“A posição do Brasil é um pouco ambígua; o país já teve um papel
de liderança nas negociações sobre as mudanças climáticas, mas esse
papel se reduziu na medida em que se optou por ser mais um dos BRICs ao
invés de ser uma ponte entre os países desenvolvidos e os países que
emergem, como já foi no passado”, avalia o economista Sérgio Besserman
Vianna.
“A dicotomia meio ambiente de um lado, e crescimento econômico,
combate à pobreza, combate à desigualdade do outro é anacrônica, é algo
para ficar no século passado”, pontua Sérgio Besserman Vianna na
entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone.
Segundo ele, neste século está “cada vez mais claro que só poderemos
ter perspectivas de crescimento econômico se formos capazes de evitar a
continuidade da degradação da natureza do planeta”. O economista
enfatiza que as incertezas acerca de como a “humanidade vai reagir
principalmente frente às mudanças climáticas” está “paralisando
investimentos” e dificultando o cálculo da taxa de retorno de projetos
de longo prazo. Essa insegurança, menciona, “virou uma restrição à
retomada do crescimento desde a crise de 2008, dado que não só não há
mais dicotomia, como muito possivelmente uma recuperação efetiva da
economia global vai passar por uma tomada de decisões com relação a
mudanças climáticas e outros problemas ambientais”.
Defensor de uma governança global para projetar ações relativas ao
enfrentamento das mudanças climáticas, o economista enfatiza que um
acordo global ou até mesmo uma proposta de governança “não ocorrerá por
boa vontade de uma ou outra liderança”. A falta de convergência,
assinala, deverá impactar as negociações do acordo a ser firmado em
2015, na Conferência das Partes em Paris, o qual substituirá o Protocolo
de Kyoto. “As dificuldades serão imensas porque o que está em jogo é a
geopolítica, ou seja, o poder e a segurança energética de países que
dependem de fósseis. Também haverá muita dificuldade na distribuição, no
cálculo da contribuição que cada país, cada nação dará para a redução
dessas emissões, e dificuldades normais em qualquer negociação que afeta
interesses envolvendo mais de 170 países”. Enquanto não se chega a um
consenso, a prioridade, ressalta, é que “se retirasse imediatamente
qualquer subsídio a combustíveis fósseis. Se não se consegue ainda
começar a transição para a gigantesca redução das emissões de gases de
efeito estufa, pelo menos é importante que se deixe de usar o dinheiro
das pessoas, arrecadado em forma de tributo, para subsidiar o
aquecimento do planeta”.
A “esperança”, “a grande novidade” poderá surgir durante a COP-21,
com a participação dos EUA nas negociações do novo acordo climático. “O
presidente Obama aparecerá nessas reuniões, principalmente em Paris, com
capital para jogar. Ele não precisará mais ser o ‘cara do veto’, ele
tem cartas na mão para o jogo político e diplomático, que são as
reduções norte-americanas em função da substituição de carvão por gás
natural. Da mesma maneira, a China tem compreensão de que se os Estados
Unidos e a União Europeia entrarem em um processo de transmissão para
baixo carbono, o crescimento econômico da China vai depender de ela
também se engajar nesse processo, caso contrário retaliações comerciais
seriam inevitáveis”. E conclui: “No que isso vai resultar e como a
mudança da postura desses dois principais atores — Estados Unidos e
China — afetará as negociações é o que nós vamos descobrir, mas pelo
menos é um fator de alento para que tenhamos esperanças de sair da
inércia”.
Sérgio Besserman Vianna é doutor em Antropologia Social pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em História Social
da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-RJ e graduado em Economia pela mesma universidade.
Confira a entrevista:
IHU On-Line – É possível pensar em crescimento da economia
global sem gerar mais problemas ambientais? Trata-se de uma dicotomia ou
essas duas propostas podem ser unidas?
Sérgio Besserman Vianna - Essas duas questões hoje,
obrigatoriamente, têm de ser pensadas de uma forma conjunta. No século
XXI está cada vez mais claro que não é a natureza, ou seja, o meio
ambiente que tem problema. A natureza tem um tempo muito diferente do
nosso — dezenas, milhões e bilhões de anos. Assim, qualquer coisa que a
humanidade faça, a natureza, no tempo dela, vai se recuperar sem
qualquer dificuldade. Mas, ao mesmo tempo, a ciência tem nos informado
que esse crescimento tem se acelerado muito nos últimos anos e a
natureza do nosso tempo, essa que admiramos, amamos e da qual
dependemos, não está mais conseguindo se recuperar das degradações
provocadas pelo processo produtivo de consumo humano a tempo de
continuar a nos entregar serviços indispensáveis à economia e à
humanidade, como clima, solos, biodiversidade, água, etc.
Então, a dicotomia meio ambiente de um lado, e crescimento econômico,
combate à pobreza, combate à desigualdade do outro é anacrônica, é algo
para ficar no século passado. Neste século é cada vez mais claro que só
poderemos ter perspectivas de crescimento econômico se formos capazes
de evitar a continuidade da degradação da natureza do planeta. Ao mesmo
tempo, como esse conhecimento já está consolidado, a incerteza que
continua a existir sobre como a humanidade vai reagir, principalmente,
frente às mudanças climáticas, está paralisando investimentos, torna
difícil — se não impossível — o cálculo da taxa de retorno de projetos
de prazo mais longo e virou uma restrição à retomada do crescimento
desde a crise de 2008, dado que não só não há mais dicotomia, como muito
possivelmente uma recuperação efetiva da economia global vai passar por
uma tomada de decisões com relação a mudanças climáticas e outros
problemas ambientais.
IHU On-Line – Como o senhor vê os discursos de
desenvolvimento sustentável e economia verde? Há uma tentativa de a
economia se sobrepor às questões ambientais? Quais são os temas mais
urgentes a serem discutidos quando se trata de economia e meio ambiente,
tendo em vista a sustentabilidade e o atual momento econômico e
ambiental?
Sérgio Besserman Vianna – É preciso distinguir os
impactos ambientais locais — um rio, uma bacia hidrográfica, um
território dentro de uma cidade ou um bioma — dos problemas
ecossistêmicos globais. Do ponto de vista local, muita coisa tem sido
feita, o Sebrae tem sido muito atuante, muitos atores econômicos e
sociais têm participado da busca de produções locais. Os principais
problemas estão relacionados aos recursos hídricos, como estamos
observando hoje a crise no abastecimento de água em São Paulo e nos
reservatórios de energia elétrica do país; aos resíduos sólidos, porque
nós ainda estamos no século passado, querendo acabar com os lixões,
quando no mundo mais desenvolvido o lixo tende a desaparecer, sendo
grande parte reciclável e o resto produtor de energia ou outros insumos;
e à gestão do território em si, porque a proteção da natureza é uma
garantia de que nós vamos continuar a ter oferta de água, de clima e
assim por diante. Então, proteger nascentes, proteger matas ciliares,
florestas perto de cidades ou áreas verdes têm um impacto considerável
no clima e muita coisa tem sido feita nesse contexto por aquilo que
chamamos de economia verde. Cada sociedade, cada município, cada
comunidade atribuiu um valor maior ou menor a essas questões, mas é
crescente o engajamento, a participação e a busca por soluções.
Já no plano global são muitos os problemas, mas dois se destacam. Um
deles é a crise da biodiversidade e a extinção das espécies. As
projeções são de que até o meio do século serão extintas cerca de 20% ou
mais das espécies vivas do planeta, e não sabemos o que ocorrerá quando
isso se realizar. Há um acordo global sobre a conservação da
biodiversidade, mas ele não é implementado.
O outro problema prioritário é o de mudanças climáticas. Esse é
urgente, é grave, é profundo, porque nós não temos tempo, porque o
estoque de gases na atmosfera já está elevado demais, já não temos tempo
de evitar um aquecimento da temperatura média do planeta superior a 2
graus centígrados. Nos próximos anos, em duas ou três décadas, teremos
de ter uma gigantesca revolução tecnológica envolvendo não apenas a
produção, a oferta de energia, mas toda a economia, os materiais que se
utiliza, o padrão de consumo. Haverá uma grande alteração nos preços
relativos da economia de mercado global, negócios grandes deixarão de
existir, oportunidades e outros negócios vão surgir e a mudança será
muito grande. Se nós não fizermos nada, teremos um aumento da
temperatura média do planeta superior a 4,5, talvez 6 graus centígrados,
o que não será o fim do mundo, o fim da civilização, mas será um
pesadelo com grandes consequências, principalmente sobre populações
pobres, que são as que estão em posições mais vulneráveis e têm menos
recursos para se defender.
IHU On-Line – Como o senhor avalia as interpretações de
alguns economistas de que a transição ecológica é inseparável de uma
transição social? Qual pode ser a contribuição dessa transição ecológica
para as questões sociais?
Sérgio Besserman Vianna – Essa observação é muito
justa. No século XIX, dois jovens, Karl Marx e Engels, escreveram o
livro A ideologia alemã. Eles não gostaram do livro, o colocaram na
gaveta para não ser publicado, mas ele foi achado, publicado e ali tem
uma frase genial: “Só existe uma ciência, a ciência da história”. Essas
divisões — economia, sociologia, antropologia, ciência política e a
própria ecologia — são janelas que nós criamos para facilitar a
tentativa de analisar e de entender a realidade, que é muito complexa,
mas só existe uma ciência, uma realidade, e essa realidade é a história.
Na história do século XX, pelo fato de já sermos 7 bilhões de pessoas
— seremos 10 bilhões —, pelo impacto ambiental ter aumentado
enormemente, pelo fato de termos chegado aos limites do planeta em
vários temas, mas com destaque para as mudanças climáticas e a
biodiversidade, o que irá acontecer no restante deste século,
principalmente na primeira metade, com relação às condições sociais de
vida das pessoas, ao processo produtivo, àquilo que é objeto de desejo
de consumo, à própria cultura, aos valores, é inseparável das decisões
que a humanidade vai tomar com relação à crise ecológica. Nós vamos
descobrir, de certa maneira, quem somos: se somos aqueles capazes de
agir hoje para evitar problemas lá na frente, daqui a 20, 30 anos, e
mais ainda para os nossos filhos e netos, ou se somos aqueles que não
nos interessamos por isso, vivemos nossa vida e os que vão nascer no
futuro resolverão essa questão mais adiante.
IHU On-Line – O senhor aponta a resolução dessas questões a
partir de ações e atitudes individuais. Contudo, pensando no âmbito
político, como pensar numa governança global nos dias de hoje,
considerando que os países não conseguem chegar a acordos nas
Conferências do Clima, por exemplo? Como essa governança global daria
conta de catalisar ou sugerir uma direção para os diversos problemas a
serem enfrentados atualmente, como as mudanças climáticas, a questão
econômica?
Sérgio Besserman Vianna – Essa é uma grande
incógnita. De fato não existe hoje uma governança global para essa
tomada de decisão. Mais do que isso, a governança global está tão falha
que não consegue lidar com praticamente nenhum problema, quanto mais com
um problema complexo como esse das mudanças climáticas. Mas, a natureza
não espera, ela não está dando a menor importância às nossas
dificuldades diplomáticas, geopolíticas, econômicas. Nós temos uma
janela de oportunidades de 10, 20 anos, no máximo, para iniciarmos a
transição da economia de baixo teor de carbono e evitar os piores
cenários de aquecimento global. Então, como haverá um encontro dessa
necessidade com a atual incapacidade de tomada de decisão, ninguém sabe.
As negociações diplomáticas não sugerem que um acordo seja possível, os
interesses a serem contrariados são muito grandes, interesses
econômicos, geopolíticos. De outro lado, o conhecimento, principalmente o
científico, mas também os relatos de povos ao longo do mundo, que
observam as transformações da natureza, deixam claro que, com relação a
mudanças climáticas, a decisão tem de ser rápida.
Eu não sei a resposta e ninguém sabe, mas acredito firmemente que ela
depende de cada um de nós, não só fazendo a sua parte, reduzindo
emissões, etc., mas mais do que isso, fazendo política com “P”
maiúsculo, política em torno de ideias. Somos nós os cidadãos do
planeta, porque agora todos nós somos cidadãos locais e globais. Se no
Brasil fizermos todo o dever de casa com relação ao desmatamento e
milagrosamente chegarmos ao desmatamento zero, ainda assim, se formos
para os piores cenários de aquecimento global, vamos perder grande parte
— se não a maior parte — da Amazônia. Então, agora temos de nos
manifestar e exigir dos nossos representantes, dentro das nossas nações,
que conheçam o tema — porque são ignorantes na sua maioria — e se
posicionem sobre o assunto, e devemos votar levando esse fator em conta.
IHU On-Line – Nas discussões das Conferências do clima sempre
pesam as decisões econômicas e políticas dos países. As nações deveriam
pensar outro modelo de desenvolvimento?
Sérgio Besserman Vianna – Isso não ocorrerá por boa
vontade de uma ou outra liderança. O que está em jogo aqui não é um
pequeno problema ambiental, o que está em jogo é a civilização dos
combustíveis fósseis, é o jeito como vivemos em todos os lugares, na
Escandinávia, na América Latina, na África, na Ásia, nos Estados Unidos.
Essa civilização dos combustíveis fósseis tem que terminar, senão o
planeta vai aquecer muitíssimo neste século, e o sofrimento em vida e os
custos econômicos serão elevadíssimos. Um bom exemplo é perguntar: o
que sai mais caro, despoluir a Baía de Guanabara agora ou ter trabalhado
para que ela não fosse poluída antes? Despoluir é muito mais caro.
Podemos fazer uma analogia com o planeta: enfrentar as consequências
desse grande aquecimento global sairá muitíssimo mais caro do que
evitá-lo, e já não é mais possível evitá-lo da forma como seria
desejado.
Respondendo diretamente sua pergunta: a transição da atual
civilização de combustíveis fósseis para uma economia de baixo teor de
carbono traz custos, modifica os preços relativos, contraria diversos
interesses, mas é inevitável. E todos os negócios, grandes e médias
companhias do mundo, os próprios pequenos e médios empreendedores, todos
vão se defrontar, em algum momento, com uma dramática alteração dos
preços relativos, um custo que afetará muito os seus negócios. É preciso
estar atento para evitar os principais problemas e aproveitar as
oportunidades, mas o custo da inação já não é mais aceitável.
Então, em algum momento, não sabemos como, passará pela pressão da
sociedade civil planetária, a transmissão para o baixo carbono terá de
ser uma realidade e, mais do que isso, acelerada.
IHU On-Line – Qual tem sido o desempenho do Brasil no
processo de enfrentamento das mudanças climáticas e da transição
energética? O Brasil está atento a essa mudança?
Sérgio Besserman Vianna – A posição do Brasil é um
pouco ambígua; o país já teve um papel de liderança nas negociações, mas
esse papel se reduziu depois na medida em que se optou por ser mais um
dos BRICs ao invés de ser uma ponte entre os países desenvolvidos e os
países que emergem, como já foi no passado — isso do ponto de vista
diplomático. Do ponto de vista político, o assunto já foi mais
considerado e atualmente tem sido mais ignorado.
Nós temos um ponto positivo e uma preocupação muito grande: o ponto
positivo é a redução do desmatamento; o controle do desmatamento reduziu
muito as emissões brasileiras e há um trunfo para ser usado nas
negociações. O ponto negativo é que na economia nós fizemos muito pouco,
até há bons planos setoriais para a agricultura de baixo carbono e
diversos outros, que não foram implementados, mas simultaneamente a
nossa matriz energética vem se sujando mais a cada ano.
A matriz energética é muito limpa porque é baseada em
hidroeletricidade, mas os problemas de escassez vêm afetando os
reservatórios, e por conta disso tem se acionado térmicas, e térmicas a
carvão, térmicas a óleo combustível. Nesse sentido, não há uma política
clara de constituição de uma matriz energética que não apenas continue
tão limpa quanto já foi no passado, mas que se torne mais limpa, ou
seja, não há uma aposta clara em eficiência energética e das fontes
renováveis de energia que levem em conta a necessidade de transição para
baixo carbono.
IHU On-Line – É possível vislumbrar quais são as dificuldades
em torno do documento que substituirá Kyoto, que já expirou em 2012,
tendo em vista o novo acordo climático global a ser firmado em 2015, na
França? Que temas deveriam ser prioridade nesse acordo que já começou a
ser negociado?
Sérgio Besserman Vianna – As dificuldades serão
imensas porque o que está em jogo é a geopolítica, ou seja, o poder e a
segurança energética de países que dependem de fósseis.
Também haverá muita dificuldade na distribuição, no cálculo da
contribuição que cada país, cada nação dará para a redução dessas
emissões, e dificuldades normais em qualquer negociação que afeta
interesses envolvendo mais de 170 países.
A ONU não é uma instituição habilitada à tomada de decisões rápidas;
ela representa as nações, mas é pouco eficaz como a teoria dos jogos
explicaria perfeitamente, porque qualquer país tem direito de veto e
assim por diante.
As dificuldades, então, serão muito grandes, geopolíticas e
principalmente econômicas, porque o que está em jogo também é o ritmo de
depreciação dos ativos, é a mudança no processo de produção de consumo.
É verdade que grandes companhias e empresários do mundo têm perfeita
consciência de todo esse problema e já se posicionam para o novo mundo,
digamos assim, mas também há muitas companhias e empresários que
preferem ignorar e apostar tudo no lucro de curto prazo. Essas
resistências serão as maiores dificuldades.
A prioridade maior de todas — porque embora haja uma data para o
acordo em 2015, pode não se chegar a esse acordo — seria que em todos os
países do mundo se retirasse imediatamente qualquer subsídio a
combustíveis fósseis. Se não se consegue ainda começar a transição para a
gigantesca redução das emissões de gases de efeito estufa, pelo menos é
importante que se deixe de usar o dinheiro das pessoas, arrecadado em
forma de tributo, para subsidiar o aquecimento do planeta. Isso ocorre
na maior parte dos países e também no Brasil, por exemplo, com a
manutenção artificialmente baixa do preço da gasolina, ou com subsídios
na compra de automóveis sem discriminar os veículos que emitem muito ou
que são mais eficientes.
IHU On-Line – Em relação à geopolítica, quais países terão
mais peso nas negociações de 2015? Nas negociações de Kyoto, os EUA
dificultaram as negociações. Hoje o país ainda desempenha um papel
fundamental no sentido de assumir uma postura contrária ao acordo?
Sérgio Besserman Vianna – Até hoje nós tivemos um
jogo naturalmente complicado, mas tanto os Estados Unidos quanto a China
eram atores mais voltados para vetar e embarreirar o avanço do que para
fazer as negociações progredirem. Isso mudou muito nos últimos anos com
o gás não convencional — que no Brasil nós chamamos gás de xisto — nos
Estados Unidos. Eles passaram a ter quase autonomia energética por mais
de um século e meio, e embora o gás natural seja um fóssil que aqueça o
planeta, ele é utilizado lá para substituir o carvão, sendo que nesse
sentido é visto como uma vantagem, porque o carvão é muito pior que o
gás natural.
A grande novidade em 2015 na Conferência das Partes — talvez já
apareça um pouco nesse ano na Conferência das Partes de Lima, que é
preparatória para a conferência de Paris — é que o presidente Obama
aparecerá nessas reuniões, principalmente em Paris, com capital para
jogar. Ele não precisará mais ser o “cara do veto”, ele tem cartas na
mão para o jogo político e diplomático, que são as reduções
norte-americanas em função da substituição de carvão por gás natural. Da
mesma maneira, a China tem compreensão de que se os Estados Unidos e a
União Europeia entrarem em um processo de transmissão para baixo
carbono, o crescimento econômico da China vai depender de ela também se
engajar nesse processo, caso contrário retaliações comerciais seriam
inevitáveis. Então, no que isso vai resultar e como a mudança da postura
desses dois principais atores — Estados Unidos e China — afetará as
negociações é o que nós iremos descobrir, mas pelo menos é um fator de
alento para que tenhamos esperanças de sair da inércia.
IHU On-Line – Quais as expectativas para a Conferência do
Clima – COP-20 deste ano, em Lima, no Peru? Quais os principais temas a
serem discutidos?
Sérgio Besserman Vianna – Esse modelo de negociações
climáticas das Nações Unidas reproduz um pouco a forma de negociação da
Organização Mundial de Comércio: é extremamente detalhado, e toda a
tecnologia das negociações globais comercias foi trazida para as
negociações das mudanças climáticas. Em 2014, em Lima, o que vai ser
discutido de mais importante são os mecanismos de financiamentos para os
países que necessitarão de recursos, seja para mudar o seu processo
produtivo, seja para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas, e o
financiamento da redução do desmatamento, da preservação das florestas.
Isso é importante, mas o mais importante em Lima serão as negociações
de bastidores para ir preparando para 2015 uma negociação mais profunda e
capaz de atender as metas que têm de ser alcançadas e que são muito
grandes.
Fonte: IHU On-Line.
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