A abundância material das sociedades contemporâneas nem de longe
produz o bem-estar que dela se poderia esperar. É também por isso que há
uma ideia convincente, defendida pelas mais elevadas vozes da Economia
Ecológica, em torno de que países que chegaram a certo nível de
prosperidade e bem-estar devem renunciar de maneira explícita as
políticas de crescimento.
A ideia de crescimento incessante da produção e do consumo choca-se
contra os limites que os ecossistemas impõem à expansão do aparato
produtivo, assevera Ricardo Abramavoy, em “Muito Além da Economia
Verde”. Portanto, querer assegurar melhoria da qualidade de vida aos
mais necessitados, a partir da expansão material, consubstanciada em
elevadas taxas de crescimento da economia, é incorrer em grave erro.
É oportuno destacar, nesse pormenor, que o crescimento econômico não é
uma fórmula universal para se chegar ao bem-estar. O crescimento deve,
assim, ser visto como um meio, não como uma finalidade. Isso é
facilmente identificado como um dos erros mais comuns cometidos ainda
hoje pela miopia da política econômica do crescimento que, a qualquer
custo, deseja associar, em especial, a elevação da renda à obtenção
automática daquilo que se convenciona chamar de “bem-estar”.
Não raro, pensam alguns que, basta promover a elevação da renda per
capita, para que o bem-estar então seja rapidamente alcançado, e, com
isso, se atinja a tal almejada felicidade. É a conquista do “paraíso”,
por esse prisma, sendo facilitada para quem tem mais condições
financeiras e mais possibilidades de consumo, abarcando uma quantidade
maior de bens materiais.
Que a elevação da renda é benéfica, disso pouca gente deve duvidar;
porém, esse “benefício” vai só até certo ponto; até o ponto exato em que
se consegue assegurar a conquista das necessidades básicas.
Passado esse ponto, crescer (economicamente) causa sintomaticamente à
sociedade mais “custos” (ecológicos) que “benefícios”
(socioeconômicos). Dizem os mais antigos, em associação a isso, que o
molho acaba saindo bem mais caro que o peixe.
Ora, toda vez em que há exagerado crescimento econômico, pouco tempo
depois cresce também, por consequência, a necessidade por parte do poder
público em “eliminar” (ou atenuar) os focos (na verdade, os malefícios)
causados por esse crescimento expansivo.
Talvez o excesso de trânsito, tão comum nas grandes cidades mundiais
(no mundo, hoje, circulam mais de um bilhão de veículos leves e pesados,
sem incluir as motocicletas) e os mais terríveis focos de poluição (um
milhão e meio de pessoas perdem suas vidas, todos os anos, ao redor do
mundo, em decorrência da poluição) sejam, de perto, os exemplos mais
ilustrativos e as faces mais dramáticas desse episódio.
Ademais, não há como negar uma evidência: mais crescimento econômico
significa mais dissabores sociais, gerando, na ponta final, menos (e não
mais) bem-estar. Dito de outra forma: mais economia (produção e
consumo) leva a menos meio ambiente (exaustão acentuada de recursos
naturais) ocasionando mais poluição (resíduo do processo produtivo,
degradação entrópica) que, por sua vez, resulta em menos vidas
preservadas.
Em “Os Limites do Possível”, André Lara Resende aponta que “mais
renda nem sempre significa mais bem-estar”. Mais renda e mais
crescimento econômico “deságuam”, conjuntamente, numa situação incômoda
de não se conseguir, por exemplo, ajustar esse excesso de “mais
mercadorias” num mundo que vem dando claros sinais, por anos a fio, que
está excessivamente entulhado de todo e qualquer tipo de mercadorias.
Por isso Lara Resende vaticina com bastante propriedade que “há um
efeito deletério do crescimento econômico sobre a qualidade de vida”.
Qualidade de vida, como o próprio termo sugere não se refere à
quantidade, mas, sim, a qualidade. Há uma diferença acintosa entre
quantidade e qualidade, assim como há diferenças conceituais entre
crescimento (quantidade) e desenvolvimento (qualidade). E, para obter
qualidade, não é preciso aumentar o rendimento mensal.
Logo, qualidade de vida (dito, desenvolvimento econômico) não passa
pela condição financeira e nem pela expansão da atividade econômica
(crescimento). É perfeitamente possível fazer com que uma economia se
desenvolva sem necessariamente passar pelo crescimento econômico. É
perfeitamente possível se chegar à qualidade de vida sem crescimento da
atividade econômica. É perfeitamente possível alcançar bem-estar sem se
empaturrar na abundância material.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e
professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO (São Paulo). Especialista
em Política Internacional pela (FESP) e mestre pela (USP).
Fonte: EcoD.
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