Já se disse tudo sobre os guarani-kaiowá. Nada parece comover a
“civilização brasileira” de que o extermínio desse povo é um crime
imperdoável e o sangue de suas crianças recai sobre todos nós.
Dói
na alma ler a carta da comunidade Pyelito kue”"Mbarakay, de Iguatemi
(MS), divulgada depois que a Justiça de Naviraí (MS) determinou sua
retirada da beira de um rio.
É um daqueles documentos que
testemunham momentos graves na formação do país, como os relatos de
Canudos e do Contestado, da Revolta da Chibata, da escravidão, da
ditadura, dos incontáveis massacres e chacinas que tingem o chão de
nossa pátria.
Ouçamos a voz guarani-kaiowá: “(…) avaliamos a nossa
situação e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não
temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na
margem do rio quanto longe daqui. Estamos acampados a 50 metros do rio
Hovy, onde já ocorreram quatro mortes, sendo que dois morreram por meio
de suicídio e dois em decorrência de espancamento e tortura de
pistoleiros das fazendas. Moramos na margem deste rio Hovy há mais de um
ano, estamos sem assistência nenhuma, isolados, cercado de pistoleiros e
resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos
dia a dia para recuperar o nosso território antigo Pyelito
kue-Mbarakay”.
Onde estão os poderes da República, o sistema
político, as grandes empresas que se dizem salvadoras da economia
nacional? Onde está a opinião pública? Onde está o brasileiro cordial?
Escutemos:
” (…) ali estão o cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes
desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados
junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso,
pedimos ao governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de
despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e
para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para
decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários
tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos
corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais”.
Há um suicídio a
cada seis dias entre os guarani-kaiowá. Quase 50 são assassinados por
ano. Agressões incontáveis. Falta ética, respeito à vida e
responsabilidade para com os mais frágeis.
Não faltam
anestesiadores de consciência sempre dispostos a minimizar a gravidade
da situação, ao dizer que os índios estão blefando, que as “ONGs
estrangeiras” estão por trás, conspirando contra o Brasil.
A
pergunta é: até quando assistiremos o genocídio sem fazer nada? Cada um
sabe se é um destinatário da pergunta e em que medida participa da
resposta.
Marina Silva é ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010.
Fonte: Folha de S. Paulo.
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