Achamos
muito oportunas as reflexões do autor - Waldemar Boff, formado em
filosofia e sociologia nos Estados Unidos, e que anima o SEOP(Serviço de
Educação e Organização Popular) na Baixada Fluminense - que desenvolve
atividades ecológicas voltadas para pequenos
produtores rurais junto ao rio Surui, na Baixada Fluminense. Eis seu
texto:
"Ninguém sabe ao
certo o dia e hora. É que já estamos no meio dela, sem notarmos. Mas que está
vindo, está, cada vez com mais intensidade e nitidez. Quando acontecer a grande
virada, tudo vai parecer como se fosse de surpresa.
Embora haja dados seguros que apontam a inevitabilidade das
mudanças globais devidas ao clima, com conseqüências que os cientistas tentam
adivinhar, mas que seguramente serão para o pior, os interesses econômicos das
grandes nações e a falta de visão a longo termo de seus líderes, não lhes
permitem tomar as medidas necessárias para mitigar os efeitos e adaptar seu modo
de vida ao estado febril da Terra.
Poderíamos imaginar um cenário plausível em que furacões
varrerão regiões inteiras. Ondas gigantescas engolirão cidades e civilizações,
indo morrer aos pés das montanhas. Secas prolongadas farão com que se troquem
todas as riquezas por um simples copo de água suja. O calor e o frio extremos
farão lembrar com saudades das histórias das avós que falavam das brisas da
tarde e do aconchego de uma lareira no inverno, sempre previsível, e dos frutos
amadurecidos ao calor de um sol de verão benfazejo. Comer-se-á só para
sobreviver, sempre pouco e de gosto duvidoso.
Mas tudo isto ainda não será o pior. A mãe, de tão fraca,
não conseguirá enterrar a filha e o neto matará o avô por causa de uma côdea
de pão. O cão e o gato, amigos do homem, serão buscados por toda a parte como
última possibilidade de matar a fome. Os vivos invejarão os mortos e não haverá
quem chore a morte de crianças. A fome chegará a tal ponto que, como na
Jerusalém sitiada, os famintos aguardarão a próxima vítima da morte para
disputar-lhe a carne esfiapada.
“O país ficará devastado e as cidades se tornarão escombros.
Todo o tempo em que ficar devastada, a Terra descansará pelos sábados que não
descansou quando nela habitáveis” (Lev. 26,33-35).
Mas será o fim de toda a biosfera? Não. Por causa dos justos
e sensatos, Deus abreviará esses dias e não dizimará toda a vida sobre a Terra,
mantendo a promessa que fizera a nosso pai Noé. Mas é necessário que o ser
humano passe por essa tribulação para acordar do seu egocentrismo e reconhecer
em definitivo que ele é parte da comunidade da vida e o principal guardador
dela.
Que fazer para nos prepararmos para esses tempos?
Primeiramente, reconhecer que já vivemos neles. Hoje já não sabemos quando virá
a primavera ou outono. Já não contamos com os meses de frio e calor. Já não
sabemos reconhecer quando fará chuva ou sol.
Depois, importa ficar quieto, vigiando e observando os
sinais que indicam a aceleração dos processos de mudança. E sobretudo, é
imprescindível converter-se, mudar de hábitos de vida, uma mudança profunda,
pessoal e definitiva. Só então estaríamos em condições morais de pedir aos
outros que façam o mesmo.
Mas como no tempo dos profetas, poucos ouvirão,
alguns escarnecerão e a maioria se manterá indiferente e se permitindo toda
sorte de liberdades como no tempo de Noé.
Deveríamos ainda voltar às raízes, recomeçar, como tantas
vezes já fez a humanidade arrependida, reconhecendo que somos apenas criaturas
e não Criador, que somos companheiros e não senhores da natureza; que para
nossa felicidade é indispensável nos submeter às grandes leis da vida e ouvir
com atenção a voz de nossa consciência. Se obedecermos a essas leis maiores,
colheremos os frutos da Terra e a alegria da alma. Se desobedecermos a elas,
herdaremos uma civilização como essa na qual estamos vivendo, cheia de avidez,
guerras e tristezas.
Para esses tempos de carestia que virão, é fundamental recuperar
as ancestrais artes e técnicas do plantar, colher, comer; do cuidar dos animais
e servir-se deles com respeito; do fazer utensílios e ferramentas, com arte e
tecnologia local; do selecionar e plantar as ervas que curam e os grãos que
nutrem; do recolher para tecer; do preservar as fontes d´água, do encontrar
lugares apropriados para cavarmos os poços e do aprender a guardar as águas da
chuva. É entrar na faculdade da economia da escassez, da sobriedade compartida
e da beleza despojada. Desse saber recuperado e enriquecido surgiria uma
civilização do contentamento, uma biocivilização, a Terra da boa esperança.
Depois dessa longa temporada de lágrimas e esperanças,
superaremos essa estúpida guerra de religiões, essa intolerável disputa de
deuses. Para além dos profetas e tradições, para além das morais e liturgias,
quem sabe voltemos a adorar, sob múltiplos nomes e formas, o único Criador de
todas as coisas e Pai-Mãe de todos os viventes, no grande Espírito que a tudo
une e inspira, entrelaçados amorosamente na única fraternidade universal. E
poderemos enfim organizar verdadeiramente a união de todos os povos do mundo e
um autêntico parlamento de todas as religiões.
CEPRO – Um
Projeto de Cidadania, Educação e Cultura em Rio das Ostras.
Alameda Casimiro de Abreu, 292, Bairro Nova
Esperança - centro
Rio das Ostras
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