Em fins de junho passado, uma Comissão Especial da Câmara dos
Deputados aprovou um novo Plano Nacional de Educação (PNE), em
substituição à versão originalmente apresentada pelo poder executivo
federal. Entre as vinte metas contidas na versão final está o aumento do
investimento em educação pública, o qual deverá atingir 7% do PIB
nacional até o quinto ano de sua vigência e 10% até o décimo ano. A
aprovação ainda não é definitiva, pois o projeto deverá ser apreciado
pelo Senado.
Imediatamente após a aprovação, surgiram
manifestações, especialmente em parcela da mídia escrita, que, ao
desqualificarem o proposto aumento dos investimentos, objetivavam
pressionar os membros do Congresso Nacional para reverem os valores e,
possivelmente, já sinalizar à Presidência da República que um eventual
veto, caso a proposta seja mantida, seria bem recebido.
Valores insuficientes
Nessa
tentativa de desqualificação da proposta aprovada, caracterizando-a
como demagógica, o velho e desgastado argumento “dinheiro para a
educação, tem; o problema é que ele é mal administrado” foi
ressuscitado. Ora, quem tem a mínima idéia dos custos envolvidos se dá
conta de que tipo de educação é possível oferecer com investimentos da
ordem R$ 250,00 por mês e por estudante na educação básica, como ocorre
atualmente na enorme maioria das redes estaduais e municipais, sendo
esses, em muitos casos, ainda menores do que o valor acima apontado. É
essa a disponibilidade mensal de recursos, correspondente tanto aos
valores definidos pela lei do Fundeb para 2012 quanto ao que se obtém a
partir do pouco mais do que 3% do PIB investidos por estados e
municípios na educação básica (despesas correntes) dividido pelos cerca
de 44 milhões de alunos atendidos. Entre outras mazelas daí decorrentes,
esse baixo valor atribuído a cada aluno é uma das causas da remuneração
insuficiente dos professores, cujo piso salarial mal alcança R$ 1,5
mil, e que é responsável pela falta de atratividade dessa importante
profissão.
Por melhor que seja a administração desses recursos,
jamais conseguiríamos alguma coisa além daquilo que vemos acontecer em
nossas escolas públicas. Nenhum país do mundo conseguiria oferecer boa
educação com tão parcos recursos, próximos aos 15% da renda per capita.
Além disso, caso tentássemos cumprir outras metas contidas na proposta
de PNE aprovada pela Câmara dos Deputados e aumentássemos o atendimento
na educação infantil, reduzíssemos a evasão no ensino fundamental e
tivéssemos um ensino médio que, pelo menos nas regiões urbanas, fosse
concluído pela grande maioria dos jovens, aqueles valores, já
insuficientes, ficariam ainda menores, pois o mesmo recurso seria
dividido por um número maior de crianças e jovens. Para um atendimento
em acordo com as metas do PNE há necessidade de incluir da ordem de 5
milhões de crianças apenas na pré-escola e vários outros milhões no
ensino médio regular e profissionalizante, além de recuperar alunos que
se evadem ao longo do ensino fundamental. Claramente, se quisermos
alcançar a reversão da situação lastimável em que nos encontramos, é
necessário fazer um esforço nacional. Apenas para a urgente melhora na
educação básica, uma estimativa razoável seria a destinação de 7% do PIB
a esse nível no prazo mais curto possível. Para contemplar, ainda, as
importantes expansões, previstas em outras tantas metas do PNE e que
aumentam consideravelmente vagas e matrículas em instituições de ensino
superior públicas, tanto na graduação quanto na pós-graduação
stricto-sensu – esta, como se sabe, intrinsecamente acoplada à pesquisa,
são necessários, pelo menos, os 3% do PIB adicionais.
Se nenhum
país conseguiu superar atrasos educacionais acumulados, que fossem tão
intensos quanto os nossos, sem investir valores próximos ou mesmo
superiores a 10% do PIB em educação, por que há quem ache que nós
conseguiremos? Valores típicos de investimento por criança nos países
que têm um sistema educacional razoável, sejam eles pobres ou ricos, são
da ordem de 25% da renda per capita, bem mais do que os valores
aplicados no Brasil.
O argumento “dinheiro tem, …”, em referência
aos investimentos públicos, é usado – inadvertidamente ou não – por quem
gasta com a escolarização básica de suas crianças e jovens valores
mensais até dez vezes mais altos do que aqueles investidos nas redes
públicas, sem, nisso, considerar os complementos educacionais como
cursos de línguas estrangeiras, aulas particulares, atividades
esportivas, viagens culturais etc., que se tornaram praticamente
obrigatórios para a classe média. E, esse investimento se estende por um
período não raramente superior a vinte anos, muitos anos a mais do que a
duração da educação escolar dos jovens provenientes dos setores menos
favorecidos. Portanto, aquele argumento tem alguma dose de cinismo e um
viés segregacionista e não republicano: a educação dos mais pobres pode
ser pior que a dos mais ricos.
Argumentar com a exceção
Contudo,
para tentar embasar esse tipo de argumento, mostram-se exemplos escolas
públicas que podem ser classificadas como boas, apesar dos parcos
recursos e argumenta-se que esses exemplos poderiam ser seguidos por
todas. Será? Vejamos.
O Brasil tem perto de duzentas mil escolas
públicas e dezenas de milhões de estudantes. Essas escolas apresentam um
desempenho médio que é esse que vem preocupando a população e os
profissionais da educação, mas, entre um número tão grande de escolas,
encontraremos o padrão médio e, também, suas variações. Desse modo, como
a partir de qualquer média, em especial de indicadores sociais,
encontraremos um grande número daquelas que estão muito abaixo ou acima
dela. Não é surpreendente, portanto, que encontremos algumas escolas que
tenham, casualmente e em um determinado período, condições
particularmente favoráveis por causa daqueles que nelas trabalham
naquele período, de algumas particularidades de seus alunos e pais de
alunos, do seu entorno geográfico etc., que lhes permitam ter um bom
desempenho. Entretanto, essas são as exceções, não as regras, e assim
como existem exceções para um lado, existem, também, exceções para o
outro lado: uma escola com absoluta carência de professores, dirigentes
desmotivados e apenas interessados em mudar o local de trabalho e um
entorno violento e pobre, com pais e estudantes desinteressados, o que,
certamente, levará a péssimos desempenhos. Podemos aprender com os dois
tipos de exceção, descobrindo formas de aproveitar melhor as exceções
positivas e reduzir as negativas. Contudo, sabemos: políticas públicas
não podem ser feitas com as exceções e sim com as regras, isto é, com
aquilo que acontece com maior frequência. É absolutamente impossível,
com os atuais recursos, termos, como regra e em média, um bom sistema
educacional.
Nossa economia não suportaria…
Outro
argumento levantado contra o aumento dos recursos destinados à educação
pública centra-se no seu pretenso impacto negativo sobre a economia. É
notável que esse argumento cause eco e seja frequentemente repercutido
pela imprensa. Destinar uma maior parte do PIB à educação não prejudica
em nada a produção econômica. Na verdade, vale o contrário: muitos
estudos fidedignos mostram que o retorno econômico dos investimentos em
educação é alto, até mesmo superior a muitos investimentos no setor
produtivo. E, novamente, basta refletir um pouco para perceber que os
baixos investimentos feitos no passado são causa importante das
dificuldades para o desenvolvimento da produção econômica atual no país,
em especial quando se trata dos setores mais sofisticados, que sofrem
com a carência de trabalhadores altamente qualificados. E, pior, como
estudiosos do assunto têm alertado: por falta absoluta do ferramental
básico em matemática e interpretação de textos entre os nossos jovens –
atribuível às atuais condições da nossa educação – talvez não consigamos
resolver essa carência antes de melhorar consideravelmente as nossas
escolas públicas, onde estão quase 90% dos alunos. Não há dúvidas,
portanto, que um mau sistema educacional tem consequências negativas
para a produção econômica do país; melhorá-lo, portanto, só pode ter
consequências positivas na economia.
Mesmo concentrando a análise
no aqui e agora, uma maior parte do PIB destinada à educação não
reduzirá esse PIB, no médio prazo, como parece que aqueles contrários ao
aumento proposto pretendem nos fazer acreditar; apenas a forma de se
distribuir a produção é que será alterada. Afinal, se forem construídos
mais prédios e equipamentos escolares, em que isso pode reduzir o PIB?
Se os trabalhadores do setor educacional tiverem aumentos salariais e,
portanto, mais recursos para movimentar o lado saudável da economia, por
que esta seria afetada negativamente? E qual poderia ser o impacto
negativo na economia se aumentarmos o número de professores e de
estudantes nas escolas públicas? A necessidade premente de se empreender
essas ações é uma das razões fundamentais para se aumentar os recursos
em educação pública, com o objetivo de influir para a melhoria de sua
qualidade.
Nunca se ouviu falar que um maior investimento nos
demais setores de serviços (saúde, transporte, hotelaria, comércio,
alimentação etc.) tenha impacto negativo na economia; jamais se ouviu
falar que algum país que conseguiu superar atrasos escolares investindo
em educação tenha tido dificuldades econômicas por causa disso; jamais
se ouviu falar de um país cuja crise econômica fosse explicada pelo fato
de ter uma população bem escolarizada. E a atual crise econômica nada
tem a ver com investimentos excessivos em educação, com bem sabemos. Por
que, então, usar aquele tipo de argumento econômico quando se trata da
educação pública brasileira?
Interesses econômicos
Há
acusações de que a reivindicação por mais recursos para a educação é
corporativa, pois conta com o apoio de entidades estudantis e de
professores. Isso não está correto: uma melhor remuneração dos
professores consta do pacote de ações do PNE e, sem dúvida, é amplamente
reconhecida como condição básica para reverter a desvalorização, que
atualmente afeta a profissão, implicando baixas oferta e procura por
cursos de licenciatura, em especial na área de ciências exatas. Essa
reivindicação está na pauta de muitas entidades científicas,
profissionais, sindicais e religiosas, que reconhecem o valor da
educação para o desenvolvimento de um país: são entidades preocupadas
com o crescimento social e cultural da nação e com o bem estar da
população, não apenas com o interesse específico de seus membros. Seria
absurdo imaginar que a reivindicação pudesse não estar na pauta de
entidades que congregam educadores e estudantes que, afinal, são aqueles
que melhor conhecem nossa realidade educacional.
Talvez a chave
para entender a verdadeira origem da oposição ao aumento significativo
da participação da educação no PIB brasileiro seja a seguinte: se for
aumentada a participação da educação no PIB, a participação de outros
setores será, obviamente, diminuída. Portanto, aqueles que se opõem
àquele aumento, ao mesmo tempo, estão defendendo a não diminuição da
participação dos outros setores.
É evidente, que dentro das contas
públicas dos municípios, estados e da união, não há muito de onde
tirar. Não é possível reduzir os gastos em saúde, previdência, justiça,
segurança, transportes etc., pois todos esses setores também são
carentes de recursos. Portanto, não é daí que viriam os recursos. Talvez
se possa conseguir alguma coisa com os juros das dívidas públicas. Mas o
custo dessas dívidas já não é mais muito significativo, pois os juros
reais, descontada a inflação e o imposto de renda na fonte, estão abaixo
de 2% ao ano, o que, combinado com uma dívida da ordem da metade do
PIB, forneceria cerca de 1% do PIB.
Uma fonte possível e
significativa de recursos viria da eliminação de subvenções dadas pelos
municípios, estados e união, na forma de renúncias fiscais, abatimentos
de impostos e subsídios, a vários setores e a pessoas físicas. Segundo o
próprio Tribunal de Contas da União, a renúncia fiscal apenas da União
oi, em 2011, de “R$ 187,3 bilhões [que] ultrapassaram a soma dos
orçamentos da saúde, educação e assistência social”. Só esse valor, que
não inclui as renúncias fiscais de estados e municípios, já é da ordem
de 5% do PIB. Talvez aí esteja uma das razões para tanta campanha contra
uma maior participação da educação pública no PIB brasileiro, já que os
grandes beneficiados dessas subvenções estão exatamente nos setores
mais bem aquinhoados da população e mais bem posicionados para fazer
barulho.
Outro caminho para conseguir maiores recursos para a
educação seria um aumento dos impostos para patamares mais condizentes
com o que é adotado nos países capitalistas, em especial naqueles que,
pobres ou ricos, mantêm um sistema educacional razoável. Um trabalho
recente do IPEA mostra que essas correções das alíquotas, ainda que
bastante conservadoras e nos mantendo ainda aquém do que se pratica nos
países mais organizados, poderiam gerar quase 3% do PIB. Se combinadas
com a abolição das renúncias fiscais, já teríamos uma quantidade
significativa de recursos para os setores sociais. Possivelmente uma
maior formalidade da economia e um combate à sonegação fariam com que a
arrecadação pública brasileira se aproximasse daquela dos países mais
organizados e, aí, poderíamos ter melhores saúde, educação, previdência,
transportes, moradias, saneamento, justiça, segurança etc.
Conclusão
O
crescimento da produção econômica, vale dizer, de bens e serviços, só
vale realmente a pena se a ele corresponder o desenvolvimento social e
cultural do país e a promoção do bem estar da sociedade. Assim, com um
aumento da participação da educação pública no PIB, o que deverá
ocorrer, pelo menos em grande parte, por um aumento da arrecadação
pública, podemos ganhar de vários lados. Se esse aumento for bem
dirigido, as fábricas de móveis produzirão menos mesas de bar e mais
carteiras escolares; nossas crianças e jovens passarão mais tempo
participativos e atentos às atividades propostas por um professor do que
a joguinhos em celular, em computador ou a programas pouco instrutivos
da televisão; construtoras, pedreiros e engenheiros se ocuparão mais com
construções escolares do que com shopping centers; as confecções
produzirão mais uniformes escolares do que roupas de grife. E, o que é o
melhor, haverá boas universidades e licenciandos bem preparados para
educar as próximas gerações e garantir um futuro melhor para o país.
Enfim,
poderemos trocar más práticas por práticas melhores e todos
ganharíamos. Muitos países fizeram isso e deu certo. Por que não fazer
aqui também? Mas, claro, essa é uma opção ideológica e dependente de
classe e de quem a toma.
Otaviano Helene é professor do Instituto de Física da USP, foi presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Inep/MEC e Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora do Instituto de Física da USP, membro dos Gripo de Trabalho de Política Educacional da Adusp e do ANDES-SN.
Fonte: Carta Capital.
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