Durante o 13° Encontro de Culturas Tradicionais da
Chapada dos Veadeiros, entre 19 e 27 de julho, na Vila de São Jorge,
município de Alto Paraíso de Goiás, cerca de 70 lideranças de
comunidades tradicionais do Cerrado trataram das dificuldades que
enfrentam para manter preservados seus modos de vida e o ambiente que
ocupam.
O Segundo Encontro Regional da Rede Cerrado reuniu povos
tradicionais de Goiás e do Distrito Federal. Comunidades - quilombolas,
indígenas, pequenos agricultores, extrativistas, geraizeiros (populações
tradicionais que vivem no Norte de Minas), ribeirinhos e vazanteiros
(que produzem na época das vazantes dos rios).
César Victor, membro da coordenação da Rede Cerrado, explica que a
rede envolve entidades da sociedade civil protetoras do Cerrado. São
movimentos sociais preocupados com questões sócio-ambientais e que podem
trabalhar em integração, lutando para que as políticas públicas visem a
exploração sustentável do bioma. A rede foi criada durante a Eco 92,
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
ocorrida no Rio de Janeiro em junho de 1992.
O Cerrado é o segundo maior bioma do país, atrás apenas da Amazônia.
Abrange uma área que ocupa doze unidades da Federação. São elas: Bahia,
Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná,
Piauí, Rondônia, São Paulo, Tocantins e Distrito Federal.
As lideranças que participaram das reuniões, na Vila de São Jorge,
são integrantes das organizações que formam a rede. É o caso do índio
Hiparidi, da etnia Xavante, membro da Mobilização dos Povos Indígenas do
Cerrado. Ele faz parte da coordenação da Rede Cerrado e veio de Mato
Grosso para participar. Para Hiparidi, os principais problemas
enfrentados pelos índios que vivem no bioma são a expansão do
agronegócio e os grandes empreendimentos, como hidrelétricas e estradas,
ao redor das terras indígenas e, até mesmo, dentro delas.
"Com isso, a gente vai perdendo os territórios, vai ocorrendo
desmatamento. Aí começa a perder a língua, a cultura, começa a perder os
conhecimentos tradicionais. Isso é o maior problema e isso acontece
desde a invasão do Brasil até hoje".
Hiparidi também se diz preocupado com a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 215, que transfere a função de demarcar territórios
indígenas do Poder Executivo para o Congresso Nacional. Hoje, a
demarcação de terras é feita pelo Ministério da Justiça, por meio da
Fundação Nacional do Índio (Funai). "A demarcação de terras vai se
tornar [uma decisão] meramente política, ao invés de técnica", disse.
César Victor, que representa também a Funatura, organização não
governamental que luta pela conservação e uso sustentável da
biodiversidade, aponta ainda a necessidade de um marco legal específico
para o Cerrado. Segundo ele, o marco precisaria reconhecer aspectos
importantes que a lei geral não reconhece. Entre eles, a necessidade de
se fazer um zoneamento do Cerrado, apontando, por exemplo, áreas
ocupadas por comunidades tradicionais e que precisam ser preservadas.
César
lembra que, tramita desde 1995 no Congresso Nacional, uma PEC que
reconhece o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais. Hoje,
apenas a Amazônia e a Mata Atlântica estão incluídas na Constituição de
1988. "Seria um instrumento muito forte. Tanto do ponto de vista
simbólico, quanto para a definição de políticas públicas pro Cerrado",
acredita. Mesmo já aprovada em uma comissão especial da Câmara em 2006,
ele não vê chances de levar a proposta para votação em plenário na atual
legislatura. "A gente tem que se preparar, os eleitores devem se
preocupar em quem estão votando, para eleger candidatos comprometidos
com o desenvolvimento sustentável da região."
O Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), órgão
responsável pela gestão de unidades de conservação federais, também
participou das reuniões. Para o diretor do ICMBio, João Arnaldo, a
ameaça mais comum para o Cerrado é a substituição da vegetação original
por atividades agropecuárias. Ele acredita que o bioma precisa de mais
áreas de conservação, até mesmo para garantir o mínimo de 10% de
preservação de cada bioma do país, previstos na Convenção da Diversidade
Biológica da ONU, da qual o Brasil é signatário.
Para ele, é preciso trabalhar junto com a sociedade para definir
regiões prioritárias a serem preservadas. Desafio de todas as esferas de
governo, já que as unidades de preservação podem ser municipais,
estaduais ou federais. Um dos critérios é o conceito de área
insubstituível, fragmentos do bioma que só existem em um determinado
local. Além disso, as áreas ocupadas por comunidades tradicionais, com
seus saberes, com sua convivência sustentável com a natureza, merecem
ser protegidas. "Para garantir o sustento desses povos e a consolidação
dos serviços ecossistêmicos que eles prestam ao povo brasileiro,"
esclarece Arnaldo.
Ainda para o diretor do instituto, é um equívoco permitir qualquer
relação de conflito de estratégias entre a criação de unidades de
conservação e a produção agrícola. "Porque não dá para ter uma parte da
sociedade construindo a estratégia de conservação e outra parte da
sociedade disputando essa mesma área para outras finalidades. Então, ter
isso como uma meta comum para o povo brasileiro é o que vai garantir,
inclusive, que daqui a alguns anos, nós possamos ter o orgulho de dizer
que somos o celeiro do planeta, produzindo grãos e oferecendo alimentos
para todo mundo, sem ameaçar nossa biodiversidade. Esse talvez seja o
grande selo verde que nós podemos oferecer para nossa agricultura",
defende.
Durante
o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros,
quilombolas e índios participaram de oficinas sobre a Convenção 169, da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), promovidas pela
Secretaria-Geral da Presidência da República. A convenção determina a
consulta prévia, às comunidades tradicionais, sobre empreendimentos que
possam afetar as terras onde vivem. O xavante Hiparidi acha importante
que as lideranças indígenas conheçam a convenção para exigir seu
cumprimento pelo governo brasileiro e levar casos de abusos a cortes
internacionais.
Ao todo, a Rede Cerrado vai promover cinco encontros regionais. O
primeiro foi no município da Chapada Gaúcha, no norte de Minas Gerais, e
contou com a participação dos povos do Grande Sertão Veredas. Os
próximos encontros ocorrerão nos municípios de Tocantínea (TO), Campo
Grande (MS) e Augustinópolis (TO). Esse último vai tratar exclusivamente
das demandas dos povos indígenas. As propostas apresentadas nessas
reuniões serão encaminhadas ao Encontro Nacional da Rede Cerrado, que
ocorre em abril do ano que vem.
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