Já não era sem tempo. A mobilização social, dezenas de grandes
manifestações nas cidades com reivindicações em muitas áreas, afinal
trouxe para as ruas um tema – a chamada “mobilidade urbana” – até então
quase limitado às notícias de prejuízos financeiros ou de tempo perdido
pelos usuários. Por isso mesmo, a discussão mais ampla ficava bastante
confinada a editoriais de jornais ou artigos de especialistas.
Os números e outras informações sobre transporte urbano nesses dias
foram impressionantes. A começar pelo cálculo (Mobilize, 12/7) de que as
isenções de impostos para veículos de transporte individual e gasolina
desde 2003 já somam R$ 32,5 bilhões, com os quais seria possível
implantar 1.500 km de corredores de ônibus ou 150 km de metrô. Pode-se
comparar essa cifra também com aplicações do Ministério das Cidades para
financiar 95,6 km de metrô, trens, estações: R$ 15,4 bilhões. Só a
redução da Cide no preço da gasolina significou R$ 22 bilhões; as
reduções de IPI sobre veículos chegarão no fim deste ano a R$ 10,5
bilhões. Mas o ministro da Fazenda tem dito que esses subsídios são
importantes porque a indústria automobilística significa 25% da produção
industrial – ainda que, pode-se acrescentar, signifique prejuízos
imensos para os usuários de transportes coletivos.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), já há três anos São Paulo
perdia R$ 33 bilhões anuais com congestionamentos de trânsito – R$ 27
bilhões só com o que deixava de produzir no tempo perdido (Estado,
19/9/2010). O tempo médio que os paulistanos perdiam no transporte já
chegava a quase três horas por dia, nesse mundo de 3,8 milhões de
veículos. Hoje, conforme a FGV, são R$ 50 bilhões anuais, mais que o
orçamento da Prefeitura paulistana, de R$ 42 bilhões. E não por acaso,
em 12 anos as tarifas subiram (192%) mais que a inflação – dados do Ipea
(Estado, 5/7). Para o cidadão o prejuízo anual é de R$ 7.662,33, de
acordo com a Fundação Dom Cabral. Sem falar nos problemas e custos da
poluição do ar, para as pessoas e o poder público.
Mas como se vai enfrentar tudo isso se a questão da mobilidade urbana
não chega a inspirar macropolíticas que conjuguem não apenas todas as
áreas e municípios das regiões metropolitanas e grandes cidades, como
enfrentem os problemas centrais – como diz a estudiosa Raquel Rolnik
(24/6)? Fazê-lo implicaria romper com o modelo rodoviarista, rever
custos e contratos de concessão (trombando com a cartelização), abrir as
contas públicas do setor de transportes. Como avançar sem questionar,
por exemplo, o projeto do trem-bala Rio-São Paulo, que, só ele, já é
orçado em R$ 33 bilhões (começou em R$ 10 bilhões, hoje se diz que
poderia chegar a R$ 60 bilhões, e ainda com financiamento público de
90%). Seu orçamento já daria para triplicar o metrô em São Paulo e no
Rio, diz a jornalista Miriam Leitão. E ainda se pode comparar com o que a
União, segundo o site Contas Abertas, investiu no setor em 11 anos:
apenas R$ 1,1 bilhão dos R$ 5,8 bilhões previstos em orçamentos. O
sétimo balanço do PAC mostra que das 50 obras para a mobilidade urbana
apenas duas foram concluídas, 63 projetos para cidades médias estão “em
preparativos”.
E os danos com acidentes? O Brasil já é o país em quinto lugar nos
acidentes de trânsito, com 21,5 mortes por 100 mil habitantes (4 na
Alemanha, 2,5 na Suécia). Já devemos estar acima de 40 mil mortes por
ano (eram 37,6 mil em 2009), das quais 8,79 mil de pedestres. Não por
acaso, quase 50% dos carros testados no País (15 de 26 modelos) eram
inseguros, segundo o Programa de Avaliação de Carros Novos na América
Latina (Estado, 10/6). A rede pública de saúde investiu em 2011 mais de
R$ 200 milhões no tratamento de 157 mil vítimas do trânsito; em cada 10
leitos de UTIs, 4 são ocupados por elas.
Mas a frota de veículos só cresce. São mais de 300 mil automóveis e
outros veículos novos por mês. Em dez anos, a frota cresceu 122%,
enquanto a população aumentava 12% (O Globo, 30/1). A indústria do setor
prevê que até o final da década dobrará o número de carros nas ruas –
para circular onde?
Não haverá soluções? Em muitos lugares elas estão sendo buscadas, por
vários caminhos. Buenos Aires, por exemplo, avançou muito com a
expansão das vias exclusivas para ônibus, implantação do BRT (Bus Rapid
Transit) em 200 km de corredores exclusivos, ampliação de vias para
bicicletas (Instituto do Meio Ambiente, 12/7). Na Cidade do México, três
linhas de trens foram instaladas com subsídios, assim como 25
corredores para BRT (que incluem mais 15 cidades). Os EUA multiplicaram
seus trens de alta velocidade para cobrir 6.800 km – e a um número
próximo pretendem os chineses chegar até 2015. Na Inglaterra, em
Pointon, estão sendo retirados os semáforos das ruas e promovido o
compartilhamento dos espaços entre veículos e pessoas, sem confinamentos
– o mesmo conceito que a Coreia do Sul está adotando na cidade de
Songdo. Viena tem 1.700 km de ciclovias, além do metrô, do bonde, dos
VLTs (veículos leves sobre trilhos), dos ônibus elétricos.
Afirma a Associação Nacional de Empresas de Transporte Urbano (Eco21,
junho de 2013) que há 113 projetos de BRT em 25 cidades brasileiras e
que até 2016 eles estarão implantados em 1270 km de corredores
exclusivos – o que significaria forte avanço, já que um ônibus
transporta tantos passageiros quanto 120 automóveis.
Com passeatas nas ruas ou não (graças à redução de tarifas), o tema
não pode ir de novo para segundo plano ou o esquecimento – ou, então,
estaremos todos condenados à imobilidade e ao impensável.
P. S.: No artigo da semana passada neste espaço cometi um engano:
onde se lê que com “cada metro cúbico” de radiação solar se pode gerar
muito mais energia que em outros formatos, o correto é “em cada metro
quadrado”. Peço desculpas pelo descuido.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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