Deficiências
nutricionais durante a vida fetal têm consequências mais duradouras do
que sonha nossa vã filosofia. Experimentos naturais, como a epidemia de
fome dos invernos de 1944 e 1945 na Holanda em guerra e os jejuns
religiosos, deram origem aos primeiros estudos sobre o tema. Os efeitos
tardios da “Fome do Inverno Holandês” incluem a obesidade dos homens ao
atingir 19 anos, as características da deposição de gordura no corpo das
mulheres e o aumento da incidência de esquizofrenia e hipertensão
arterial.
Inquéritos epidemiológicos mostram que a exposição
pré-natal ao prolongado jejum diurno, praticado pela mulher grávida no
Ramadã, aumenta em 20% a incidência de problemas de saúde em adultos
muçulmanos de Uganda e Iraque.
Há
muito se sabe que a deficiência de iodo durante a gravidez pode
provocar rebaixamento do QI. Antes da adição de iodo ao sal de cozinha,
essa era a principal causa de retardo mental infantil passível de
prevenção. Num trabalho feito na Tanzânia, meninas nascidas de grávidas
que receberam suplementação de iodo apresentaram seis meses a mais de
escolaridade do que os irmãos sem esse cuidado pré-natal.
Observações
desse teor sempre foram vistas com reservas, porque as deficiências
nutricionais durante a vida intrauterina e a primeira infância dependem
do tipo, da intensidade e do período em que ocorreram, da dieta na
primeira infância, da atividade física, das condições familiares,
econômico-sociais e da predisposição genética.
Apesar das
ressalvas, a literatura especializada acumulou evidências sólidas de que
a subnutrição do feto está associada a diversas enfermidades crônicas
na vida adulta. Hipertensão, doença coronariana, câncer e diabetes, são
algumas delas.
Um levantamento conduzido no Brasil, Guatemala,
Índia, África do Sul e Filipinas mostrou que o tamanho do bebê ao nascer
e o ganho de peso nos 48 meses seguintes guardam relação com a
resistência à insulina, distúrbio metabólico associado ao risco de
diabetes na vida adulta.
Amamentar o bebê por pelo menos seis
meses traz benefícios que vão além da redução do risco de diarreia e
outras infecções. Um estudo randomizado revelou aumento de 6 pontos no
QI das crianças amamentadas exclusivamente no peito, em relação às que
não mamaram. Outros encontraram aumentos menores: da ordem de 1 a 3
pontos.
Além do ganho em inteligência, a amamentação oferece a
vantagem de retardar a ovulação e as menstruações por períodos que vão
além dos seis meses, evitando gestações muito próximas, responsáveis
pelo aumento da mortalidade infantil e materna.
A amamentação nos
níveis atuais, comparada com a falta dela, evita o nascimento de 53
milhões de crianças por ano, principalmente nos lugares mais pobres. Se
todos os países reforçassem a recomendação da Organização Mundial da
Saúde (OMS) de amamentar exclusivamente no peito, pelo menos, durante
seis meses, deixariam de nascer mais 12 milhões.
A amamentação
reduz o impacto de enfermidades degenerativas, como hipertensão,
diabetes, doença pulmonar obstrutivo-crônica, eventos cardiovasculares e
obesidade, que consumiram globalmente 863 bilhões de dólares em
assistência médica e perda de horas no trabalho em 2010. Mulheres que
amamentam seus filhos correm menos risco de câncer de mama antes da
menopausa, e de câncer de ovário.
Em 1996, uma pesquisa sobre as
políticas públicas para promover a amamentação, com o objetivo de
reduzir a mortalidade infantil na América Latina, publicada na revista
Health Policy Plan, demonstrou que basta investir 150 dólares para
evitar uma morte por diarreia. A estimativa coloca a estratégia entre as
ações mais eficazes para a sobrevivência das crianças.
Esse
cálculo não leva em consideração os ganhos de QI nem a redução da
incidência de doenças degenerativas, que consomem boa parte dos recursos
da saúde, mesmo em países mais pobres.
Drauzio Varella é médico oncologista, cientista e escritor brasileiro, formado pela Universidade de São Paulo.
Fonte: Carta Capital.
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