Marcus Eduardo de Oliveira
Economista, professor e especialista em Política Internacional pela Universidad de La Habana - Cuba
Desde seu surgimento pelas mãos de John Keynes, a
macroeconomia tem como objetivo central o crescimento econômico à espera dos
sufocantes padrões de consumo. De forma equivocada, muitos ainda acreditam que
a abundância material "produz” bem-estar e permite melhorar substancialmente a
vida das pessoas, cabendo à atividade econômica ser a protagonista principal
desse filme cujo enredo é conhecido: manda quem pode (as forças de mercado) e
obedece quem tem juízo (o bolso dos consumidores).
No afã em se produzir a qualquer preço para o atendimento
das propagadas necessidades humanas -cada vez mais ilimitadas- a política
econômica faz o jogo do mercado e, assim, contribui para transformar
artificialmente desejos em necessidades. Para isso, põe a roda da economia para
girar com mais força visando o alcance de taxas mais elevadas em termos de
produção de bens e serviços; afinal, apoiada por ampla propaganda televisiva, o
consumo precisa acontecer para o regozijo da classe produtora.
Mas, como nem tudo que reluz é ouro, nesse meandro
produção-consumo não há como refutar uma assertiva: para crescer economicamente
(produzir mais) é necessário usar o meio ambiente (fatores naturais) e, em
decorrência desse "uso” crescer significa, grosso modo, "destruir”.
Assim, essa premissa pode ser reescrita de outra forma:
Consome-se, logo, destrói-se. Produz-se mais, logo, agride-se mais.
Pois bem. Numa sociedade centrada no uso e na força do
dinheiro como mecanismo potencializador de qualquer consumo temos a premissa de
que "o consumo consome o consumidor”, como diz profeticamente Frei Betto em "A
Mosca Azul”.
Diante disso, uma crucial e instigadora pergunta se apresenta
como pertinente: como produzir mais para satisfazer desejos e necessidades de
consumo se há visivelmente limites e pré-condições impostas pela natureza que
impossibilitam esse atendimento em escala crescente?
Como existe o desejo em prontamente atender as necessidades
mercadológicas impostas pelo apelo consumista, que por sinal são cada vez mais
vorazes, primeiramente, em respeito ao bom senso, deve-se ter em conta aquilo
que Clóvis Cavalcanti, especialista em economia ambiental, chama a atenção com bastante
veemência: "mais economia implica menos ambiente”.
Isto posto, se é verossímil o fato de que o consumo consome
o consumidor, a macroeconomia do consumo consome a natureza e, por esse
"consumismo” desenfreado de recursos naturais (limitados, finitos) por parte da
atividade econômico-produtiva, em breve, sem exageros retóricos, não haverá
mais natureza, não haverá mais economia, mais mercado, produtos, consumidor,
vida.
Em nome do "crescimento econômico” a destruição ambiental
tem se apresentado com mais veemência nos últimos tempos, ainda que muitos
insistam em fechar os olhos para tal questão. O certo é que mais produção
material – com a atual matriz energética largamente usada – hoje em dia se
traduz como sinônimo de mais emissões de gases de efeito estufa. É
imprescindível conter o total dessas emissões, caso contrário, elevando-se a
temperatura média do planeta teremos mais enchentes, derretimento de geleiras,
mais secas.
Na esteira dessa análise, a economia tradicional beira a
cegueira e incorre no crasso e estúpido erro ao confundir e não diferenciar
crescimento (quantitativo) de desenvolvimento (qualitativo). De um lado, têm-se
a receita tradicional da macroeconomia keynesiana: buscar o crescimento
econômico para atenuar os desequilíbrios em relação à taxa de emprego e renda.
Do outro, têm-se a questão ecológica que ressalta a não existência de recursos
naturais em quantidades disponíveis para a ocorrência desse tal crescimento. O
que não se coloca claramente é que crescimento econômico, como diz Ricardo
Abramovay em "Muito Além da Economia Verde”, não é uma fórmula universal para
se chegar ao bem-estar. Não se nega a importância do crescimento da economia; o
que não se pode é fazer dele uma "finalidade”, pois o mesmo é apenas um "meio”
para que a vida econômica prospere.
Desse embate teórico, algo tem de ficar bem esclarecido: uma
maior produção econômica irá derrubar mais florestas, irá agredir o solo, usar
mais água, o ar, a energia, teremos mais aumentos de emissões globais de gases
de efeito estufa e teremos, sim, a vida colocada em risco pelo desequilíbrio
climático decorrente disso tudo.
Continuando com a falta de lucidez por parte
da economia tradicional, a insistência em crescer economicamente além dos
limites significa ainda aumentar o intercâmbio global de produtos, base essa do
atual e avassalador modelo de globalização que recomenda, na ponta final, que a
"receita para o sucesso” é ter sempre a geladeira repleta de produtos, de
preferência importados. Ora, é simplesmente insano fazer com que um ketchup,
por exemplo, vindo dos Estados Unidos "viaje”, às vezes, mais de 10 mil
quilômetros para chegar ao mercado brasileiro quando poderia ser produzido
domesticamente e "viajar” menos de 1.000 km para chegar às mesas dos
brasileiros.
No entanto, para esse modelo de globalização que corre às
soltas atestando que o produto importado é a característica mais visível da
modernidade, pouca relevância tem o gasto energético intenso envolvido nessa
"viagem” de fora para cá do ketchup. Pouco importa se isso é altamente
agressivo sobre o meio ambiente e potencialmente gerador de CO2.
Nessa mesma linha de raciocínio, vejamos outro exemplo de
como o consumo consome o consumidor e junto a isso a economia consome a
natureza pondo a estabilidade climática à beira do precipício: a fruta
nectarina produzida em Badajoz, na Espanha, "viaja” quase 400 quilômetros de
caminhão queimando combustível até chegar a Portugal, no Porto de Lisboa. De lá
vem ao Brasil, chegando ao Porto de Santos vinte dias depois. Alguém consegue
imaginar o quanto foi gasto em termos energéticos nesse processo? Isso é
inadmissível numa sociedade que já consome em energia e recursos o equivalente
a um planeta e 1/3.
Ora, acatar esse modelo de consumo desenfreado (que não
passa de um parâmetro falso de bem-estar) "patrocinado” pela macroeconomia da
destruição da base natural e "propagandeado” por uma estrutura midiática que
movimenta bilhões de dólares e se legitima por gordos lucros é continuar
jogando terra sobre a capacidade de se obter desenvolvimento sustentável, pois
isso está longe de melhorar a qualidade de vida das pessoas. Ao contrário: isso
apenas reforça a ideia mercadológica (e sabemos que os mercados nunca
promoveram bem-estar) e potencializa o triste fato do consumo consumir o consumidor
possibilitando a chegada mais rápida da era do caos em termos de qualidade de
vida relacionada aos serviços ecossistêmicos.
Fonte: Adital
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