Deveria ser de leitura obrigatória para administradores públicos e
legisladores em todos os níveis – começando por governo federal,
Congresso, governos estaduais, deputados, prefeitos, vereadores -, mas
também para empresários e consumidores, o texto Gestão de resíduos
sólidos para uma sociedade mais próspera, escrito pelo professor Ricardo
Abramovay, do Departamento de Economia, e das pesquisadoras Juliana S.
Speranza e Cécile Petitgand, do Núcleo de Economia Socioambiental, todos
da Universidade de São Paulo (USP). Dificilmente se encontrará texto
mais abrangente sobre a questão dos resíduos e as políticas adequadas
que devem norteá-la, mais rico em informações, capaz de levar a mudanças
indispensáveis.
É um tema decisivo para o Brasil, que no ano passado produziu 63
milhões de toneladas de resíduos domiciliares, mas não está reduzindo
essa geração, nem em termos absolutos nem por pessoa. Segundo o texto,
40% do lixo, pelo menos, vai para lixões ou aterros “controlados”. E
muito pouco se tem avançado. O problema não se restringe às áreas de
saúde pública e de ocupação de espaços urbanos. Por isso os avanços
dependerão também de uma “reformulação” até mesmo do setor privado e de
seus “padrões de oferta de bens e serviços” – o que já faz parte dos
objetivos estratégicos dos países do Primeiro Mundo, que responsabilizam
os produtores de bens, o setor de embalagens e os geradores de
inovações tecnológicas por soluções que levem a melhor aproveitamento de
materiais (em computadores e celulares, por exemplo, ou na área de
produtos químicos, na qual já existem 248 mil produtos em circulação; um
aparelho de televisão pode ter até mais de 4 mil componentes).
Mas só 10% dos municípios brasileiros apresentaram – no prazo, que já
esgotou, estabelecido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)
– seus planos de gestão para a área, eles que devem ser os principais
executores. Em geral, enfrentam forte resistência dos produtores de
bens, de políticos que a eles se aliam (em troca de “financiamentos para
campanhas”) e da maioria da própria população, que entende não ser sua a
obrigação, porque já paga impostos em que estariam embutidos serviços
da área. E isso dificulta a legislação e a aplicação do princípio
poluidor/pagador, de onde deveriam vir os recursos. Na Europa, nos EUA,
no Japão essa responsabilização do produtor de bens e dos geradores de
resíduos tem sido a chave dos avanços.
O texto agora divulgado pelos professores da USP vê muitas
ambiguidades no conteúdo da PNRS, começando exatamente pela falta de
definição clara das responsabilidades e pelo financiamento e organização
da logística reversa, que levaria de volta aos produtores as embalagens
dos bens consumidos. Também deixa às prefeituras os custos de coleta e
destinação do lixo – o que é muito problemático, principalmente com a
predominância de resíduos orgânicos. Só há aterros adequados em 27% dos
municípios. A criação de mais aterros e os custos envolvidos incluem-se
entre os obstáculos, até por causa da distância, que encarece os custos
de transporte do lixo coletado. E a necessidade de formar consórcios
entre as municipalidades implica muitas dificuldades políticas, em
especial com a resistência dos que temem perder poder ou deixar de
influir nas concessões.
Já fizemos alguns avanços importantes em alguns setores – com
destaque para pneus descartados, embalagens de agrotóxicos, recebimento
obrigatório de pilhas e baterias, óleos lubrificantes -, mas falta
muito. Também há avanços na recuperação de embalagens de alumínio (dado o
alto custo da energia na produção desse material), do papel e do
plástico, do aço. Ainda faltam caminhos para levar quem gera mais lixo a
pagar mais.
Problemas não existem só aqui. Resíduos são uma questão difícil em
todo o mundo, já que é produzido 1,3 bilhão de toneladas anuais – a
produção per capita dobrou nas últimas décadas e chega a 1,2 quilo
diário. E a previsão é de que chegue a 2,2 bilhões de toneladas em 2020,
embora a tonelagem incinerada ou depositada em aterros na Europa, por
exemplo, tenha caído, graças à reciclagem, que passou de 23% para 35% na
primeira década deste século. Na Alemanha a produção de resíduos caiu
15% com a introdução de sistema baseado no princípio poluidor/pagador:
cada gerador de resíduos em residências, por exemplo, tem de separá-los
obrigatoriamente e paga uma taxa proporcional ao volume do recipiente em
que são coletados; o lixo orgânico é recolhido pelo poder público e
enviado para aterros ou usinas de incineração; o “lixo seco”
(embalagens, etc.) vai para outro recipiente e é recolhido em todo o
país por uma entidade mantida pelos produtores dos bens consumidos, que
pagam proporcionalmente ao volume, tiragem, etc. Os resultados foram
altamente positivos em tempo curto.
Mesmo com os avanços os países da OCDE, que têm população equivalente
à da África toda, produzem cem vezes mais lixo que esse continente,
observa o estudo. Ou 50% de todo o lixo do mundo. E ainda exportam uma
parte de seus resíduos – principalmente eletrônicos – para países
africanos, numa espécie de “colonialismo da imundície”, como tem sido
chamado em relatórios internacionais já registrados neste espaço em
artigos anteriores. Os EUA também exportam 50% de seus resíduos
eletrônicos.
Embora o estudo não seja pessimista, precisaremos de muito esforço
para chegar a transformações indispensáveis no poder público em todos os
níveis, ainda mais que a própria população também resiste a qualquer
inovação que dela exija contribuição financeira em impostos ou taxas. Da
mesma forma, parte do setor produtivo não quer incorporar custos,
alegando que sofrerá perda de rentabilidade (que só ocorreria se a regra
não fosse geral). Mas não há alternativas – a não ser a sujeira, a
degradação de áreas urbanas, o desperdício.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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