Puranga pesika, atiati muhsã e matsia yokawa,
saudações em diferentes línguas indígenas e que significam bom dia, são
comuns em São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas. Com mais de
90% da população constituídos por índios de 23 etnias, o município abriu
a Campanha Nacional pela Certidão de Nascimento e Documentação Básica,
lançada ontem (20).
O município foi escolhido pela diversidade de populações indígenas e
por ter uma taxa alta de sub-registros de nascimentos, calculada em
32%. O lançamento teve a participação da ministra da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário. O evento
foi realizado na maloca – construção tradicional, coberta de palha - da
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
A ministra disse que a ação é uma prioridade para a garantia dos
direitos dos povos indígenas. "Muitas pessoas, principalmente as
indígenas, não têm o documento. Sem ele, fica mais difícil garantir
direitos como a matrícula escolar e o Bolsa Família, entre outros”,
explicou. A expectativa, de acordo com a Secretaria de Estado de
Assistência Social do Amazonas, é atender a mil famílias até o dia 18 de
dezembro.
Dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Economia e
Estatística (IBGE) indicam que é menor a proporção de registro civil de
nascimento para a população indígena em relação às demais categorias de
cor ou raça. Enquanto brancos, pretos, amarelos e pardos tiveram
percentuais iguais ou superiores a 98%, a proporção entre os indígenas
foi 67,8%.
O Censo de 2010 aponta ainda que o índice de sub-registro é bem maior
nas regiões Norte e Nordeste. De acordo com o levantamento, cerca de 600
mil crianças brasileiras com até 1 ano não estão registradas. Dessas,
182.610 estão na Região Norte e 200.384 na Região Nordeste.
Durante
a abertura, dezenas indígenas, em sua maioria crianças, aguardavam o
recebimento do registro. Entre elas, estavam Judite Lima de Souza, a
filha Amanda de Souza e a neta Lana Manuelly. Dona Judite disse que só
conseguiu retirar a certidão aos 12 anos. "Foi só quando pude começar a
estudar”, contou a indígena, que só conseguiu a certidão de nascimento
da filha, quando a criança estava prestes a completar 1 ano de idade.
As duas estavam lá para garantir que a menina, que tinha acabado de
completar 3 meses de vida, não passasse pelo mesmo contratempo. A
certidão de nascimento de Lana Manuelly foi entregue pela ministra Maria
do Rosário. "Eu acho que isso facilitou mais, antes a gente tinha que
andar bastante até conseguir pegar o registro", disse Amanda, que mora
em uma comunidade indígena nos arredores do município.
O evento também marcou o lançamento do Mutirão de Registro Civil e
Documentação Básica para os moradores das terras indígenas do Alto Rio
Negro. O trabalho também vai se estender até o dia 18 de dezembro nas
comunidades indígenas de Pari-Cachoeira e Maturacá. No mesmo período,
além do Alto Rio Negro, a ação será promovida nos municípios de Atalaia
do Norte, Boca do Acre, Envira, Rio Preto da Eva, Novo Airão, Iranduba,
Presidente Figueiredo, Manacapuru, Guajará, Ipixuna, Pauiní, Tonantins,
Manaus e na comunidade de Santo Antônio do Matupi, em Manicoré.
A expectativa é atender a cerca de 5 mil pessoas durante o mutirão.
"Desde 2009, nós estamos fazendo uma cruzada para alcançar todos os
municípios e comunidades distantes das sedes. Para tanto, vamos utilizar
barcos para chegar nessas comunidades para levar o registro civil e
outros serviços", disse a secretária de Assistência Social do Amazonas,
Graça Prola.
O registro civil de nascimento gratuito é um direito garantido pela
Lei 6.015 a todo brasileiro. Ele é necessário para que o cidadão tenha
acesso às políticas e aos serviços públicos. Sem o documento, as
crianças ficam privadas de seus direitos fundamentais, como matrícula em
escola e acesso a benefícios sociais. Sem registro, os adultos não
podem obter a carteira de identidade, CPF e outros documentos.
O Brasil firmou compromisso com as Nações Unidade de reduzir, até
2012, o sub-registro a 5% de crianças com até 1 ano de idade. Atualmente
a média nacional é 6,6%. "Sabemos que ainda temos uma longa jornada
para vencer o subregistro, mas a nossa determinação é enorme”, disse a
ministra Maria do Rosário.
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