenas 6%. Ou seja, em algumas regiões o
potencial hídrico é grande enquanto em outras há falta de água.
Dentro das próprias regiões há diferenças significativas em relação à
disponibilidade hídrica. A cidade de São Paulo, a maior da América
Latina, por exemplo, depende de outras cidades do estado para saciar a
sede de sua população. A capital paulista disputa a água com Campinas.
Os mesmos rios são usados para abastecer os dois municípios. Ambos
dependem do Sistema Cantareira, que é responsável ainda pelo
abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).
Dada a grande demanda, a preocupação com o sistema é grande.
Mensalmente, tanto a Agência Nacional de Água (ANA) como o Departamento
de Água e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) revisam o
volume de água que cada município capta da Cantareira. Essa, aliás, é
uma das diretrizes estabelecidas pelo plano de operação do sistema, que,
neste momento, em meio a uma das maiores estiagem que se tem registro,
passa por um processo de revisão – a medida acontece a cada dez anos. No
centro dos debates está o risco de que todo o sistema entre em colapso.
Em São Paulo há ainda uma disputa em torno da bacia do rio Paraíba do
Sul, que banha também os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro,
sendo que neste último o rio é responsável pelo fornecimento de água
para 70% da população. Há uma preocupação das autoridades fluminenses
com a possiblidade de aumento do uso dos recursos hídricos do Paraíba do
Sul pelos paulistas.
Exemplos como os citados acima também estão presentes em outras
regiões do País. Vale lembrar a polêmica transposição do Rio São
Francisco, no Nordeste. A obra, que tem como objetivo formar uma
sinergia hídrica com potencial para ampliar a capacidade de
armazenamento dos açudes nordestinos, é discutida há décadas mas só
recentemente começou a ser implantada. A estimativa do Ministério da
Integração Nacional é de que a obra de transposição do São Francisco
beneficie aproximadamente 12 milhões de pessoas, em especial dos estados
do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco, que estão na
região com menor capacidade hídrica do Brasil.
Uma das primeiras propostas para a transposição do rio São Francisco,
apresentada em 1994, previa a captação de 150 metros cúbicos de água
por segundo para a irrigação e em um único canal, sem a revitalização do
rio, integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro Gonçalves e Santa
Cruz. O projeto atual prevê vazão menor, de apenas 26 metros cúbicos por
segundo, de forma contínua, mas podendo atingir até 120 metros cúbicos,
caso a barragem de Sobradinho, na Bahia, atinja pelo menos 90% de sua
capacidade.
Na prática, a proposta de reduzir a vazão facilitou que os estados
das bacias doadoras, principalmente Bahia e Sergipe, apoiassem a ideia,
ou pelo menos a aceitassem, tendo em vista que lideranças desses estados
levantaram a possibilidade de a transposição trazer prejuízos
financeiros a essas regiões. Além dos políticos desses dois estados, as
autoridades de Minas Gerais e Alagoas não aceitam bem a proposta, pois
também temem por efeitos negativos em suas respectivas regiões.
Os exemplos não são apenas pontuais. Os conflitos em torno do uso da
água são constantes e tendem a aumentar ao longo dos anos,
principalmente em razão das mudanças climáticas. Por isso, é urgente que
o debate sobre os recursos hídricos não se restrinja apenas aos
momentos de estiagem. É essencial que os problemas que já se arrastam
por anos a fio se tornem prioridade para o poder público.
Uma discussão constante sobre o tema pode contribuir para evitar que
as dificuldades atuais se tornem ainda mais críticas no futuro. A água é
um bem que pode se tornar escasso e requer um gerenciamento eficiente
para evitar disputas regionais. Devemos aprender em quanto é tempo a
gerenciar e compartilhar.
Martim Afonso Penna é diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor).
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