Diz o noticiário (Agência Estado, 20/10) que será de R$ 400 milhões a
economia de energia (0,5%) que o País fará com o horário de verão, nas
duas horas de pico do consumo (19 às 21 horas), até 16 de fevereiro.
Serão 2.065 MW no Sudeste e no Centro-Oeste, mais 630 MW no Sul,
“sobretudo de usinas térmicas”. A razão invocada pelo Ministério de
Minas e Energia é o baixo volume de água retido em reservatórios de
usinas hidrelétricas.
No País todo, diz a Empresa de Pesquisa Energética, o consumo per
capita de energia é de 2.500 MWh, que, multiplicados por mais de 200
milhões de pessoas, se traduzem em 532 mil GWh. Na geração de energia em
2011 – segundo conferência do professor José Goldemberg (Problemas
Brasileiros, setembro/outubro 2013) – a hidreletricidade respondia por
86%; pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), por 4%; térmicas a gás, por
3%; nuclear, por 3%; eólica, biomassas, a óleo (biocombustível,
gás/óleo), por 1% cada; e usinas a carvão mineral, também por 1% cada.
A ABEEólica, que congrega as usinas movidas por ventos, afirma que o
setor já tem hoje 2,7 GW e chegará a 16 GW até 2021 (o que nos poderia
dispensar das usinas movidas a carvão mineral, as mais poluidoras entre
todas). É preciso acrescentar que, até aqui, a área federal tem
desestimulado os projetos nessa área das eólicas, a ponto de haver
impedido, recentemente, sua participação em leilão para novas usinas -,
depois de vir a público que dezenas de usinas já instaladas no Nordeste
não entravam em atividade porque o governo federal, a quem cabia a
obrigação, por contrato, não construíra as linhas para levar a energia
das turbinas até as linhas de transmissão. Também há fontes, já citadas
em outros artigos neste espaço, segundo as quais estamos perdendo nas
linhas de transmissão até 17% da energia gerada – a área federal dá
números menores.
A inconveniência das térmicas a carvão, além da poluição gerada, está
também no preço – a ponto de, no mais recente leilão de novos projetos,
nenhuma das três que concorriam pôde ir adiante, já que seu preço, de
R$ 170 por MWh, era superior ao teto do edital, de R$ 140 (Folha de
S.Paulo, 11/9).
Seria o horário de verão indispensável mesmo? Não haveria outros
caminhos para evitar os contratempos para mais de 100 milhões de
consumidores? No debate com o professor Goldemberg mencionado há poucas
linhas, Mário Ernesto Humberg (Pensamento Nacional das Bases
Empresariais) citou estudo segundo o qual seria viável reduzir o consumo
de energia no País em 30%. O próprio professor Goldemberg lembrou, em
outra ocasião, que hoje mais de 50% do consumo de energia nos shopping
centers brasileiros vai para sistemas de ar-condicionado, que, por sua
vez, servem para enfrentar o aquecimento gerado pelo sistema de
iluminação em estabelecimentos absolutamente fechados para o ambiente
externo, que não se servem em nada da iluminação natural. Um círculo
vicioso de desperdício.
É assim mesmo. Há pouco tempo o autor destas linhas, ao participar de
um evento no auditório da Oca, no Parque do Ibirapuera, às 10 horas de
uma manhã luminosa, de céu azul, fez questão de contar: havia centenas
de luminárias acesas no salão, exatamente porque não entrava no ambiente
nenhuma iluminação natural. E teve oportunidade também, na época em que
foi secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito
Federal (1991-1992), de participar de um episódio demonstrativo.
O Distrito Federal importava na época, de usinas em outros Estados,
97% da energia que consumia e, na prática, exportava renda – num lugar
com crescimento vertiginoso da população, por causa das migrações, e que
precisava também por isso gerar renda e empregos em alta densidade. A
secretaria propôs, por essa razão, implantar um programa de conservação
de energia e eficiência energética. Começando pelo setor público, que
consumia cerca de 20% da energia total. Se conseguisse reduzir em 25% o
consumo, seriam 5% do consumo total que deixariam de ser providos pela
energia gerada fora.
Criado um grupo de trabalho com vários secretários e dirigentes de
empresas para conceber e implantar o programa – que começaria pelo
edifício anexo ao Palácio Buriti, onde havia várias secretarias -, na
primeira reunião, logo que expostos os objetivos, um dirigente da
empresa distrital de energia afirmou que não cumpriria o programa porque
“seria linchado por funcionários e fornecedores”, com a redução do
faturamento da empresa (proporcional à redução do consumo). Foi preciso
criar um caminho adicional para que o governo levasse para a empresa,
sob a forma de aporte de capital, o equivalente à redução do
faturamento.
Iniciada a implantação no anexo do Buriti, verificou-se que, em
projeto recente, o arquiteto optara pelo comando centralizado de energia
por pavimento. Para acender uma única luminária era preciso acender
todo o pavimento, houvesse ou não necessidade. A única forma foi
desligar manualmente luminárias, porque um estudo da iluminação
demonstrara que a luz que vinha do exterior era três vezes maior que a
necessária naquele lugar. Mas com o desligamento e outras providências
foi possível reduzir em 40% o consumo de energia no anexo. Só que com a
saída do secretário de Meio Ambiente todo o programa foi esquecido.
O episódio serve para mostrar quanto desperdício pode ser evitado ou
combatido – sem obrigar a população a fazer sacrifícios. E a necessidade
de caminhar em direção a outros programas de implantação de energias
renováveis, de microgeração distribuída (como se está fazendo no Paraná,
gerando energia a partir de dejetos de animais) e outros caminhos. Só
nos edifícios brasileiros a economia seria enorme, pois eles respondem
por 47% do total da energia elétrica consumida no País (urbanista Mônica
Welker, UFRJ, revista Eco 21, setembro 2013).
Com mudanças na matriz energética e programas de conservação de energia não precisaremos de horário de verão.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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