por Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB
O conceito de
Modelo Energético tem significados diferentes para atores situados em polos
antagônicos. Para nós, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),
"modelo" significa a Política Energética necessária ao
desenvolvimento das forças produtivas que sirva ao conjunto da nação, com
respeito ao meio ambiente e à soberania nacional. No entanto, para os setores
que controlam a energia no Brasil, Modelo Energético refere-se às
fontes/matrizes de produção da energia, porque esses setores já têm clara a
finalidade da energia: responder à demanda do mercado, à voracidade das grandes
corporações que controlam a indústria de eletricidade, à indústria
eletrointensiva e no aumento da produtividade a qualquer preço.
É inegável que a
energia é a locomotiva do desenvolvimento das forças produtivas e que o resto é
vagão. Sua importância estratégica está relacionada à produção de valor na
sociedade capitalista. Na sociedade atual, a energia é central para reprodução
do capital, pois é utilizada como forma de acelerar a produtividade do trabalho
dos trabalhadores.
Há concordância
que a energia é necessária na geração da riqueza, que a cadeia produtiva de
energia cria empregos e que a energia possibilita o bem estar das pessoas.
Também é evidente que a produção de energia pressupõe fontes para a sua geração
e quehoje, nas atuais
condições de produção, a hidro tem sido a tecnologia "mais eficiente” quando
comparada com as demais fontes de produção de eletricidade. Ao ressaltar esses
argumentos, no entanto, aqueles que controlam o setor omitem para quê e para
quem ele é planejado.
O atual modelo
energético, de padrão e herança autoritária, tecnocrática e neoliberal está a
serviço das corporações transnacionais e seu modelo de desenvolvimento. O bem
público serve aos interesses de uma minoria, com predomínio do setor financeiro
e seus mecanismos. Esse modelo afeta enormemente as populações, na cidade e no
campo, além de precarizar o trabalho no setor (terceirização), utilizar os
trabalhadores das obras na condição de semiescravidão, repassar toda conta às
residências e produzir impactos socioambientais no nível local, regional e até
internacional.
A energia é vista
como mercadoria e não como bem público. Assim se produzem graves injustiças.
Essa lógica, que persiste na geração, transmissão e distribuição da energia,
não se preocupa com a sustentabilidade social e ambiental, apenas com o
"progresso" econômico medido pelo rendimento final e fantasiado na
renda per capita que esconde quem se apropria da riqueza. Mais: a atual
política energética, em nome do desenvolvimento, avança sobre um patrimônio que
pertence também às futuras gerações, pois exportar nossos recursos a países
ricos é eticamente um assalto às novas gerações.
Atualmente, quem
controla a energia é o capital internacional especulativo, são transnacionais
que controlam o setor elétrico nacional e se apropriam dos resultados.
Corporações mundiais como a Suez Tractebel, AES, Odebrecht, Queiroz Galvão,
Iberdrola, Vale, Alcoa, Billiton, Alstom, Siemens, etc. Este controle veio a
partir das privatizações dos anos 90 e segue nos dias atuais. Atualmente, até
mesmo as estatais estão nas mãos do capital privado: 60% da Eletrobrás; 80% da
CEMIG; 65% da Cesp.
As estruturas de
Estado estão capturadas pelas empresas privadas. As agências reguladoras,
Ministério de Minas e Energia, Empresa de planejamento e até as estatais estão
à serviço dos empresários. Foram criadas várias leis e estruturas de Estado que
tentam despolitizar o debate da energia, como se fossem questões "técnicas e
neutras”. A ANEEL, agência reguladora de finalidade e comportamento
questionáveis, é parte de uma estratégia e instrumento para servir aos
empresários. É o centro onde se legaliza o modelo.
O BNDES é o
principal financiador das usinas, repassando dinheiro público para as
transnacionais, enquanto que estatais são proibidas detera
maioria das ações nas usinas. Dessa forma, as estruturas de Estado se comportam
contra os interesses sociais.
A mercantilização
da energia, através do modelo privado, transformou a energia no principal
negócio dos setores privados. Foi implementado um sistema de tarifas que simula
uma falsa concorrência. As tarifas foram internacionalizadas, os preços da
eletricidade brasileira passaram a ser vinculados ao custo da energia térmica.
Nossas tarifas foram elevadas a patamares internacionais, longe da realidade
dos custos de produção de nosso país. Atualmente a energia no Brasil é 25% mais
cara que na França, onde 76% da matriz é nuclear, ou seja, com custo de
produção muito mais alto.
A venda da
energia elétrica se transformou no principal negócio deste setor, porque agora
o lucro dos empresários que controlam a energia não vem só da exploração dos
eletricitários, mas de 60 milhões de residenciais. As residências pagam a
conta. Enquanto isso, os grandes consumidores (livres) recebem energia barata,
para produzir eletrointensivos e exportar, sem pagar imposto algum, porque são
isentos pela lei Kandir. Para mudar o modelo, é necessário mudar o sistema de
tarifas.
Os trabalhadores
do setor são altamente produtivos e explorados. Para seteruma
ideia, os trabalhadores da AES Tietê produziram em 2012, cerca de R$ 2,3
milhões de lucro/trabalhador.
Está em curso uma
intensificação da exploração sobre os eletricitários. As empresas privadas e
estatais estão buscando rebaixar os ganhos dos trabalhadores aos patamares mais
baixos mundialmente. Está ocorrendo um intenso processo de reestruturação do
trabalho para aumentar a produtividade, através de demissões, terceirizações,
precarizações e aumento de jornada, além da incorporação de novas tecnologias
que aceleram a obsolescência programada. Isso reflete diretamente na qualidade
dos serviços de energia.
A riqueza
extraordinária gerada na energia, nas diferentes áreas, não tem sido revertida
em benefício prioritário ao povo brasileiro. O que constatamos são remessas
cada vez maiores de lucro aos acionistas, enquanto o serviço púbico e a
situação dos trabalhadores se deteriora cada vez mais. Os lucros são
extraordinários e tudo é enviado através de remessas de dividendos (100%). A
AES Tietê tem lucro médio de 43,5%. Cinco empresas (AES Eletropaulo e Tietê,
Suez Tractebel, Cemig e CPFL) tiveram, nos últimos 7 anos, lucro total de R$
45,7 bi e remeteram R$ 40,7 bi a seus acionistas.
Os rios são o
território mais desejado e disputado pelas transnacionais que controlam a
indústria de eletricidade. Como a energia hídrica é a tecnologia mais rentável
comparada às demais fontes, aumenta a disputa mundial para controlar os
melhores locais e extrair os excedentes. Nosso território é foco de disputa
internacional do capital, pois concentra as principais reservas estratégicas de
"base elevada de produtividade natural”. O Brasil possui as maiores e melhores
reservas de rios e água para geração de eletricidade, 260 mil MW de potência,
dos quais só 30% foram utilizados até agora. A América Latina tem potencial de
730 mil MW.
Entendemos que o
problema central na energia é a política energética. O modelo energético. Não
queremos discutir somente a matriz, apesar de sua importância. Atuar na
política energética pressupõe incidir decisivamente no planejamento, na
organização e controle da produção e distribuição da energia, da riqueza gerada
e no controle sobre as reservas estratégicas de energia de base de elevada
produtividade natural.
O Lema do
Encontro Nacional do MAB, "Água e energia com soberania, distribuição da
riqueza e controle popular”, representa a síntese do projeto que defendemos
para a energia.
Fonte: Adital
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