Nas recentes discussões sobre “mobilidade urbana”, custo dos
congestionamentos para o usuário em tempo e horas de trabalho, baixo
investimento em transporte de massa – todas exacerbadas pela onda de
protestos nas ruas -, tem merecido pouca atenção o tema do impacto da
poluição do ar (agravado por todas essas causas) na saúde da população e
no número de mortes, principalmente nas metrópoles. E foi essa
exatamente a discussão sobre a “Avaliação do impacto da poluição
atmosférica sob a visão da saúde no Estado de São Paulo”, promovida no
início da semana na Câmara Municipal de São Paulo, com base em pesquisa
desenvolvida pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, coordenada pelos
professores Paulo Saldiva e Evangelina A. Vormittag, ambos doutores em
Patologia, com a participação de mais cinco pesquisadores.
É um trabalho sobre o qual deveriam debruçar-se os administradores
públicos da cidade de São Paulo, de sua região metropolitana e de cada
uma das cidades paulistas, tantas são as informações que podem orientar
seu trabalho. A começar pela conclusão de que, se houvesse uma redução
de 10% nos poluentes na capital entre 2000 e 2020, poderiam ser evitados
nada menos que 114 mil mortes, 118 mil visitas de crianças e jovens a
consultórios, 103 mil a prontos-socorros (por causa de doenças
respiratórias), 817 mil ataques de asma, 50 mil de bronquite aguda e
crônica, além da perda de atividades em 7 milhões de dias e 2,5 milhões
de ausências ao trabalho. Em apenas um ano (2011) a poluição da
atmosfera contribuiu para 17,4 mil mortes no Estado.
Ainda é tempo de refletir e mudar, pois, diz a pesquisa, o tráfego e a
poluição explicam 15% dos casos de enfarte na cidade de São Paulo. Quem
acha que o adensamento habitacional em certas áreas pode aumentar a
mobilidade deve prestar atenção a esse mesmo estudo: “O aumento do
tráfego em 4 mil veículos/dia numa via até a 100 metros da residência
mostrou ser um fator de risco para o desenvolvimento de câncer de
pulmão”. E tudo isso embora os programas de controle da poluição do ar
por automóveis, implantados a partir da década de 1990, tenham levado a
uma redução de 95%, assim como a 85% na de caminhões. Até os cinco
primeiros anos desta década, a diminuição de 40% na concentração de
poluentes evitou 50 mil mortes e gastos de R$ 4,5 bilhões com saúde –
além da redução no consumo de combustíveis e na emissão de poluentes.
Mas, apesar das evidências, ainda prevalece, aqui e no mundo, uma
situação dramática. A cada ano, em uma década, 2 milhões de pessoas
morreram vitimadas pela poluição do ar em todos os continentes – uma
década antes foram 800 mil. E, segundo os pesquisadores, a poluição do
ar “deve se tornar a principal causa ambiental de mortalidade
prematura”. Com a preocupação adicional, para nós, de que as médias
anuais de poluição em todas as estações paulistas onde se coletam dados
estiveram, em todos os anos, em 20 a 25 microgramas por metro cúbico de
ar, acima do padrão de 10 microgramas por metro cúbico de ar, que é o da
Organização Mundial da Saúde. Em São Paulo, o índice é de 22,17
microgramas. E a poluição não é só de material particulado, mas também
de ozônio.
Com frequência o noticiário informa que na Região Metropolitana de
São Paulo um terço dos veículos não passa por inspeção – e são
exatamente os mais antigos, mais poluidores. Mesmo assim, a implantação
do controle na capital reduziu em 28% as emissões de material
particulado. Se fosse estendida a toda a área metropolitana, poderia
evitar 1.560 mortes e 4 mil internações, além de levar a uma redução de
R$ 212 milhões nos gastos públicos. Outro dado impressionante da
pesquisa: se todos os ônibus a diesel usassem etanol, seria possível
reduzir em 4.588 o número de internações e em 745 o número anual de
mortes por doenças geradas/agravadas pela poluição. E o sistema de metrô
reduz em R$ 10,75 bilhões anuais os gastos com a poluição.
Já passou da hora de implantarmos sistema semelhante ao da Suécia,
onde é limitado o número de anos (20) em que um veículo pode ser usado,
para não agravar a poluição. Por isso mesmo o comprador de um carro novo
já paga uma taxa de reciclagem; e o respectivo certificado passa de
proprietário em proprietário; o último, ao final de duas décadas, pode
receber a taxa de volta.
Também não há como fugir à questão: que se vai fazer, em matéria de
mobilidade e poluição, se continuamos a estimular, com isenção de
impostos e outros benefícios, o aumento da frota de veículos (hoje, no
País todo, mais de 3 milhões de veículos novos a cada ano)? Eles
respondem por 40% das emissões totais, enquanto ao processo industrial
cabem 10%. E os veículos respondem por 17,4 mil mortes anuais nas
regiões metropolitanas paulistas – 7.932 na de São Paulo e 4.655, só na
capital. Ou seja, a cada seis anos morre uma população equivalente à de
uma cidade de 100 mil pessoas em consequência da poluição.
O professor Ricardo Abramovay, da USP, lembra (Folha de S.Paulo,
13/7) que nossas emissões do setor de transporte devem dobrar até 2025,
como prevê a Agência Internacional de Energia. E o professor Paulo
Saldiva afirma, em entrevista ao site EcoD, que “a poluição em São Paulo
é um tumor maligno”. Apesar de tudo, o patologista – um dos
coordenadores da pesquisa discutida esta semana – considera-se
“otimista, porque ninguém muda para melhor ou repensa seus hábitos se
não tiver algum tipo de problema antes (…). As doenças costumam fazer as
pessoas saírem da zona de conforto. Como estamos insatisfeitos, talvez
estejamos criando as bases para melhorar a cidade”. E o problema
central, sob esse ângulo – acentua ele -, não é o da mobilidade, pois,
“se a frota de carros elétricos correspondesse a 100% da existente,
melhoraria a questão da poluição, mas não a da mobilidade”.
Oxalá a realidade das pesquisas faça governantes e governados se moverem de forma mais adequada.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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